24 julho 2011

correio das ilhas (32)

Olá, Rita

a Amy Winehouse. Uma miúda. Via-a trucidada nas capas das revistas, e tinha sempre a certeza que ela conseguiria dar a volta por cima, milhões de quilómetros por cima daquela súcia.
Sinto-me triste por ela, pelos meus filhos que a sabiam de cor, e pelo Lutz, que há três anos viu o seu concerto em Lisboa e escreveu um post inesquecível. Este, que transcrevo integalmente:

Amy em Lisboa

A rapariga não devia andar de saltos altos. Não sabe. Talvez sabe quando está sóbria, embora duvido. Há mulheres que andam de saltos altos a vida toda, sem jamais o aprender: nunca deixam de dar a noção ao observador que estão a balançar num equilíbrio precário. Aqui não é só a noção, é o caso, mesmo. Esta rapariga franzina de cabeleira enorme e com estas pernas magras não se mexe muito seguro no Palco do Mundo.
Vê-se que hoje também não se entende com o equipamento. O microfone está alto de mais, não, agora está demasiado baixo. Solta-o, quer repô-lo, mas então a maldita coisa não quer voltar a prender no pé. A guitarra - enfia com dificuldade o cinto da guitarra no ombro - porquê é que a peça faz nenhum som? Ah, não está ligada à PA. Ora, vem um rapaz e tenta pôr o cabo. Quando consegue, já é tarde. Paciência.
É verdade que também a voz não está grande coisa hoje, para isso pode-se pedir desculpa. O público entende. O que vale é que os rapazes da banda são bons profissionais, aguentam as confusões todas.
Está sempre a mexer no vestido. Parece que está desconfortável, embora o vestido está largo, até muito largo no decote para o peito que tem. Puxa a bainha da saia para cima, já pela quarta vez. Ah, está a coçar-se! Entre as pernas. Também mexe no decote, outra vez. O que é que ela tirou de lá? Algo de comer? Será que vai cantar de boca cheia? Essa mancha é chocolate? Não, uma tatuagem. Talvez não vi bem. Em todo o caso, há coisas que ainda continuam enfiados no decote, como aquele lenço preto que está meio a sair acima do peito esquerdo. Tudo isso é um pouco obsceno, um pouco indecente, mas não, não é para provocar, não é para seduzir. Não é mesmo calculado, muito pelo contrário. Por outro lado, aquilo não a parece embaraçar.
Entretanto vai-se na quarta canção. Depois um cover: A Message to You, Rudy, dos Specials. Há muito que já o não ouvi. Tem um belo groove: ideal para continuar no fundo enquanto se apresenta a banda. Amy começa pelo saxofonista, o músico mais a direita. - «ta-ta-ta-ta ta-taaa - A Message to You, Rudy» - A canção acabou. Esqueceu-se de apresentar os outros. Não faz mal.
Agora acocora-se atrás de uma coluna do palco. O que está lá a fazer? Xixi? Não, reaparece com um copo de vinho. Parece Fanta, o que há no copo. Ainda tropece mesmo, os membros da banda ajudam-na a levantar-se. No fim, pede desculpas, diz que devia ter cancelado mas que adorou ter estado aqui, apesar de ter uma «bad voice» hoje. Já o disse antes. Explica que tem de acabar já, não há mais tempo, porque começou atrasada. Soa como achasse que era bem feito assim, o castigo justo. Para ela. E para o público? Mas que adorou. E ainda vai tocar o Lenny Kravitz.

Um desastre de concerto. Curto, caótico, sem voz, sem garra. Mas o público perdoa. E eu também. Ela é destes raros artistas que mesmo no fracasso, no desleixo imperdoável aos mortais, ainda nos deixam algo que é dos deuses. Sou novo de mais para ter visto a Janis, o Jimi Hendrix, o Jim Morrison, calhou que nunca vi o Kurt Cobain. Vi a Amy Winehouse. Ela tem 24. Vamos ver se se safa. Não aposto alto. Mas nem todos que os deuses amam têm de morrer cedo. Talvez daqui a trinta anos poderá dizer o que Jimmy Page disse: «Sabia que a nossa música iria durar, mas não pensava que eu ia durar. Primeiro achei que estaria morto aos trinta, depois aos quarenta, entretanto tenho cinquenta e cinco e ainda ando por aqui.»

10 comentários:

sem-se-ver disse...

'tou chateada que nem um peru. que cena marada. uma voz daquelas. pqp as drogas e o álcool e o c****!!!!

Helena Araújo disse...

eu, se calhar, o c**** não incluia nessa lista...
;-)
Mas "chateada que nem um peru" é um bom resumo do que sinto. Isso, e tristeza.

Teresa disse...

Um post premonitório, infelizmente. Falou dos mais representativos desse bizarro clube dos 27 para o qual ela acaba de entrar, e ao qual tive esperança que se safasse.

David Crosby, o grande David Crosby (nem podemos comparar obra, não é? - ela deixa apenas dois discos) chegou a ser um destroço vivo, ninguém achou que se safasse, acabou por conseguir um transplante de fígado e faz 70 anos daqui a três semanas.

Só uma pergunta: o Lutz é português?

Helena Araújo disse...

Teresa, não sei se é português. Vive em Portugal há quase tantos anos como eu na Alemanha.

Helena Araújo disse...

...e quase todos os dias me lembro com saudade do tempo em que ele escrevia no seu blogue.

Anónimo disse...

Fiquei COMPLETAMENTE chocada e ainda estou. Sempre pensei que ela era dos que se safariam. Afinal não. Era uma rapariga muito querida, verdadeira, genuína. Contam-se pelos dedos os que assim são.
Sara

Anónimo disse...

Olha! Acho que deu. Que fizeste Helena para eu poder comentar? Beijinhos...
Sara

Helena Araújo disse...

Sara,
que fiz? Alarguei o leque de possibilidades para comentar. Arrisco-me a que apareça por aí outra vez a outra descompensada a fazer de conta que é um brasileiro, mas o que não faço eu para ter o gosto de te ler por cá?
Beijinhos!

(Sim, foi um choque enorme. Ela tinha apenas 24 anos quando o Lutz a viu. Mais nova que muitos dos da geração à rasca, e teve críticas terríveis. Eu sei que o negócio do espectáculo e tal, mas não há o direito de trucidar uma miúda de 24 anos)

Anónimo disse...

LOL (isto é pela descompensada)
Sara

Paulo disse...

(A cada um a sua descompensação.)