24 outubro 2012

ontem, na Filarmonia

O Lunchkonzert de ontem na Filarmonia foi excelente. Começaram com o trio em sol menor, op. 45, de Robert Kahn, um compositor que eu não conhecia, e me deixou rendida. O Max Bruch que se cuide, que as Oito Peças para clarinete, viola e piano ainda se arriscam a perder o lugar cativo cá dentro do meu coração...
Infelizmente não encontrei nenhum vídeo para partilhar convosco - apenas este site, onde se pode ouvir pequenos trechos dos movimentos: o allegro, o allegretto quasi andantino e o presto. Ai, o quasi andantino...

Não gostei tanto do trio em lá menor, op. 114, de Brahms - mas, a seguir àquela revelação de Kahn, quem me podia aparecer e ficar incólume?
Além disso, sem ter lido o programa com atenção, ia com a secreta esperança que tocassem este:



***

Filarmonia duas vezes no mesmo dia é um pouco demais, reconheço. Mas o que tem de ser...
Fiz o jantar a toda a velocidade, e saí tão depressa de casa que quase me esquecia de tirar o avental. Nem pensar em mudar a roupa - fui com os jeans do dia. Por sorte havia mais uma ou duas mulheres também de calças de ganga - pensei perguntar-lhes se também quase se tinham esquecido de tirar o avental.

Fui a esse concerto por causa da Patricia Petibon. Embora a voz tenha tido alguma dificuldade para encher aquela sala enorme (e que voz não terá?) esteve muito bem na Shéhérazade de Ravel: misteriosa, sonhadora, frágil. A sua figura de porcelana oferecia uma delicadeza suplementar à interpretação da peça. E eu, que esperava encontrar o fogo e a vivacidade que associo à Petibon, até lhe perdoei ter levado o cabelo preso - e mais perdoei quando vi as costas do vestido - aaah, les couturiers français!

O vestido era este (o penteado não):


Apesar de ter mangas compridas, pura e simplesmente não tem costas. Tem apenas a saia, à altura da fita horizontal, e uma fita que sai do ombro e atravessa as costas, oblíqua, para agarrar a cauda da saia junto à cintura. Muito me espanta os violinistas atrás dela não terem trocado as notas todas... (isto os alemães são um povo de uma disciplina férrea, é o que é.)



Ao ler o programa, descobri surpreendida que o maestro, Michael Gielen, já tem 85 anos. Nasceu em 1927 em Dresden, filho de um director de ópera, e começou a sua carreira em Buenos Aires, onde em 1949 deu o primeiro concerto de piano. Mudou-se para a Argentina?!, pensei eu. Desconfio sempre um pouco dos alemães que nessa altura da História foram parar à América Latina. Mas não: era filho de mãe judia.

Só então me dei conta que o mais importante naquele palco não era a Patricia Petibon, que me tinha chamado lá, mas um homem que transporta consigo a memória da música de quase um século e está entre as últimas testemunhas vivas do Holocausto.

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