11 outubro 2012

Praga (5)


Como de costume, não dou vazão. Daqui a nada saio para o sul da Alemanha (uma amiga festeja 50 anos - isto é que é uma triste vida: mal uma pessoa se distrai um bocadinho, zimbas, passa-se logo meio século!) e ainda não acabei a série de Praga.

Ora então, onde é que eu ia?
Domingo de manhã. Começámos por apanhar o metro para ir para o outro lado do rio. As escadas rolantes nunca mais acabavam - desconfio que o metro de Praga anda em túneis ali para os lados da Austrália. É que nem no Chiado vi uma coisa assim!


A nossa linha de metro estava em obras, de modo que atravessámos o rio a pé. Tanto melhor, porque estava um belo dia de sol para passear.




Saímos na ilha que fica entre as duas pontes do centro, atravessámos devagarinho o seu magnífico parque às portas do Outono.


Ao chegar à ponte Karlova, subimos as escadas, e demos connosco no centro da Disneylândia. Ou melhor: no que a Disneylândia gostava de ser quando for grande.
(Não estou a falar dos turistas, mas daquela extraordinária mistura de torres e casas de várias épocas)


Apanhámos o eléctrico 22, cheio de turistas e carteiristas (dizia o nosso guia). Os turistas, era verdade. Os carteiristas, não tive oportunidade de comprovar. Agarrei-me bem à minha carteira, e saboreei a paisagem. Este eléctrico sobe a colina até ao castelo, e aqui me deparo com uma dificuldade de tradutor. Como traduzir Pražský hrad? Em português dizem castelo de Praga, mas, para mim, esta incrível colecção de palácios reais e nobres, mais a catedral e várias outras igrejas, mais ruas medievais é bem mais que um castelo. Mas burgo - que associo ao surgimento de uma nova classe, os burgueses urbanos, por oposição à nobreza, também não devia ser o correcto. Paço de Praga? Citadela? (citadela sem muralhas?!)


Dentro do "castelo", parecia que tudo nos corria mal: por preguiça perdemos a missa da manhã, por patetice perdemos o render da guarda ao meio-dia (estávamos em frente à catedral quando ouvimos as fanfarras, já era tarde para correr para a praça), por inércia e forretice perdemos a Rua do Ouro, uma ruazinha do séc. XV, onde o Kafka morou. Mas encontrámos outra vez a especialidade de Praga: igrejas por trás de casas. É a catedral de S. Vito, a Santa Engrácia non plus ultra dos checos: começada em 1344, só foi terminada em 1929. Deve ser a única igreja gótica do mundo que ainda não fez cem anos.


Não nos apeteceu comprar o bilhete para entrar em todas as igrejas e palácios. Não nos apeteceu subir à torre da catedral, que tem 280 degraus mas, ao contrário das outras torres antigas da cidade, não tem elevador. Limitámo-nos a passear por ali, e chegámos à conclusão que aquele castelo é como se a catedral de São Pedro no Vaticano tivesse sido virada do avesso: encontramos ao ar livre a mesma profusão de estilos, vestígios históricos e riquezas, a mesma cornucópia arquitectónica.


Descemos a colina a pé, pelo meio das vinhas,


chegámos a um parque onde o inevitável armador de bolas de sabão deixava as crianças fascinadas, uma e outra vez,


passámos por um autêntico cliché de fim do Verão,


contornámos o museu do Kafka e entrámos num restaurante bastante luxuoso com um terraço sobre o rio e a famosa ponte,



onde, troika oblige, encomendámos os pratos mais baratos: um risotto de polvo e açafrão, uma pizza de sashimi de atum com um molho de wasabi que não passava de deliciosa espuma, e as inevitáveis cervejas (mais baratas que água...)



Ao nosso lado, um casal inglês saboreava o menu degustação prato a prato, os felizardos. Estavam a fazer uma viagem de barco, todos os dias paravam numa cidade diferente e faziam caminhadas culturais. Daí a nove dias chegariam a Berlim, antes tinham ainda Dresden e Meißen. O senhor estava todo entusiasmado com a ida a Meißen. Eu, no lugar dele, estaria toda triste com aquela viagem: um dia em Praga? Um dia em Dresden? Um dia em Berlim? Isso é o autêntico suplício de Tântalo - e eles ainda pagaram para serem torturados daquela maneira!

Estava na hora de voltar ao hotel. Atravessámos de novo a ponte, na direcção da antiga judiaria.



Ainda queríamos espreitar o antigo cemitério judaico, que deve ter uma densidade populacional superior à de Hong Kong, mas não vendiam bilhetes só para o cemitério. Ficámos por ali, até que uma porta se abriu, e eu entrei um minuto só, para fazer estas duas fotografias de um lugar inacreditável:


(Senhores gestores do conjunto monumental da judiaria de Praga: por favor, não levem a mal. Prometo que da próxima vez vamos com tempo, compramos os bilhetes e vemos tudo)

Junto ao cemitério e às antiquíssimas sinagogas, a Rua de Paris:



Como dizia no princípio: mil anos de História europeia largada em pistas de urbanismo e arquitectura.

Praga é uma cidade que pede muito mais tempo que um mero fim-de-semana. Voltaremos a ela: para ver os bonecos do relógio astronómico, assistir a um concerto na sala espanhola do palácio real e outro na igreja de São Martinho do Muro, para entrar no teatro onde o Don Giovanni de Mozart se ouviu pela primeira vez. Para atravessar a ponte Karlova de madrugada, sem turistas. Para um teatro de marionetes, que um turista é um turista é um turista. Para visitar a judiaria com calma. Para um dia inteiro no castelo-burgo-paço de Praga, inclusivamente os 280 degraus. Para os museus de Kafka, de Dvorak e os que mais calharem. Para subir de teleférico à colina em frente à cidade antiga, para passear nas ruelas junto ao castelo. Para ouvir o carrilhão da igreja Loreto. Para aprendermos mais sobre a Europa, neste sítio tão longe e tão perto de Portugal.

6 comentários:

Rita Maria disse...

Essa estação de metro era Andel? Observaste as pessoas do outro lado, como pareciam curvadíssimas por ilusão de óptica? eu e a minha mãe rimos uma vez vários minutos por causa disso do engraçado que era :)

Ant.º das Neves Castanho disse...



Curioso como também eu me questionei sobre essa tão insuficiente tradução de "Castelo de Praga" (ainda conservo um íman dele no frigorífico, desde há catorze anos...)!

Parece-me que "cidadela" é de facto uma excelente opção. Muito embora também não me pareça nada mal "burgo", ou até "alcácer", para mim o mais bonito (e até talvez o mais adequado), mas já muito em desuso.


Do que ficaram por ver, eu recomendaria, por esta ordem, o relógio astronómico animado (ver o mecanismo e, sobretudo, conhecer a lenda...), a Rua Dourada, a Ópera (ir a uma récita), o Hotel Europa, na Praça Venceslau, o Teatro das Marionetas e o Bairro Judeu.


Mas Praga é um deslumbramento sem fim, nem seis meses me satisfariam...

Paulo disse...

Como é que os praguenses vêem televisão se não têm antenas? E também não devem ter electricidade; não se vê um único fio pendurado nas fachadas.

Gi disse...

Esta tua visita faz lembrar as minhas: pouco tempo, muito andar a pé de nariz no ar a ver a arquitectura, um cheirinho de tanto quanto possível, contas aos bilhetes de entrada vs o tempo que se pode passar lá dentro, umas paragens para comer alguma coisa quando as pernas e a glicémia o exigem, e uma nota no fim: voltar com mais tempo.

É assim ou não é?

jj.amarante disse...

Esse atraso em visitar Praga a 300 e poucos km quer de Berlim quer de Weimar só se compreende por se saber que está ali tão à mão que se vai deixando para outra altura.

Praga tem muitos encantos mas tem flamingos como Lisboa?
"http://imagenscomtexto.blogspot.pt/2012/10/flamingos-2.html"

Lucy disse...

Obrigada... viajamos por lugares maravilhosos conduzidos por uma ótima guia!