11 dezembro 2011

espíritos omnividentes

Quando em criança me disseram - para me consolar, certamente - que não vemos as pessoas depois da sua morte, mas que elas continuam por aqui a olhar por nós, apanhei um susto: então não bastava que a minha avó morresse? Para cúmulo ficava aí invisível a observar-me quando eu metia o dedo no nariz, e outras coisinhas? Podia lá a morte ser uma passagem para a total invasão da privacidade daqueles que amamos?!

Sosseguei-me imaginando que do lado do paraíso tudo isto seria visto com um olhar benevolente. Porque não podia ser de outra forma: é impossível viver sob a permanente ameaça de espíritos omnividentes, críticos e castigadores.

Uma pessoa cresce, vai a pouco e pouco descobrindo certas verdades do mundo, e acaba por perder ou relativizar os medos da infância. Sim, que importa que a minha avó me possa ver sentada na sanita, se hoje em dia é tão fácil fotografar-me ou filmar-me em espaços que sinto privados (a minha casa, o meu carro, o meu jardim, uma casa de banho pública), gravar os meus telefonemas ou até tudo o que digo, entrar no meu computador e copiar tudo o que lá encontrarem - e divulgar depois na internet?

De modo que: voltem, almas do paraíso, pairem à vontade sobre as nuvens, olhem e devassem tudo o que vos apetecer. Perdida por mil, perdida por cem...

***

De modo que: podes voltar, Walter Gropius, quero muito que venhas ver o que o sol de inverno faz nas casas que construíste para os teus mestres da escola em Dessau: Klee e Kandinsky, Muche e Schlemmer, Feininger e Moholi-Nagy.








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