24 outubro 2012

12 de Novembro


Vi hoje no facebook que tencionam mostrar este cartaz durante a visita da Angela Merkel a Portugal.
Visto do lado da Alemanha, desconfio que vai ser lido assim: "então já não basta chamarem-nos nazis?! além de não saberem o que foi o III Reich, também não conhecem a História da RDA?"

Parece-me arriscado apropriarem-se assim dos símbolos mais significativos de outros povos - ainda sai o tiro pela culatra. "Nós somos o povo" foi a resposta certeira a um regime ditatorial que dizia agir em nome do interesse do povo quando lhe recusava mais democracia. Duvido que algum alemão entenda os motivos dos portugueses para citarem a frase "wir sind das Volk", porque nesta crise ninguém está a usar o nome do Povo em vão - de facto, "Povo" é uma palavra que se tem usado pouco. E não está claro para ninguém (nem em Portugal) o que é o povo, o que pensa sobre esta crise, quais são os seus objectivos, e como os pretende atingir.
Se é para se apropriarem de frases históricas, mais valia recorrerem a esta: "Ihr Völker der Welt, schaut auf diese Stadt!" - "Povos de todo o mundo, olhai para esta cidade" (o apelo do presidente de Berlim Ocidental quando começou o bloqueio soviético a essa parte da cidade). Eu trocaria "Stadt" por "unsere Verzweiflung" - o nosso desespero.

Portugal não está presente na opinião pública alemã - a não ser como país dos meninos bem comportados que sofrem mas não fazem ondas. Os noticiários falam das manifestações na Grécia (violentas) e na Espanha (com muitos participantes), mas o nosso país é referido, no máximo, como "e também em Portugal".
O artigo de fundo da Stern, na semana passada, era sobre o que os europeus pensam da Angela Merkel. Hei-de falar sobre isso noutro post. Para já, adianto que um jornalista andou por 16 países europeus e entrevistou 120 pessoas, mas aparentemente não foi a Portugal nem à Irlanda. O que confirma mais uma vez o que já se sabe: nesta crise fala-se sobretudo da Grécia, bastante da Espanha, um pouco da Itália - o resto é paisagem.

Não gosto da frase "morder na mão de quem dá de comer". Primeiro, porque os países não se dividem em donos e cães submissos. Segundo, porque é preciso ver de onde vem a comida, e em que condições é dada, etc.
Mas o que se está a preparar - morder numa mão que, mal ou bem, tem papel decisivo na ajuda a Portugal - não me parece a melhor estratégia. Não é com insultos à Angela Merkel que os portugueses vão conseguir apelar ao sentido de justiça do povo alemão.

Se estivesse em Lisboa, era isto que faria no próximo dia 12, para tentar ter impacto na opinião pública alemã:

- Encher o percurso por onde o carro dela vai passar com cartazes enormes nas fachadas das casas, a informar sobre casos (verdadeiros, de preferência):
"Maria da Conceição Silva, 78 Jahre alt: 98 €"
"Manuel Silva, 55, arbeitslos, 3 Kinder: 377 € + 35 € Kindergeld = 412 €"
"Joana Silva, 7: kein Frühstück, kein Abendessen" (não tem pequeno-almoço nem jantar)
"João Silva, 13: Schwarzarbeit statt Schule" (trabalho clandestino em vez de ir à escola)
"João Lopes, 60, schwerbehindert: 120 €" (deficiência grave)

e também, entre outros:
"Taxa de desemprego em 2008: ...% / Taxa de desemprego em 2012: ...%"
"Salário mínimo: x € líquidos. Preço de um litro de leite: y"
"Taxa de desemprego entre os menores de 30 anos: ...%"

- Pedir a famílias e pessoas isoladas que se voluntariem para oferecer um retrato da crise. Fazer uma manifestação apenas com casos concretos: os agregados familiares (pai, mãe, filhos, avós) e um cartaz com o montante mensal que a respectiva família tem para viver; jovens com cartazes onde dizem que nos últimos x anos fizeram y estágios sem remuneração.
O que a Angela Merkel e os alemães têm de ler é que há pessoas a viver com menos de 200 euros por mês, desempregados com filhos a receber 377 euros do fundo de desemprego, e outros números do género, todos sintoma do nível de degradação a que este país europeu chegou.

Os números que mostram a dimensão da tragédia de pessoas concretas, preto no branco, é que contam. Muito mais, em todo o caso, que frases roubadas à História dos outros.

12 comentários:

Gi disse...

Excelente post, Helena. Com tua licença, subscrevo.

Helena Araújo disse...

Obrigada, Gi.

Ant.º das Neves Castanho disse...



Danke, Mata-Hari...

A propos, e já very late (sorry...), um grande abraço de Parabéns aí ao teen-ager, aqui dos 4 Alves!

:-)

Helena Araújo disse...

Mata-Hari - hehehe

(O teenager agradece e manda muitos passou-bens para todos)

maria n. disse...

Excelente, Helena, e como te compreendo.

Fardas e símbolos nazis, insultos, assim como slogans deslocados, não só não adiantam como atrasam. Se queremos mesmo ser ouvidos é assim: fazendo alguma coisa diferente daquilo a que os alemães já foram habituados e vacinados até à indiferença; centrar a manifestação em nós, no que somos e no que temos de suportar devido também às políticas do seu governo.

(não me digas que o aniversariante nasceu em 16 de Outubro...)

mdsol disse...

Eu gosto do post, Helena. A violência da manifestação estaria na apresentação nua e crua da realidade. A realidade é, infelizmente, suficientemente violenta.

:)))

Helena Araújo disse...

Maria,
isso mesmo: "fazendo alguma coisa diferente daquilo a que os alemães já foram habituados e vacinados até à indiferença".

O aniversariante é de 20. O teu é de 16? E tens um de 30 de Maio, não é?

Helena Araújo disse...

(até parece que estamos a trocar cromos...)

sandra costa disse...

Hiper subscrevo. Vou partilhar.

Helena Araújo disse...

mdsol,
ando a dizer isto desde que acabaram com os abonos de família (ainda no tempo do Sócrates): o resto da Europa tem de ser informada sobre o que se está a exigir ao povo português.

Helena Araújo disse...

Sandra,
:-)
Era giro se as pessoas aderissem mesmo, e usassem a visita da Merkel para informar.

maria n. disse...

Sim, é de 16 de Outubro. Fez 15 anos há dias e o mais velho é de 30 de Maio (18 anos).

Parabéns para o Mathias :-)