12 novembro 2012

ainda o vídeo do Marcelo Rebelo de Sousa

(foto: Paulo Almeida)

Custava alguma coisa fazer um scan da carta que recusa o uso deste espaço? Podíamos ler os motivos invocados, e ficávamos com as informações necessárias para aferir da justeza do título "Alemanha rejeita bla bla bla Portugal" e para saber se foram mesmo as "autoridades alemãs" ou se foi a administração do Sony Center.

Pensei mais dois tostões sobre este assunto, e:
- O Sony Center e a Potsdamer Platz são espaços construídos por alguns dos mais famosos arquitectos do mundo, e pretendem mostrar uma Alemanha moderna, vital, plena de glamour. Os brincalhões dos berlinenses chamam-lhe "little Manhattan", e não é por acaso que fizeram ali o "walk of fame". No princípio deste mês estenderam nesse chão um tapete vermelho para o Daniel Craig abrilhantar a première alemã do mais recente James Bond. Passar neste espaço público um filme que mais parece feito por diletantes da Coreia do Norte estraga o ambiente. É "unpassend".
- Também pode dar-se o caso de pura e simplesmente estar há muito decidido que naquele espaço não se passam filmes de conteúdo político.


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Sobre o conteúdo do filme:
- Erro original: o filme é feito para desfazer a "imagem péssima que os alemães têm dos portugueses". Pois é, mas os alemães não têm uma "imagem péssima". Aquelas cenas do Carnaval e dos nossos emigrantes são um tiro em cheio a milhas da mouche. Se o Marcelo Rebelo de Sousa fosse o Guilherme Tell, não acertava nem na maçã nem no filho: vazava um olho à avó perdida no meio do público.
- A alfinetada do plano Marshall era perfeitamente desnecessária. Em 1974, esse plano já tinha passado à História. Em compensação, muito do esforço de desenvolvimento português dos últimos trinta anos foi financiado pela UE a fundo perdido. Se fizermos as contas, às tantas ainda vamos concluir que, per capita, os portugueses receberam muito mais da UE que os alemães receberam do plano Marshall.
- Alguns dos números apresentados no filme são muito pouco credíveis. Por exemplo: se a idade da reforma na Alemanha já ia nos 67 anos quando em Portugal ainda era 62, como é que chegam àqueles números? E as horas de trabalho semanais: onde foram buscar aquele valor para a Alemanha?
- Os submarinos alemães, ai, os submarinos alemães. Os empresários alemães, que pagaram luvas a alguém ligado ao governo português para conseguirem vender os seus submarinos, já foram julgados e condenados. E que aconteceu a quem recebeu as luvas, em Portugal? O que aconteceu ao ministro da tutela?
- Os gastos desnecessários de Portugal: os portugueses que decidiram fazer esses investimentos e assinaram esses contratos são todos menores de dezoito anos?
- Os estádios portugueses construídos por consórcios onde havia empresas alemãs: obrigado, igualmente. Até parece que não há consórcios com empresas portuguesas a ganhar dinheiro na Alemanha...
- O desequilíbrio no comércio externo: sim, é verdade - e tem de ser alterado.
- Sobre a antiga dívida externa da Alemanha: se Portugal entende que os povos têm de pagar as dívidas criadas por regimes ou sistemas já extintos, convém que detalhe um pouco mais: todos os povos, ou só o alemão? Dívidas criadas a partir de 1933, ou também as anteriores (por exemplo, desde o século XVIII)? É que assim sem pensar muito, ocorre-me um negócio de enviar moçambicanos para minas na África do Sul, com entrega de 1/3 do salário dessas pessoas, em forma de ouro, ao governo português - o que resultou num aumento, e grande, das reservas de ouro portuguesas. (Por favor, digam-me que isto não é verdade. Queria muito que isto não fosse verdade.)

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Para terminar, comentário de um jovem alemão, que fez recentemente um trabalho sobre propaganda nos documentários do III Reich: "acho que já vi disto em algum lado..."

7 comentários:

snowgaze disse...

não sei se ria se chore, mas que palhaçada...

Júlio de Matos disse...



Este Filme deprimente tem contudo o "mérito" de, ao menos, não induzir em erro numa coisa (a única...): o estado calamitoso em que se encontra o nível de conhecimento geral da opinião pública portuguesa, sobretudo da socialmente mais influente, muito por obra e graça da nossa imprensa dita "de referência".

Este Filme tão despudoradamente demagógico (que no início até se aproveita de algumas das bandeiras propagandísticas dos tempos de José Sócrates, que esta linha política e consequente narrativa comunicacional, noutros contextos, tanto vitupera!) acaba por ser o retrato fiel de um certo "Portugal desconhecido", que tem os dentes limpos de cáries e a pele esticada, mas que por baixo desse verniz está podre e cheira mal, como um cadáver.


E é já, por antecipação, o retrato fiel daquilo em que Portugal se vai tornar, no dia em que a farsa cavaquista e a tragédia gasparista derem o seu último suspiro e as respetivas consequências económicas, sociais e culturais puderem ser avaliadas em toda a sua magnitude.


É o famoso Portugal dos Pequenitos, o que nunca quis, em boa verdade, ser europeu, livre e democrático e que mantém a nostalgia do Império, das Áfricas, das Índias e dos Brasis...

mar disse...

Acho o filme ridículo e não consigo perceber quais foram as fontes de muitos dos dados referidos mas, quanto às idades de reforma, por acaso, até sei de onde vêm: são os dados oficiais da OCDE e referem-se a 2011 (ou seja, antes do aumento gradual da idade da reforma na Alemanha ter começado este ano). Caso a Helena tenha tão pouco tempo e tão pouca paciência para andar à procura entre tantos dados e relatórios disponíveis no site da OCDE como eu, deixo-lhe o link a para um artigo de imprensa em que os mesmos dados são referidos: http://www.spiegel.de/international/europe/the-myth-of-a-lazy-southern-europe-merkel-s-cliches-debunked-by-statistics-a-763618.html

Helena Araújo disse...

Marcia,
obrigada. O gráfico está claríssimo.
(só falta dizer que essa situação, na Alemanha, está em vias de ser drasticamente alterada. Os números do filme estão correctos, mas é preciso cuidado antes de tirar conclusões.)

snowgaze disse...

Na Baviera temos 13 feriados, ole'. :P

Helena Araújo disse...

Na Baviera, não é?
Estes povos do sul, tsss tsss tsss

;-)

Pedro disse...

Muito bom texto. O video destinava-se ( nas palavras do autor ) a desfazer preconceitos que os alemães têm sobre os povos do sul. Quem parece que tem muitos preconceitos somos nós rs rs rs . Cá em Portugal vive-se uma histeria anti alemã. No dia anterior à visita de Merkel, os cozinheiros portugueses apresentavam os pratos que ìam dar à Chanceler. Sabe como lhes chamavam , em público ? Bardamerkel . ( Como sabe dardamerda não é cumprimento bonito ). Isto é assombroso. Merkel é vista como explorando Portugal. A TV publica alimenta esta imagem. Tudo lamentável. Por aqui o nacionalismo míope renasce e a bode expiatório é Merkel. O Governo também é atacado por se baixar à Merkel. meu perfil facebook