Ora então, onde é que eu ia?
Domingo de manhã. Começámos por apanhar o metro para ir para o outro lado do rio. As escadas rolantes nunca mais acabavam - desconfio que o metro de Praga anda em túneis ali para os lados da Austrália. É que nem no Chiado vi uma coisa assim!
A nossa linha de metro estava em obras, de modo que atravessámos o rio a pé. Tanto melhor, porque estava um belo dia de sol para passear.
Saímos na ilha que fica entre as duas pontes do centro, atravessámos devagarinho o seu magnífico parque às portas do Outono.
Ao chegar à ponte Karlova, subimos as escadas, e demos connosco no centro da Disneylândia. Ou melhor: no que a Disneylândia gostava de ser quando for grande.
(Não estou a falar dos turistas, mas daquela extraordinária mistura de torres e casas de várias épocas)
Apanhámos o eléctrico 22, cheio de turistas e carteiristas (dizia o nosso guia). Os turistas, era verdade. Os carteiristas, não tive oportunidade de comprovar. Agarrei-me bem à minha carteira, e saboreei a paisagem. Este eléctrico sobe a colina até ao castelo, e aqui me deparo com uma dificuldade de tradutor. Como traduzir Pražský hrad? Em português dizem castelo de Praga, mas, para mim, esta incrível colecção de palácios reais e nobres, mais a catedral e várias outras igrejas, mais ruas medievais é bem mais que um castelo. Mas burgo - que associo ao surgimento de uma nova classe, os burgueses urbanos, por oposição à nobreza, também não devia ser o correcto. Paço de Praga? Citadela? (citadela sem muralhas?!)
Dentro do "castelo", parecia que tudo nos corria mal: por preguiça perdemos a missa da manhã, por patetice perdemos o render da guarda ao meio-dia (estávamos em frente à catedral quando ouvimos as fanfarras, já era tarde para correr para a praça), por inércia e forretice perdemos a Rua do Ouro, uma ruazinha do séc. XV, onde o Kafka morou. Mas encontrámos outra vez a especialidade de Praga: igrejas por trás de casas. É a catedral de S. Vito, a Santa Engrácia non plus ultra dos checos: começada em 1344, só foi terminada em 1929. Deve ser a única igreja gótica do mundo que ainda não fez cem anos.
Não nos apeteceu comprar o bilhete para entrar em todas as igrejas e palácios. Não nos apeteceu subir à torre da catedral, que tem 280 degraus mas, ao contrário das outras torres antigas da cidade, não tem elevador. Limitámo-nos a passear por ali, e chegámos à conclusão que aquele castelo é como se a catedral de São Pedro no Vaticano tivesse sido virada do avesso: encontramos ao ar livre a mesma profusão de estilos, vestígios históricos e riquezas, a mesma cornucópia arquitectónica.
Descemos a colina a pé, pelo meio das vinhas,
chegámos a um parque onde o inevitável armador de bolas de sabão deixava as crianças fascinadas, uma e outra vez,
passámos por um autêntico cliché de fim do Verão,
contornámos o museu do Kafka e entrámos num restaurante bastante luxuoso com um terraço sobre o rio e a famosa ponte,
onde, troika oblige, encomendámos os pratos mais baratos: um risotto de polvo e açafrão, uma pizza de sashimi de atum com um molho de wasabi que não passava de deliciosa espuma, e as inevitáveis cervejas (mais baratas que água...)
Ao nosso lado, um casal inglês saboreava o menu degustação prato a prato, os felizardos. Estavam a fazer uma viagem de barco, todos os dias paravam numa cidade diferente e faziam caminhadas culturais. Daí a nove dias chegariam a Berlim, antes tinham ainda Dresden e Meißen. O senhor estava todo entusiasmado com a ida a Meißen. Eu, no lugar dele, estaria toda triste com aquela viagem: um dia em Praga? Um dia em Dresden? Um dia em Berlim? Isso é o autêntico suplício de Tântalo - e eles ainda pagaram para serem torturados daquela maneira!
Estava na hora de voltar ao hotel. Atravessámos de novo a ponte, na direcção da antiga judiaria.
Ainda queríamos espreitar o antigo cemitério judaico, que deve ter uma densidade populacional superior à de Hong Kong, mas não vendiam bilhetes só para o cemitério. Ficámos por ali, até que uma porta se abriu, e eu entrei um minuto só, para fazer estas duas fotografias de um lugar inacreditável:
(Senhores gestores do conjunto monumental da judiaria de Praga: por favor, não levem a mal. Prometo que da próxima vez vamos com tempo, compramos os bilhetes e vemos tudo)
Junto ao cemitério e às antiquíssimas sinagogas, a Rua de Paris:
Como dizia no princípio: mil anos de História europeia largada em pistas de urbanismo e arquitectura.
Praga é uma cidade que pede muito mais tempo que um mero fim-de-semana. Voltaremos a ela: para ver os bonecos do relógio astronómico, assistir a um concerto na sala espanhola do palácio real e outro na igreja de São Martinho do Muro, para entrar no teatro onde o Don Giovanni de Mozart se ouviu pela primeira vez. Para atravessar a ponte Karlova de madrugada, sem turistas. Para um teatro de marionetes, que um turista é um turista é um turista. Para visitar a judiaria com calma. Para um dia inteiro no castelo-burgo-paço de Praga, inclusivamente os 280 degraus. Para os museus de Kafka, de Dvorak e os que mais calharem. Para subir de teleférico à colina em frente à cidade antiga, para passear nas ruelas junto ao castelo. Para ouvir o carrilhão da igreja Loreto. Para aprendermos mais sobre a Europa, neste sítio tão longe e tão perto de Portugal.
6 comentários:
Essa estação de metro era Andel? Observaste as pessoas do outro lado, como pareciam curvadíssimas por ilusão de óptica? eu e a minha mãe rimos uma vez vários minutos por causa disso do engraçado que era :)
Curioso como também eu me questionei sobre essa tão insuficiente tradução de "Castelo de Praga" (ainda conservo um íman dele no frigorífico, desde há catorze anos...)!
Parece-me que "cidadela" é de facto uma excelente opção. Muito embora também não me pareça nada mal "burgo", ou até "alcácer", para mim o mais bonito (e até talvez o mais adequado), mas já muito em desuso.
Do que ficaram por ver, eu recomendaria, por esta ordem, o relógio astronómico animado (ver o mecanismo e, sobretudo, conhecer a lenda...), a Rua Dourada, a Ópera (ir a uma récita), o Hotel Europa, na Praça Venceslau, o Teatro das Marionetas e o Bairro Judeu.
Mas Praga é um deslumbramento sem fim, nem seis meses me satisfariam...
Como é que os praguenses vêem televisão se não têm antenas? E também não devem ter electricidade; não se vê um único fio pendurado nas fachadas.
Esta tua visita faz lembrar as minhas: pouco tempo, muito andar a pé de nariz no ar a ver a arquitectura, um cheirinho de tanto quanto possível, contas aos bilhetes de entrada vs o tempo que se pode passar lá dentro, umas paragens para comer alguma coisa quando as pernas e a glicémia o exigem, e uma nota no fim: voltar com mais tempo.
É assim ou não é?
Esse atraso em visitar Praga a 300 e poucos km quer de Berlim quer de Weimar só se compreende por se saber que está ali tão à mão que se vai deixando para outra altura.
Praga tem muitos encantos mas tem flamingos como Lisboa?
"http://imagenscomtexto.blogspot.pt/2012/10/flamingos-2.html"
Obrigada... viajamos por lugares maravilhosos conduzidos por uma ótima guia!
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