07 novembro 2012

finalmente, uma carta que me apetece assinar!


Um desafio à Chanceler Merkel

Exmª Srª Chanceler Merkel, Escrevemos-lhe em antecipação à sua visita oficial a Portugal no próximo dia 12 de Novembro. No programa dessa visita há uma oportunidade perdida: a Srª Chanceler vai falar com quem já concorda com as suas políticas. E mais ninguém. Julgamos poder afirmar que a maioria dos portugueses discorda das suas políticas e poderia ter consigo uma conversa honesta e para si instrutiva acerca do que se está a passar no nosso País e na Europa. Uma das primeiras coisas que lhe poderíamos explicar é como Portugal perdeu, só no último ano, 22 mil milhões de euros em depósitos bancários — mais do que aquilo que agora é obrigado a cortar em despesas sociais. Mas há mais: em transferências de capitais, Portugal perdeu pelo menos 70 mil milhões de euros desde o início da crise. Se este número faz lembrar alguma coisa é porque ele é praticamente igual ao montante do resgate ao nosso país. O que isto significa é que a insolvência de Portugal é, em primeiro lugar, o resultado das insuficiências das lideranças europeias e de gravíssimos defeitos na construção da moeda única. Portugal tinha à partida problemas e insuficiências. Os cidadãos portugueses sabem disso melhor do que ninguém. É por isso que lhe podemos dizer: as políticas atuais agravam os nossos problemas e impedem-nos de os resolver. Quanto mais prolongadas estas medidas de austeridade forem, mais irreversíveis serão os seus efeitos negativos. É por saberem isso, por verem isso no seu quotidiano, que os portugueses estão angustiados e indignados. Talvez no seu breve percurso por Portugal possa ver que muitos de nós pusemos panos negros nas nossas janelas. A razão é muito simples: estamos de luto. Estamos de luto pelo nosso País. A Srª Chanceler virá entregar a cem jovens portugueses bolsas de estudo na Alemanha. Deveria saber a Srª Chanceler que os portugueses vêem como uma tragédia que a nossa juventude, a geração mais formada da nossa história, em que tanto investimos e de que tanto orgulho temos, esteja a abandonar em massa o nosso país por causa das políticas que a Srª Chanceler foi impondo. Esta sua ação é vista como mais um incentivo para a fuga de cérebros, de que tanto precisamos para a reconstrução do nosso país. A maioria dos portugueses não entende como é possível que não se procure criar condições para que os milhares de jovens licenciados que fogem de Portugal todos os anos queiram voltar para ficar. Tal como também se vive aqui como uma provocação a Srª Chanceler vir acompanhada de empresários alemães, com o propósito de fazerem negócios proveitosos para o seu país, mas desastrosos para o nosso que vê todos os dias nas notícias o seu património a ser privatizado para lucro de todos menos do povo português. E estamos de luto também pela Europa. O grau de distanciamento e recriminação entre os povos e os países da União é estarrecedor, tendo em conta a trágica história do nosso continente. Desafiamo-la a reconhecer, Srª Chanceler, que cometeu um grave erro ao ter recorrido a generalizações enganadoras sobre os povos do Sul da Europa — ao mesmo tempo que condenamos as expressões de sentimento anti-alemão que mancham o discurso público, onde quer que apareçam. As nossas nações europeias, todas elas históricas, são diversas entre si mas iguais em dignidade. Todas devem ser respeitadas e todas têm um papel a desempenhar na União. Cara Srª Chanceler, esta loucura deve parar. A Europa volta a estar dividida ao meio, não por uma cortina de ferro, mas por uma cortina de incompreensão, de inflexibilidade e de irrazoabilidade. Estamos disponíveis, enquanto seus concidadãos europeus, a abrir um verdadeiro debate transparente e participado sobre a saída desta crise e o nosso futuro comum, para que possamos fazer na nossa Europa uma União mais democrática, mais responsável, mais fraterna — e com mais futuro. Mude o programa da sua visita a Portugal. Fale com quem não concorda consigo. Use esta visita como um momento de aprendizagem. Use a aprendizagem para mudar de rumo. Com os nossos cordiais cumprimentos, (Redactores/primeiros signatários:) Rui Tavares Viriato Soromenho Marques André Barata Elísio Estanque José Vítor Malheiros Nuno Artur Silva Ana Benavente Marta Loja Neves José Reis Ana Matos Pires André Teodósio Ricardo Alves Patrícia Cunha e França Geiziely Glícia Fernandes Vera Tavares António Loja Neves Ricardo Alves Paula Gil João MacDonald Evalina Dias Miguel Real

*** Para assinar, usar este link. (Só tenho um reparo: essa história dos empresários. Ainda agora estava eu a dizer que era fundamental que a Europa rica deslocasse parte da sua produção para os países do Sul, para se criar uma rede produtiva europeia mais equilibrada, e agora vou assinar uma carta onde lhe é dito para deixar ficar os empresários em casa? Vou pensar mais um bocadinho - e entretanto, alguém faça o favor de me dizer se estes empresários trazem para cá projectos, ou vêm aos saldos, ou vêm ao preço justo.) PS. A carta é para assinar até sexta-feira, às 11:00.

18 comentários:

Unknown disse...

Os empresários vêm aproveitar os incentivos e depois deslocalizam-se!

Helena Araújo disse...

Sim, também acontece na antiga RDA: enchem-se lá de dinheiro, devido a programas para redinamizar a economia dessa região, e ao fim de alguns anos vão para outro sítio onde dão mais. Mas pode não ser assim. Em Portugal há algumas empresas que são fonte de muita satisfação para a empresa-mãe alemã. Seriam suicidas se as fechassem.
E a folia de irem para a China já lhes está a passar. Já estão a regressar para países mais próximos.

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...



Pois. A "Steiff" vai agora deixar Oleiros e mudar-se para o Magrebe...


Mas a questão é mais funda ainda: os saldos que os Empresários (alemães e não só) aproveitam em Portugal é de património, vendido ao desbarato para "safar" o défice no curto prazo, não é INVESTIMENTO PRODUTIVO!

Mas concordo com a Helena, a Carta não explica isto muito claramente e mete "tudo no mesmo saco", mas por outro lado tem de compreender-se (pela urgência em ter um texto sereno e mínimamente equilibrado).


Eu já a assinei (e estou também a divulgá-la). Apesar da última afirmação, que é a que fica no ouvido (e que reputo de muito infeliz, porque demasiado arrogante: nós mandarmos a Chanceler alemã "mudar de rumo", enfim...).

Joana Lopes disse...

Já agora, Helena: pode-me ter escapado, mas ainda não vi a sua opinião sobre este texto, o mais «nobre».
Não que eu tenha assinado, ou pense assinar, mas fiquei curiosa...

Helena Araújo disse...

Olá Conde de Oeiras,
Que te posso eu dizer? Só me apetece lembrar que Berlim está a recomprar a água, depois de a ter privatizado...

Também assinei, e divulguei - como se vê. E nem a última frase me incomoda: sim, a chanceler precisa de mudar de rumo, precisa de perceber que esta austeridade vai acabar com todos. Com a Alemanha também: ontem andei a espreitar pela net os estudos que se têm feito sobre o dinheiro que a Suíça e a Alemanha vão perder se a Grécia cair e houver uma corrida aos bancos na Espanha, na Itália e em Portugal...

Helena Araújo disse...

Joana,
fiz um post no facebook, mas lembra bem. Vou revê-lo (tem lá um erro de tradução) e passo para o blogue.

Ant.º das Neves Castanho disse...



Eu também acho que a Europa tem de mudar de rumo, não só a Chanceler alemã. Penso é que o tom pedagógico e construtivo da Carta fica algo prejudicado por uma certa arrogância de "pinto a mandar vir com o galo" que emana desta frase, que para mais até é a última. É uma questão de sensibilidade...


Penso que o "mudar de rumo" não significa "mudar de ideias", pode resultar de um maior esclarecimento sobre todos os aspectos relevantes da realidade. E é aqui que estamos a falhar, nós os portugueses, representados pelo nosso Governo. Que afinal foi eleito livremente há pouco mais de um ano, como o Presidente da República, caramba!


Como é que, com este historial de irresponsabilidade recente, temos a lata de dar bitaites arrogantes, transcende-me.

Helena Araújo disse...

Joana, outra vez:
pensei que se referia ao texto do Spiegel. Claro que não, refere-se à carta.
Bom, quanto a essa, respondo aqui (já me chega de fazer posts sobre cartas!):

Basicamente, é um insulto gratuito, e sem plano B.
Porque é que optam por insultar a Merkel, e mandá-la para casa, se a Merkel é uma peça fundamental nesta história? Querem gozar um fenómeno de catarse colectiva, ou querem melhorar a situação de Portugal?

Qual é o plano B destes cidadãos? Se dizem à Merkel que não é bem-vinda, querem com isso dizer que ela pode ficar em casa porque Portugal vai continuar a pagar as continhas à troika e a fazer o que lhe mandam sem sequer tentar negociar? Ou quer dizer que entretanto arranjaram um Pai Natal que lhes empresta dinheiro a juros suportáveis, quanto quiserem e sem impor condições?

Quanto aos empresários: pois, gostava de saber. É mesmo assim, vêm aos saldos, ou trazem empresas para Portugal? Mais: se o património está à venda (e não digo que isso me alegre!), é melhor os alemães ficarem em casa, porque preferimos vendê-lo aos chineses e aos angolanos? Se a melhor maneira de subir o preço de um negócio não é aceitar ofertas de todos os lados, porque é que mandam os alemães para casa? (queixam-se do preço de saldo, mas dizem logo à partida que os empresários alemães não entram - quer-me parecer que não faziam grande carreira na Sotheby's...)

E porque é que nos queixamos de coacção? Porque é que Portugal se deixa coagir, e não apresenta alternativas? Quais foram as alternativas que Portugal apresentou, e que a Merkel recusou porque alegadamente lhe dava mais jeito pôr o património português a saldo?

Quanto às ruínas em que a política da Merkel deixou todos esses países: alguma coisa me escapou, para não me ter dado conta que são protectorados alemães desde o princípio do século.

Quanto ao Wirtschaftswunder (e agora vai-me fugir o pé para o chinelo, mas é que já estou farta desta argumentação): se os portugueses estivessem dispostos a trabalhar tanto e a viver tão mal como os alemães trabalharam e viveram naquela época, com certeza que lhes perdoariam boa parte das dívidas. Deixem-se de histórias! Não viram fotografias de mulheres a limpar os escombros destas cidades com mãos nuas, transportando as pedras em carrinhos de bebé?!

Quanto à brutal repressão salarial etc. - por um lado, podíamos trocar umas ideias sobre o conceito de "brutal". Por outro lado, estou farta de dizer aqui o que é que o Estado alemão garante aos mais pobres (habitação, saúde, etc. e mais quase 400 euros por mês). Finalmente: a situação no mercado do trabalho está muito melhor do que estava antes das reformas do Schröder. Isso é inegável.

Em suma: a culpa é da Merkel. A Merkel pode ficar em casa. Portugal não precisa da Merkel para nada.
Resposta possível da Merkel: se é assim, porque é que me chamaram? Estava eu tão bem a tratar dos meus assuntos internos, tão sossegadinha, e vieram exigir-me que vá resolver os problemas dos outros!

Por isso gosto tanto da carta assinada pelo Rui Tavares e companhia: é só plano B. É só futuro europeu, construção de uma Europa melhor para todos.

Joana Lopes disse...

Helena, resposta curta porque estou de saída.
Não fico admirada pelo que explica e e sabe que não estou de acordo com a sua perspectiva geral. Pergunto-me muitas vezes quais seriam as suas posições se não vivesse por aí - ou a minha na sua situação.
Mas vim só para dizer que, se entrasse nestes abaixo-assinados enviados à Merkel, me sentiria em plena guerra do Solnado:«Está lá? É do inimigo?»

Abraço

Helena Araújo disse...

Joana,
ia responder aqui, mas optei por fazer um post.

Se a Joana vivesse aqui, e soubesse mais sobre os alemães que aquilo que em Portugal se diz, provavelmente também se irritava com estas cartas.

Essa do "Está lá? É do inimigo?" é fantástica.
A Joana assinou a carta do Rui Tavares? Gostei muito dessa: escrita com respeito mas de igual para igual, apelando para a responsabilidade de construirmos um futuro comum.

Helena Araújo disse...

A. Castanho,
nunca poria as coisas em termos de "pinto a mandar vir com o galo" (mas gostei da expressão, hehehe). Esse é um dos motivos que me leva a gostar tanto da carta: é uma carta respeitosa, mas de igual para igual. Só pode ser esta a nossa maneira de estar na Europa.

Portugal tem sido irresponsável, é verdade. E todos sabemos que a Alemanha também não está inteiramente inocente nesta história. Portanto: ou somos todos pintos, ou somos todos galos. Não há aqui lugar para momentos de mea culpa unilaterais. Claro que podemos entrar numa dinâmica de desatar todos a bater no peito, e a pedir desculpa pelos erros passados. Mas o melhor é fazer como se sugere nesta carta: sentemo-nos a uma mesa, como iguais, e tratemos de procurar uma solução boa para todos.

Quanto ao "mudar de rumo": neste momento, a Angela Merkel é o último bastião europeu da austeridade crua e dura. Pode ser que os outros pensem o mesmo, e estejam muito caladinhos, todos satisfeitos por ela estar a fazer o trabalho sujo, mas neste momento, sendo ela o único político da zona euro que defende abertamente a austeridade sem dó nem piedade, é a ela que temos de pedir que mude de rumo.

Joana Lopes disse...

Helena, a parte final deste seu comentário («sendo ela o único político da zona euro que defende abertamente a austeridade sem dó nem piedade, é a ela que temos de pedir que mude de rumo», leva-me a dizer o seguinte: por isso também, é CONTRA ela que reagem aqueles que consideram que este é o rumo errado. É normal e humano...

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...


Joana Lopes, desculpe a intromissão: mas como é que se pode ser CONTRA o Professor que tenta, à sua maneira, impor a ordem e o respeito na Sala, se continuamos a proteger e a encobrir os meninos que se portam mal na Aula?

Tem uma resposta para isto? Ou "estar CONTRA" o Prof. é tudo o que os Alunos precisam de saber fazer?

Assim, não podem admirar-se se ficarem "alunos" para sempre e nunca na vida chegarem a "professores"...

Joana Lopes disse...

Con de Oeiras,
Ah, não sabia que Merkel era nossa professora nem que a União Europeia se tinha transformado num jardim infantil! Pensava que éramos um conjunto de 27 países, em plano igualitário, com dirigentes próprios.

Joana Lopes disse...

Sorry: era CONDE de Oeiras, evidentemente...

Júlio de Matos disse...



Pois se não sabia, deveria saber.


Somos um conjunto de 27 Países, sim, em plano igualitário, sim, com dirigentes - e, mais importante ainda, Constituições - próprios, sem dúvida.


Mas vivemos em "Condomínio". Temos um "Regulamento" a respeitar. E se há Condóminos que têm "as quotas em atraso", é bom que percebam bem depressa que, se não respeitarem os seus compromissos, na próxima Assembleia vão passar por uma vergonha. E eventualmente ser admoestados, como os meninos do Jardim Infantil. Acha errado? Pode sempre voltar para a sua "barraca na Musgueira".


Qual é mesmo a parte desta metáfora que lhe tem escapado?

Helena Araújo disse...

Ó Júlio de Matos,
seria possível falarmos destes assuntos sem esses excessos?
Prezo muito a opinião da Joana Lopes, bem como a tua. O que precisamos agora é de saber falar uns com os outros, e aprender com as diferentes perspectivas, em vez de desatarmos a discutir neste tom.
(sim, bem sei que tenho dado maus exemplos... mas a Joana não merece isto - o modo como conversa connosco está nos antípodas das cartas insultuosas que tanto me fazem saltar a tampa)

Júlio de Matos disse...



Helena, claro que sim, mas repara que o único eventual excesso que encontro no meu comentário é a "barraca na Musgueira", assim mesmo, entre aspas, que óbviamente (parece-me até que seria inútil este esclarecimento) não se poderia nunca referir à Joana Lopes, pessoa que desconheço em absoluto, mas sim a Portugal, claro, representando na metáfora do Condomínio dos 27 alguém que se mudou para ele provindo de uma "condição habitacional" muito inferior.


E é bom que não se esqueça isso, porque as "barracas na Musgueira" (e em tantos outros locais) faziam parte do quotidiano português, entre diversos indicadores económicos e sociais de teor semelhante, no momento em que aderimos à União Europeia.


Frisei esse aspecto apenas por me parecer um dos mais emblemáticos e para enfatizar o que está realmente em causa quando se discute, ou se brande demagógicamente o "argumento" da saída do Euro...