13 março 2012

Waseda University Orchestra

(mas esta foto não corresponde ao meu concerto, nem sequer à Waseda University Orchestra, e os nossos músicos estavam mais vestidos, que isto aqui ainda é e será Inverno, e: quem me manda ser respeitadora e não fazer fotografias só porque lá está escrito que é proibido fotografar?)


Num longínquo domingo de Janeiro fui de madrugada (enfim, por volta das nove da manhã) para a porta da Filarmonia esperar que a caixa abrisse (às onze) porque queria comprar uns bilhetinhos para concertos em Fevereiro. Ora, quando o sacrifício é grande, tento fazê-lo render: levava uma lista enorme de encomendas de amigos, e é um autêntico caso de  win-win, porque nem sei que me parece fazer uma fila de três horas para no fim comprar dois míseros bilhetes. Enquanto esperava, descobri que os tambores japoneses voltavam a Berlim, com a Waseda University Orchestra. Ena, ena!, pensei eu, por mim e pelo resto da família, porque os Taiko são-nos uma espécie de mínimo denominador comum musical. E comprei quatro bilhetes: um autêntico caso de win-win-win-win.

O concerto foi no domingo passado. Os jovens músicos da orquestra da universidade de Waseda começaram a entrar na sala, o público começou a aplaudir, eles continuavam a entrar e eram mais que as mães (por uns momentos desconfiei que é o Japão, e não a China, que tem o maior número de habitantes), e o público aplaudia freneticamente, e foi aí que caiu a ficha (oh, Heleninha...): 11 de Março! Era um concerto em memória das vítimas do tsunami, e desatei a aplaudir com tanto entusiasmo como os outros.

A primeira peça que tocaram foi a sinfonia alpina, de Richard Strauss. Muito bem, muito bem. Melhor ainda, se pensarmos que é uma orquestra de amadores: estudantes de Direito, Filosofia, Ciências, etc.
Lendo no programa os vários momentos dessa jornada (3. subida, 4. entrada na floresta, 5. caminhando junto a um regato, 6. cascata, etc.) lembrei-me de uma conversa que tivemos há semanas no bar dos artistas, sobre a aversão do Karajan aos programas: "um casal está a assistir à sinfonia alpina - às tantas, um já vai no 12 enquanto o outro ainda só está no 8".

A seguir ao intervalo repetiu-se o procedimento: os músicos entraram, o público aplaudiu, o maestro entrou, o público aplaudiu e - justamente quando o maestro estava a erguer a batuta para começar - entrou um violinista atrasado. O maestro olhou para ele com a mais impassível cara de zanga, o rapaz sentou-se, muito enfiado, o público aplaudiu. Estes berlinenses adoram bater palmas. Eu, do nada que sei da cultura japonesa, tenho ideia que o pior que pode acontecer a alguém é ser apanhado em falta e, mais horrível ainda, ser evidente que todos repararam que ele foi apanhado em falta. Aquele curto aplauso do público deve ter sido um haraquiri no amor-próprio do rapaz. Mas lá se sentou, lá agarrou no violino, e lá tocou com os outros "as alegres brincadeiras de Till Eulenspiegel", que deve ser a peça mais adequada para se tocar quando se está completamente de rastos por dentro.

A seguir, o almejado momento: uma peça de Kazuki Yutani, composta em 2011, para tambores japoneses e orquestra. Os músicos dos tambores estavam bem mais vestidos do que nesta fotografia, mas não fazia mal. Tinham calças largas, com pregas, com aberturas do lado, lacinho à frente e ainda - julgo eu - uma almofada incorporada para se sentarem mais confortavelmente. Pela descrição parece esquisito, mas era mesmo muito bonito.
A música: aaaaah!

No fim, o público aplaudiu com toda a energia que ganhara dos tambores. Os músicos ergueram-se para agradecer o aplauso, e só dois ou três sorriam levemente. É estranho aplaudir uma orquestra de músicos com expressão de esfinge.

Tinham ainda três peças extra-programa: a primeira, uma canção japonesa em memória das vítimas do tsunami (melodia e arranjos um bocadinho tipo de puxar à lagrimita, e com algum êxito, que uma mulher não é de ferro) (e não pude deixar de me lembrar do concerto de 11 de Setembro de 2011 naquela sala, e da homenagem de Anne-Sophie Mutter, tocando Air da suite nº 3 de Bach); a segunda, uma peça japonesa com os nossos queridos tambores, que nunca falha nos concertos desta orquestra (enfim, nos dois que eu vi...) e agrada sempre; e a terceira, para alegria geral, "Berliner Luft". O público delirou, e eu também.
Em suma, o concerto acabou assim: uma orquestra de japoneses tocava a música dos berlinenses, e uma certa portuguesa que eu cá sei, se o soubesse fazer, ter-se-ia juntado ao coro dos fantásticos assobios do refrão - do fundo do coração, como se fosse uma coisa muito sua, como se tivesse andado na escola com a Marlene Dietrich.

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