19 junho 2012

caminhos da arte

Na semana passada andei a animar um grupo de franceses. Melhor seria dizer: na semana passada andei a divertir um grupo de franceses com o meu francês enferrujado. Em troca, convidaram-me para assistir a um curso relâmpago sobre a evolução da arte europeia, com uma expert que veio expressamente de Paris para isso. Uma delícia.
Começámos na Gemäldegalerie. Do muito que contou, retive especialmente os motivos das anatomias femininas de Lukas Cranach o velho.
Esse espertalhão, dizia, decidiu começar a pintar as mulheres nuas. Para não parecer o que era, e que ele bem sublinhava pela posição corporal dinâmica e dengosa (ela própria oscilava o corpo em sss graciosos, os malandros do grupo riam e incitavam "encore! encore!"), retirava-lhe as capilaridades - excepto na cabeça - e pespegava-lhe um cupido de outro reino.

   (daqui)

Mas porquê estas proporções anatómicas? Como se terá ele lembrado de representar a mulher não como ela era, mas com um peito tão minúsculo e as ancas assim desenvolvidas?
Porque a Itália estava muito longe, e era difícil ter acesso aos exemplos romanos de representação do feminino; porque a estética é sempre uma construção, e as alterações dão-se em saltos relativamente pequenos; porque ele se limitou a desenhar nu o corpo que corresponderia aos vestidos que na época se pintavam. 


De Cranach para Picasso: o necessário salto para uma plataforma diferente da do cinema e da fotografia. A mulher cubista, vista de prismas vários, inteiramente real: tufos de pêlos nas axilas.
De Picasso para Rothko - agora sei a chave para abrir aquele quadro vermelho que está na Neue Nationalgalerie. A chave não abre o quadro, abre-me a mim. Já não estamos na Idade Média, quando os quadros tinham funções pedagógicas e informativas. A arte contemporânea pede de nós mais do que ser meros alunos aplicados tentando apreender o saber debitado pelo professor. 


O museu seguinte era o Hamburger Bahnhof, o de arte contemporânea. Não pude participar nessa parte porque meti umas horas de licença de maternidade para ir assistir à entrega dos diplomas de Abi do ano da Christina. Mas não perco pela demora: a expert parisiense gostou do modo como apresentei a cidade, e vai contactar-me quando trouxer a Berlim outros grupos. Mais uns vinte anitos, e vou ficar uma especialista em arte europeia explicada num excelente francês.

Também nos levou ao memorial do Holocausto. Ela explicou: aqui não há lugar para o patético. É um memorial completamente despojado, onde se evoca a História sem adereços que nos reenviem para os caminhos já percorridos. Este despojamento é algo típico dos berlinenses, e torna a cidade revitalizante. “Reenergizante”, dizia ela.

Lembrei-me então do que o Gonçalo M Tavares disse na apresentação do seu livro "Jerusalém":
- Escrever é cortar, cortar, cortar.

Amanhã vou para Portugal. Na quinta-feira procurarei nas livrarias de Viana do Castelo alguns dos seus livros. Talvez encontre neles um vermelho de Rothko.

Sem comentários: