17 março 2013

a corrida aos depósitos bancários

Comentário de Christian Rickens no Spiegel online (tradução rapidíssima do alemão):


Comentário: a corrida às poupanças dos clientes bancários 

Clientes bancários no Chipre: confiscação parcial das poupanças

Trata-se de justiça, mas também de pragmatismo: o Chipre tem de expropriar parte dos depósitos bancários do país, para reduzir as suas dívidas. Um passo na direcção certa. E agora começa a quarta fase da crise do euro. 

Quando, daqui a umas décadas, os historiadores dividirem a crise do euro em segmentos, provavelmente falarão deste 16 de Março como o início da quarta fase. Por pressão dos outros estados europeus, o Chipre vê-se obrigado a expropriar parte dos depósitos bancários, fazendo-os participar no saneamento financeiro do país, que em grande parte foi arrastado para a crise devido ao seu sector bancário sobredimensionado. Uma imposição drástica, que não afecta apenas os oligarcas russos, que gostam de guardar o seu dinheiro na ilha mediterrânica, mas também as poupanças da classe média cipriota. Durante o fim-de-semana o Parlamento vai discutir à pressão as leis de expropriação, as contas bancárias serão congeladas. E a que cenas assistiremos na terça-feira, quando os bancos cipriotas reabrirem? Provavelmente cenas que normalmente associamos a estados sul-americanos em crise, e não aos estados do Sul da Europa. 

Contudo, o envolvimento forçado dos aforradores é mais um passo na direcção de mais pragmatismo e mais justiça, que também estiveram presentes nos outros marcos da crise do euro. 

- No princípio, na fase 1, dominava a crença de que a crise se resolveria com quadros de garantias e programas de austeridade. Por outras palavras: os contribuintes de toda a zona euro deviam assumir a carga total. Uma opção que em grande parte foi sugerida aos políticos pelo lobby da indústria financeira internacional. Esta opção lançou o Sul numa duradoura recessão e provocou desavenças entre os cidadãos do Norte e do Sul da Europa.
- A fase 2 começou com o primeiro corte na dívida grega. Com o reconhecimento - correcto - de que os credores também tinham de suportar parte da responsabilidade: todos os bancos e companhias de seguros que ao longo dos anos tinham descuidadamente concedido crédito aos países do Sul da Europa.  
- A fase 3 foi marcada pelo entretanto lendário discurso de Mario Draghi, o chefe do Banco Central Europeu. No Outono de 2012 anunciou que os Estados que estão em processo de reformas receberão apoio do BCE sob a forma de compra ilimitada de títulos da dívida. Uma violação de todos os princípios monetários tradicionais - mas que, a posteriori, se revelou ser a medida certa: o gesto pragmático numa situação de extrema necessidade.  

Já se desenham as próximas quebras dos tabus
Chegou a vez da expropriação dos clientes dos bancos. Por enquanto, não representa mais que uma contribuição simbólica para a resolução da crise do Chipre, mas representa também o sinal certo: para os contribuintes da Europa, é uma questão de justiça que eles não tenham de suportar sozinhos os custos da crise. Só assim se consegue evitar que a crise do euro conduza a uma desconfiança europeia ainda maior.  
É uma questão de justiça para os cidadãos, e de pragmatismo para os gestores da crise do euro. Os contribuintes, sozinhos, não conseguem salvar a Europa da armadilha das dívidas. Quem quiser resolver o problema da zona euro, tem de ir procurar dinheiro suplementar lá onde o pode encontrar: nos detentores de títulos, no BCE, nos clientes e - espera-se - em breve também nos proprietários dos bancos em crise, e ainda nos cidadãos milionários do Sul da Europa.
Porque já se desenham as próximas quebras de tabus: na Espanha, milhares de milhões do ESM serão aplicados no saneamento dos bancos em crise, o que torna ainda mais importante o envolvimento dos accionistas e dos credores desses bancos. E os problemas da Itália poderiam ser aliviados se os seus cidadãos mais ricos fossem chamados a contribuir por meio de um imposto sobre a riqueza.
Evitar recorrer a qualquer uma destas fontes de financiamento, por temer alegadas consequências catastróficas nos mercados financeiros, é uma posição que no passado já se mostrou frequentemente insustentável.
***

Alguns comentários dos leitores:

* Já não é possível travar o fim do euro. Ainda este ano vai acabar.

* Aha, fase 4. Nem ouso perguntar como será a fase 5, a fase 6 e a fase 7...

* Será que a Mamã & Cª conseguiram levar a sua avante? Será que a nova arma secreta da política da UE é a expropriação dos clientes bancários = cidadãos? Ora então, boa noite, UE + euro. Vamos é sair da união dos incapazes. Já. 

* Por enquanto, os artigos sobre este tema ainda têm a palavra "Chipre". Curiosamente, já nem reparo nela. Prevejo uma lavagem ao cérebro na Alemanha, e o aforrador alemão obrigado a contribuir em nome da famosa "justiça". Será que o Spiegel Online e a Frau Merkel conseguirão aguentar até ao Outono de 2013 sem começarem a relacionar estes temas com a Alemanha? Basta ignorar no texto a palavra "Chipre", e já se pode aplicar ao povinho alemão. 

* Sem querer alimentar preconceitos, as contas dos russos no Chipre podiam suportar um imposto mais alto. Pelo menos as contas de mais de um milhão de euros. 

* Em vez de perseguir eficazmente os que fogem aos impostos, vai-se atrás dos pequenos aforradores segundo o princípio da igual distribuição. O entendimento dos políticos como "representantes do povo" mudou muito, graças aos lobbies financeiros. 

* Vou é tratar de pôr o meu dinheiro na Suíça e comprar ouro.

* Bem, parece que no Chipre preferem expropriar os pequenos aforradores, em vez de criar impostos permanentes e correctos sobre o capital. Parece que, depois desta contribuição pontual, o Chipre quer continuar atractivo para os depósitos dos milionários russos. 

* A solução do problema dos bancos e estados falidos não pode ser assim tão difícil! As poupanças até 50.000 euros estão garantidas. Acima disso, quando mais dinheiro, maior a taxa de imposto. Ou alguém acredita que um magnata russo vai morrer de fome se em vez de dois mil milhões de euros só tiver vinte milhões na sua conta? Cidadãos, revoltai-vos! Assim não pode continuar. 

* Infelizmente o autor deste texto esqueceu-se de referir que houve uma fase 0, quando os que provocaram a crise financeira receberam ajudas sem serem chamados a responder pelos seus erros. 


3 comentários:

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...



Reler Brecht:

"primeiro levaram os depósitos dos cipriotas e eu pensei que não era nada comigo, depois lovaram os dos malteses e eu encolhi os ombros, a seguir levaram os dos gregos e voltei a cara para o lado..."?

Helena Araújo disse...

Muito antes de irem aos depósitos dos cipriotas já começaram a dizer aos alemães que um dia o Estado lhes vai tirar metade do que têm, ou mais. Que a dívida pública está a crescer de uma forma impossível de pagar, e que em algum momento vai ser preciso tomar medidas. Muito antes de irem aos depósitos dos cipriotas já puseram uma bela percentagem de reformados alemães no limiar da pobreza. Soubeste do relatório sobre a pobreza na Alemanha?

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...



Não, mas admito que a situação alemã também seja grave. O pior de tudo é ver isto como uma competição entre Países. Eu sempre me recusei a apontar baterias à Merkel e ao Schäuble, desviando-as dos nossos governantes, mas agora vejo que estão todos no mesmo barco, eles os governantes - alemães, holandeses, portugueses, gregos, cipriotas... - e nós todos, os europeus, noutro barco muito distinto. Como em 1914 e 1939! Só que, agora, a guerra é-nos servida fria... Por enquanto?

Começo a avaliar melhor o que terão sofrido os Socialistas, os Comunistas e, em geral, os pacifistas europeus, alemães e franceses, nos anos 30.