02 janeiro 2012

Taizé em Berlim (8)



Ontem, depois de levar os nossos oito portugueses ao autocarro, corri para a Potsdamer Platz, onde me ia encontrar com o turno seguinte: um bando de miúdos acompanhados pelo padre da sua paróquia. Fiz com eles uma pequena visita àquela parte da cidade: o grande cruzamento cortado pelo muro, o teatro da Berlinale, a Filarmonia, o memorial do programa de extermínio de doentes psiquiátricos, o memorial da perseguição aos homossexuais, as "embaixadas" dos Estados alemães em Berlim, o memorial do Holocausto, a porta de Brandemburgo, o Reichstag, a chancelaria. E as histórias que as casas, as ruas e os memoriais evocam. Muito tempo, para explicar coisas que eles nem conseguem imaginar: matar pessoas porque são inúteis e caras para o sistema, um muro que separava dois mundos completamente diferentes, um país ocupado, uma revolução pacífica alimentada nas igrejas, um país que devora outro.

Miúdos engraçados: atentos, curiosos, brincalhões, pacientes - ouvindo, fazendo perguntas, tentando compreender. E um padre extraordinário: atento, orientando-os sem ser invasivo ou paternalista, com respeito pela individualidade de cada um e os ritmos do grupo. Mais uma vez fiquei desconfiada que a internet me tem andado a enganar um bocadinho: há no Portugal real gente que não passa a vida a queixar-se da crise e a dizer que o fim do mundo é para daqui a bocadinho.

Depois da visita viemos para nossa casa, para jantar. Já estavam há uns dias na Alemanha, nem precisei de os avisar que aqui se tira os sapatos à entrada - fizeram um belo estendal em frente à porta da vizinha. E fiquei muito grata por finalmente me ter visto livre dos pelmeni que tinham sobrado do dia anterior. A seguir, um pequeno concerto de piano dado por uma das jovens, alguma conversa, e num instante se fez tarde: adeus, até outra vez!

Uma bela maneira de terminar este encontro de Taizé em Berlim.

6 comentários:

Westwood disse...

E um enorme obrigado de todos nós que fomos tão fantasticamente acolhidos, guiados, recebidos e alimentados!

Foi uma alegria enorme conhecê-la e conhecer a sua família. Que bela prenda logo ao começar um novo ano.

Prometos ficar a rezar por todos vós. Desejo-vos um ano novo muito feliz!

Helena Araújo disse...

Obrigada!
Para nós foi também um grande prazer (e um alívio, na parte que diz respeito aos pelmeni...)

jj.amarante disse...

Fiz uma lista de lamúrias que quase dava para um post:

É verdade que existe em Portugal gente a trabalhar, independentemente da crise. Mas é deprimente constatar:
- que na Alemanha concluíram que pagaram suborno a funcionários portugueses por causa dos submarinos e que em Portugal quase não se fale no caso, ao contrário daquele caso de lesa-pátria do certificado de habilitações do então primeiro-ministro José Sócrates;
- que no escândalo do BPN só o Oliveira e Costa e meia-dúzia de desconhecidos tenham sido acusados;
- que o Duarte Lima só tenha sido preso preventivamente (alegadamente por causa dumas trapalhadas com uns terrenos para mudarem o IPO de Lisboa para Oeiras) depois de acusado de ter cometido o homicídio de uma portuguesa no Brasil;
- que o próprio Presidente da República seja um dos beneficiários da gestão danosa do BPN, tendo visto o valor dum pequeno lote de acções duplicar num período de um ou dois anos, valorização essa decidida pela administração do BPN pois as acções não estavam cotadas em Bolsa;
- que a Comunicação Social em geral, tão assanhada contra o Sócrates, dê um tratamento carinhoso a este governo que falta às promessas ainda com maior violência do que o governo anterior;
- que tenhamos sido incapazes de ver o grande risco que corríamos ao nos endividarmos no exterior mas ao sentir agora que o centro da Europa está a explorar a nossa fraqueza;
- que para evitar uma eventual inflação que corroesse as pensões dos reformados alemães estão desde já a diminuir as pensões dos reformados portugueses;
- que o BCE empreste dinheiro aos bancos portugueses a 1% que reemprestam então ao Estado Português a 6 e 7% e que a comunicação social não faça disto um caso;
- que os estatutos do BCE considerem que é um risco moral emprestar dinheiro aos estados e que não considere que exista risco moral em emprestar aos bancos que depois vão emprestar aos estados (aos contribuintes) com um spread imoral;
- que a tv em Portugal só mostre conversas de rua em que as pessoas se mostram conformadas com a inevitabilidade das medidas de austeridade que nos impingem, mostrando uma parcialidade que eu julgava que não poderia atingir esta dimensão;
- que chamem privatização a uma operação de alienação da parte da EDP que pertencia ao Estado Português a uma companhia controlada a 100% por um Estado estrangeiro (embora o Sócrates se estivesse provavelmente a preparar para fazer o mesmo);
- que chamem reprivatização (da REN) à privatização de infraestruturas que desde a sua criação sempre tinham sido públicas;

Mas não há de ser nada, ou se for estaremos cá todos, à excepção dos que entretanto emigraram.

Entretanto o J.Pinto e Castro defende bem que o país melhorou muito desde 1962 aqui: http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=529083&pn=1

Helena Araújo disse...

jj.amarante,
isto tem de ser passado para post.

Por estes dias, o presidente da república da Alemanha está tem-te não caias para sair. Por causa de um antigo empréstimo privado com um amigo empresário, passado depois para empréstimo bancário aparentemente com condições vantajosas (um político não pode aceitar vantagem de espécie alguma, nem sequer um upgrade de economy para business no avião) e - muito mais grave! - um telefonema irado que fez ao director do jornal que tencionava publicar aquela matéria. O escândalo do telefonema rebentou anteontem, e penso que não se aguenta nem até ao fim desta semana. Provavelmente vai ser hoje.
De modo que olho para isto, e comparo com a casa de férias do Cavaco e a história das acções do BPN, e penso que a diferença mais importante entre a Alemanha e Portugal não é o poder económico, é a credibilidade do sistema democrático.

Helena Araújo disse...

Nota: apaguei um comentário anterior porque tinha algumas imprecisões.

Helena Araújo disse...

Ainda um pequeno reparo, jj.amarante: há mais de quinze anos que os reformados alemães não têm a menor dúvida que vão ser os novos pobres. É a minha geração: pagou as reformas dos pais, mas não tem filhos para pagar a sua. Há mais de quinze anos que nos dizem para fazermos seguros privados de reforma, se não queremos passar uma velhice muito atormentada. E há dez anos que se fala abertamente em aumentar a idade da reforma para os 67 anos. Acabaram de o fazer, e já estão a falar nos 69 anos.
Ou seja: há muito que se sabe que as coisas vão piorar muito para os reformados. Mas a inflação não é o problema mais grave. Em princípio as reformas são ajustadas pela inflação. O que não é ajustado são os empréstimos bancários. Anda toda a gente a dizer "comprem imobiliário a crédito, vão enriquecer de certeza!"
- pois: à custa do sistema bancário.