20 março 2012

primavera russa



Antes do ensaio do coro, ontem, a Warwara contou-nos que na Rússia começa agora a semana em que se festeja a chegada da Primavera. Uma das tradições é ir ao mercado comprar um passarinho que antes alguém caçou, para oferecer a alguém que o soltará de novo. "O Pushkin tem um poema sobre isto...", disse ela.

Longe de casa mantenho
tradições da minha terra:
abro a gaiola a um pássaro
- começou a Primavera.

Estou em paz. Para quê
esta zanga à divindade,
se às suas criaturas
posso dar a liberdade?

Pushkin (1823)

(O Speedy Gonzalez está cada vez mais ousado: agora traduz 
poemas russos do alemão para o que se vê. Encontrado aqui.)


Em seguida, a Warwara passou com um cesto cheio de passarinhos num ninho de branco bordado. Escolhi um que vou oferecer hoje à tarde a uma família russa: viva a Primavera!



"A propósito, Helena" acrescentou ela, "quase todos os poemas do filme Une Autre Vie, que me emprestaste, são do Pushkin."

Ah, Une Autre Vie! Belo filme de Dominique Pernoo sobre um professor de violoncelo em Minsk, os rapazinhos que são seus alunos, o amor à música e a sua ligação à poesia. 



Ma belle, ne dis plus tout bas
Les vieux refrains de Géorgie,
Par grâce, ne rappelle pas
Les heureux jours d'une autre vie.

Tu chantes et je crois revoir
La nuit, la steppe solitaire,
Et sous les pâles feux du soir,
Les traits aimés de l'étrangère.

J'oublie, alors que je te vois,
Ces traits qui brisent mon courage;
Tu chantes, soudain devant moi
A reparu sa pâle image.

Ma belle, ne dis plus tout bas
Les vieux refrains de Géorgie,
Par grâce, ne rappelle pas
Les heureux jours d'une autre vie.

Pushkin: Ne Poi,Krasavitsa...

Um filho da Warwara fez um filme sobre o bisavô: "Sergej in der Urne".
O site do filme conta que Sergej Stepanowitsch Tschachotin era cientista, amigo de Einstein e Pawlow, revolucionário, antifascista, pacifista e conquistador. Teve uma vida de extremos: casou cinco vezes, divorciou-se cinco vezes, teve oito filhos. O bisneto tenta reencontrar todos os familiares para em conjunto realizarem o último desejo de Sergej: levarem as suas cinzas para a Córsega. E acaba por descobrir a história de todo um século condensada na vida desse homem. Há informações sobre ele na wikipedia, em português.

Falhei a première do filme, mas quero muito ir vê-lo. E estou na dúvida se ofereço o passarinho aos russos, ou se o como eu - feito pela neta do autor de "Le viol des foules par la propagande politique", talvez me passe por via bucal um pouco daquele génio?



No fim do ensaio ficámos ainda a conversar um pouco. Falei do cantar do muezzin na mesquita de Neukölln, e logo uma soprano, acabada de chegar de Moscovo, contou que assistiu nessa cidade a uma peça de teatro muito boa, dizia nomes que eu não entendia, o do escritor e encenador, muçulmano, e o da actriz, tártara, e que o tema tinha a ver com os judeus, e que bem tratado estava, disse que perguntou ao escritor "porque é que tu, sendo muçulmano, te interessas por judeus?" e ele respondeu do seu fascínio. Falava com tal encanto, que me apeteceu aprender rapidamente russo e ir a Moscovo ver aquela extraordinária actriz que com um simples dedo mindinho é capaz de revelar universos.

2 comentários:

Paulo disse...

Achei o filme interessante, a começar pelo título, "Sergej in der Urne".

E essa canção de Rachmaninov...

Helena Araújo disse...

Esta canção do Rachmaninov...
Quase se entende russo, não é?

Já me disseram que o filme é muito bom. Às tantas ainda consigo uma cópia, às tantas ainda vai sobrar para ti! ;-)