07 fevereiro 2012

outra vez a Berlinale

Ontem de manhã, estava eu atrapalhada a correr contra o atraso do costume, toca o telefone: era o Joachim a avisar que já tinham começado a vender bilhetes para a Berlinale.
Larguei tudo, corri para o primeiro autocarro. Este ano o Urania, mais perto da minha casa, não participa, pelo que corri das suas portas fechadas para o segundo autocarro, em direcção à Potsdamer Platz, onde fui encontrar os programas enormes, as filas enormes e uma grande animação. As duas senhoras à minha frente eram muito simpáticas: em menos de dois minutos já estávamos à conversa, e a combinar quem compra bilhetes extra para quem (sim: cada pessoa só pode comprar dois para cada filme, de modo que a Berlinale contribui muito para provocar momentos de solidariedade espontânea entre os berlinenses), e uma contava que tinha passado o fim-de-semana a estudar o programa e tencionava ver trinta filmes em dez dias (várias vezes até quatro por dia!), e a outra dizia que uma das coisas giras da Berlinale são as conversas durante a espera em frente às caixas. Eu concordei logo, embora ontem não estivesse para muita conversa, porque tinha acabado de abrir o programa, me faltavam os dois dias anteriores de estudo com afinco, e precisava de tomar imensas decisões à revelia dos interessados.
Ao fim de meia hora rendi-me à evidência: o filme de abertura não é o Russendisko, mas um francês - sobre uma aia da Maria Antonieta. "E agora?", pensei eu? Tinha sonhado tanto com essa estreia, e nada! Comecei a ver que outros filmes me interessariam. O "Cinema Culinário" tinha uma sessão fantástica: um documentário sobre o problema da água, mais um jantarzinho feito por um dos melhores cozinheiros de Berlim (eh, lá, se tiver a ver com o tema do filme ainda vai ser tudo cozido no vapor...) e a autêntica Erin Brockowich (não a Julia Roberts) a falar com o público sobre a sua luta em defesa do meio ambiente. Escrevi um SMS ao Joachim, a perguntar se inça, e ele respondeu todo entusiasmado que sim, que era fantástico, mas infelizmente calhava no dia em que temos um colega dele convidado para jantar em nossa casa. Continuei a estudar o programa, agora quase com desespero.
Daí a pouco abriram as caixas, e as primeiras pessoas da fila, miúdas que estavam ali há 36 horas, desatavam a guinchar histericamente à medida que conseguiam comprar os almejados bilhetes. "Desde a Berlinale que foi aberta pelos Rolling Stones que não via nada disto", dizia uma pessoa ao meu lado. "Mas porque é que se alegram tanto por causa de um filme histórico sobre a Maria Antonieta?", intrigava-se uma segunda. "Não é esse, é um Bollywood com Shah Rukh Khan", esclarecia uma terceira. "Aaaaah, falem-me a cantar", pensei eu. Mais à frente, as miúdas continuavam em guinchos estridentes, saltavam e abraçavam-se.
Eu estava cada vez mais perdida no meio do programa. Como escolher entre tanta oferta? As vizinhas ajudavam, diziam os que tinham escolhido e porquê, diziam-me onde encontrar alguns deles, por exemplo o realizado pela Angelina Jolie. Eu começava a gatinhar com alguma segurança por aquele labirinto, mas acabei por optar pelo plano B: ir para casa estudar o programa com calma, e com os demais interessados.
Ao fim da tarde, um amigo mandou-me um e-mail a falar sobre a Berlinale, e a cada meia frase escrevia "Angelina Jolie". Quando chegou à parte do

"E pronto, acho que é tudo. Tenho a ideia que tinha qualquer coisa para dizer sobre a Angelina Jolie, mas não me lembro, é porque não deve ser importante. Aliás, nem sei porque é que me lembrei dela agora. Ah, já sei! É porque ela é a mulher do Brit Pitt e eu ia-te perguntar se não vais tentar conhecê-lo. É que se tiveres vergonha de ir sozinha, podes contar aqui com o amigo para te acompanhar e te ajudar a desinibir-te. É evidente que para mim não tem interesse nenhum, porque eu não aprecio homens, mas os amigos são para as ocasiões."

caiu finalmente a ficha: talvez já fosse possível comprar logo no primeio dia bilhetes para o "in the land of blood and honey" da Angelina Jolie, e talvez aquelas miúdas tenham passado lá a noite não por causa do Bollywood, mas por causa de um filme sobre a guerra na Bósnia. Esta juventude interessa-se muito por história e política, é um gosto vê-los assim entusiasmados!
Comecei a pensar na melhor maneira de dar esta triste notícia ao meu amigo, mas a Stern TV salvou-me: as miúdas estavam lá mesmo por causa do Khan, pelos vistos interessam-se mais pelos problemas sociais da Índia que pelos da Bósnia. Ainda podemos ter alguma esperança, mas algo me diz que, se queremos bilhetes para o "in the land of blood and honey", que serão postos à venda amanhã, mais nos vale ir hoje ao meio-dia para aquela fila...



Uma das coisas engraçadas de viver em Berlim é que nada disto é importante: se não consigo bilhetes para o filme seguido de debate com a Erin Brockowich, não faz mal. Outros há. Idem para o filme da Angelina Jolie. Idem para inúmeros concertos e peças de teatro, debates e momentos mais ou menos históricos. Se perder este, outros há: todos os dias de cada ano.

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