15 abril 2011

uma "Gretchenfrage" em português

A ver se entendo o exemplo da Islândia: indivíduos holandeses e ingleses acreditaram nos mundos e fundos que bancos islandeses lhes prometiam (curioso, não conheciam aquela história dos almoços grátis), os bancos faliram, os governos da Holanda e do Reino Unido pagaram aos seus  cidadãos e exigem agora o reembolso dessa quantia, mais juros, por parte da Islândia (alguém me explica porque é que esses governos resolveram tomar para si um problema que não era deles?). Entretanto, os islandeses decidiram por referendo que não pagavam a dívida, pelo que ela acabará por ser paga pelos contribuintes holandeses e ingleses. Na prática é isto, não é?

A ver se entendo: é este o exemplo islandês que alguns portugueses querem seguir no momento em que o FMI se instala em Portugal. Têm quase metade dos portugueses a depender do orçamento de Estado (não estou a questionar se é legítimo, estou a dizer que é um facto), têm um Governo que não sabe como lhes pagar a partir do próximo mês e não arranja quem empreste, e acham que não pagar as dívidas é uma solução.
E talvez seja: se o Estado português pura e simplesmente não pagar os empréstimos (já agora: apenas aos estrangeiros, ou também aos portugueses?) e optar por um orgulhosamente sós, pobrezinhos mas sem dívidas, e se fizer orelhas moucas às decisões dos tribunais, e se simplesmente não gastar mais do que tem em caixa, talvez isso seja uma solução e até um modo de vida. 

Por mim, tudo bem. Mas antes de o FMI e a União Europeia começarem a gastar neurónios sobre como resolver o problema, convinha colocar a Gretchenfrage em referendo:

- O povo português tenciona respeitar os compromissos assumidos pelo seu Governo?

31 comentários:

Ant.º das Neves Castanho disse...

Muito bem, Helena. Não sei quem é a pequena Greta, nem o que será uma pergunta dessa Gretinha, mas permito-me reformulá-la deste modo:


- Estão os portugueses dipostos a ir de novo guardar cabras para a Serra da Gardunha, mandar os Filhos a pé e com os fundilhos rotos para a Escola e comer pão com azeitonas ao jantar, como na fábula do Portugal dos Pecaninos, pobrezinho (e com as tulhas cheias de ouro...), mas honrado e orgulhosamente só (e escarnecido por todos)? Ficamos a saber que, pela Helena, tudo bem (pudera, está bem livre desta piolheira...).

Helena Araújo disse...

Ficamos a saber que para a Helena, se o soberano povo português assim o decidir em referendo, tudo bem. Quem sou eu para criticar as decisões do povo português?

Eu só estava a questionar se as pessoas sabem realmente no que se estão a meter quando sugerem que Portugal se recuse a pagar as dívidas que fez.

A Gretchen é aquela mocinha inventada por Goehte, que gosta do dr. Fausto mas tem dúvidas quanto às suas qualidades morais, digamos assim, e por isso lhe atira a pergunta directamente: "o que pensas da religião?"

A Gretchenfrage é uma pergunta sobre os reais desígnios do interpelado, à qual ele não se pode esquivar.

Carla R. disse...

Bom dia Helena ! Ontem aconteceu-me uma coisa estranhissima, se calhar, vais conseguir ajudar-me a compreender...
Estava a falar disto mesmo com uns amigos argentinos, Portugal, Islândia, FMI, dividas, pagamentos, tudo estava a correr bem (pensava eu) até que, de repente, assim do nada, começaram a correr e aos gritos "2001!!" e ainda "corralito bancario!!".
Na tua opinião, voltarei a revê-los ?
Obrigada, bom fim de semana.

Miguel Silva disse...

As contas nacionais não eram especialmente más até ser preciso "salvar" o BPN, injectar liquidez num sistema bancário afogado em subprime e outros investimentos duvidosos. A dívida soberana só começou a ser um problema quando se tornou claro que era possível especular contra os Estados europeus e contra o Euro impunemente, sem que o BCE e o duo maravilha Merkel - Sarkozy tirassem a cabeça da areia.
Se estou disposto a pagar isto e salvar um sistema financeiro corrupto, especulativo, egoísta e imoral à custa da qualidade dos serviços públicos, de anos de recessão, da liberalização dos desepdimentos, da contracção dos direitos sociais? Honestamente, não, não estou.

Rita Maria disse...

A grande questao é: uma coisa nao tem nada a ver com a outra.

De um lado: Eu tenho dívidas à tua família e nao quero pagar. Eu para além disso ainda por cima nao tenho dinheiro e, para continuar a sobreviver, preciso de que alguém mo empreste - Portugal.

Do outro lado: A secretária do teu marido pediu dinheiro emprestado ao meu filho. Ele emprestou e ficou sem nada. Eu paguei-lhe, coitadinho, na confiança de que tu me pagavas a mim, tu mandas-te-me passear - a Islândia.

Portugal: menos demagogia por dia, nao sabe o bem que lhe fazia.

Rita Maria disse...

No fundo, isto só era comparável se imensos estrangeiros tivessem investido no BPN e perdido tudo - mas nao só isso nao era o caso comoPortugal pagou, e caro, a queda do BPN.

Era nesse caso que a comparaçao era válida. Aí muito claramente eu também dizia como a Islândia: nao pagamos. Mas para isso já é tarde.

Lá em casa, por mês, custa-nos seiscentos euros.

Ant.º das Neves Castanho disse...

Honestamente, Miguel Silva, vê alguma alternativa viável à Pastorícia, às azeitonas, à biciclete de pedais e às férias na Caparica? Quer partilhá-la connosco?

Ant.º das Neves Castanho disse...

Já para não falar das potentes motorizadas FAMEL, nos desodorizantes 8x4, nos magníficos todo-o-terreno UMM Alter, nos estádios de Futebol pelados (e com o sector do Peão) e nas excursões de garrafão a Fátima. É este o País alternativo que propõe?


São estas então as tais ditas "Gretchenfragen" (e obrigado Helena, pelos faustosos esclarecimentos...)?

Helena Araújo disse...

Rita,
se uma coisa não tem a ver com a outra, porque é que se fala tanto em seguir o exemplo da Islândia? Quando em Portugal alguém sugere "não pagar", está a propor que não se pague concretamente o quê a quem?

Miguel,
Ainda é possível ao Estado português recusar-se a ajudar o BPN e o sistema bancário em geral? Se o fizer, o que acontece? (não sei mesmo)

Quanto à especulação e ao sistema financeiro corrupto que não estás disposto a pagar: por desgraça, a faca e o queijo estão do lado deles. Daqui a um mês, se bem entendi, Portugal não terá como pagar salários e reformas. A não ser que alguém lhe empreste - nas condições que muito bem entender.

Se nós dissermos que não compactuamos com isso e que devemos seguir o exemplo da Irlanda, vamos fazer exactamente o quê?

Pessoalmente, penso que estas coisas se resolvem não com acções voluntaristas e algo suicidas, mas com uma forte regulação coordenada: além de proibir certas operações de pura especulação e de aumentar as reservas de segurança dos bancos, criava um imposto sobre as transacções financeiras que reverteria para um fundo europeu comum de empréstimos aos países a uma taxa suportável.

Helena Araújo disse...

A. Castanho,
não estou a entender a pergunta ao Miguel Silva. Ele diz que não faz sentido Portugal entrar numa terrível recessão para pagar aos especuladores a quem a Merkel e o Sarkozy deram ampla margem de manobra. Eu compreendo, mas não vejo como é que ele se pode recusar a pagar. Eventualmente, os especuladores poderiam perder margem de manobra e os países poderiam dispor de um fundo de empréstimos a taxas aceitáveis, mas isso é algo que só aconteceria no futuro e não nos salva a nós de passar muito mal nos próximos anos.
Em todo o caso: parece-me que as férias na Caparica e os estádios pelados vão ser uma realidade sem alternativa nos próximos anos.

Helena Araújo disse...

mãe que capotou,
o corralito, congelamento parcial das contas bancárias? Que bicho lhes mordeu? O que lhes estavas a sugerir?

Rita Maria disse...

Porque é que se fala tanto em seguir o exemplo da Islândia e nao pagar - por pura demagogia. É uma forma como outra qualquer de desconversar.

Como estas coisas se resolviam - se portugal tivesse reagido quando estava a ser alvo de ataques. Por exemplo podíamos ter dito à Europa "muito bem meus amigos, mas se é assim entao muito obrigado, devolvam a nossa moeda, lidamos com o ataque sozinhos".

Tenho um palpite de que a Merkel acordava.

Mas ninguém tentou impedir que "mercados" pudessem tomar países de assalto - aliás, também Portugal se esteve nas tintas ao ver Grécia e Irlanda cair.

Com aliados assim, quem precisa de inimigos?

sem-se-ver disse...

«os rendimentos são dados a troco de trabalho (funcionários públicos) ou depois de anos de descontos, sobretudo no caso dos reformados.», sublinhado meu. ah, um pouquito de ausência de demagogia, não é o que se espera de uma 'jornalista'?

«Mesmo que decidissem dar aumentos zero e congelar progressões na carreira». mesmo que decidissem? não têm feito outra coisa nos últimos anosss (vários). eu, enquanto professora, já lhes pedri a conta.

2 apontamentos, só, para dizer da profunda má-fé deste artigo 'jornalístico'.

dito isto:
não vi. anda por aí, tal ideia? gira e utópica :)

casava com eles todos que exprimiram em referendo a sua recusa de pagar aos holandeses e ingleses? claro que sim. porquê? porque são giros e utópicos.

e, para além disso, têm-nos no sítio: a um sistema imoral e injusto em que todos estamos nas mãos de um bando de corruptos, fzem o que têm a fazer - um bruto de um manguito. porque, a ver se nos entendemos, os holandeses e ingleses não acudiram a um país em desgraça - contribuintes islandeses agradeceriam com certeza e gesto e pagariam até ao último cêntimo o dinheiro emprestado - mas a um banco incompetente, tresloucado, desonesto, falsificador, fraudulento, que levou o país à desgraça. o que eles se recusam, E BEM, é a pagar para resolver os problemas de um banco assim, e que um banco assim trouxe ao país.

não entendes a diferença? eu entendo. e aplaudo. e estou 100% segura que, se referendo houvesse por cá, ganharia com 95% (estimativa por baixo) a decisão de não arcar com os já nem sei quantos ao certo biliões de euros que injectámos no bpn.

o que me faz voltar ao início deste comentário: o problema da dívida pública não são os ordenados e as pensões que trabalhadores da função pública pagam com o seu trabalho ou os descontos que fizeram. mas sim com todo o descontrole e regabofe na má utilização que se faz dos dinheiros públicos, exemplarmente disseminados por variadissimas instancias, desde os ordenados obscenos de gestores públicos, as ruinosissimas parcerias público-privadas, as trezentas mil empresas municipais e públicas, os misteriosos contratos por ajuste directo sem controle algum, a ausência de fiscalização e controle em cerca de 80% dos organismos do Estado, e a corrupção, a corrupção, a corrupção.

Helena Araújo disse...

sem-se-ver,
longe de mim pôr em causa a legitimidade desses rendimentos. Estão lá elementos fundamentais e para mim indiscutíveis como o ensino gratuito, o SNS, o rendimento mínimo de inserção, etc. etc. etc.
Também estão os funcionários que entraram para os serviços porque o primo deu um jeitinho, e que lá continuam apesar de não haver trabalho para eles (há 20 anos, na Câmara Municipal do Porto, instituição que, salvo erro, gastava mais de 90% do seu orçamento em salários, havia "contínuos de corredor" - não sei se ainda é assim)

Parece-me que o artigo não refere as parcerias público-privadas e as trezentas mil empresas municipais e públicas. Ou seja: para além de quase metade dos portugueses que recebem legitimamente salários e reformas do OE, haverá mais uns larguíssimos milhares de famílias que todos os meses comem à mesa do Estado. Independentemente da corrupção que possa haver na sua criação e no seu funcionamento, e independentemente da sua efectiva necessidade, se o Estado as encerrar de um dia para o outro cria um gravíssimo problema social.

Em suma: para lá dos motivos que levaram a esta situação (sejam eles keynesianismo, clientelismo, nepotismo, corrupção pura e dura)
o facto é que se o Estado não tiver dinheiro para pagar estes salários e contribuições, o país pura e simplesmente implode. Conheço em Portugal famílias cujos membros dependem na totalidade (todas as 3 gerações) do orçamento de Estado - e é tudo gente séria, que faz um trabalho útil e necessário, e merecia até o dobro do que ganha.
Portanto: há um problema gravíssimo que tem de ser resolvido com a máxima urgência e seriedade. Começar a flirtar com a ideia do "não pago" é, neste momento, uma atitude profundamente irresponsável. Porque estas coisas vivem da confiança. Quem emprestará seja o que for a Portugal se os portugueses andam a dizer que querem fazer um referendo para decidir se pagam ou não?

Helena Araújo disse...

Quanto à Islândia: infelizmente não há muitas informações sobre esse país. Ou há, eu é que não as encontro.
Numa abordagem muito superficial, parece-me que o povo islandês viveu vários anos numa situação de riqueza eufórica devido a esses bancos que agora são os maus da fita. Enquanto as coisas correram bem, ninguém se perguntou de onde vinha o dinheiro e o que tornava aquele milagre possível.
O comportamento de altíssimo risco dos bancos, juntamente com o enfiar a cabeça na areia por parte do governo islandês e da União Europeia (onde esses bancos actuavam de forma praticamente desregulada) tornou-os extremamente vulneráveis a ataques especulativos. Os islandeses foram vítimas, é verdade, mas também contribuiram muito para essa situação.

Segundo li algures, foram mecanismos legais nacionais que levaram a Grã-Bretanha e os Países Baixos a garantir automaticamente o pagamento do prejuízo dos seus cidadãos. Mas não entendi a que propósito foram exigir o reembolso ao Estado islandês. Talvez por os bancos entretanto terem sido nacionalizados? Ao nacionalizar um banco, o Estado passa a responder pelas suas dívidas? Por mim, podia ser como com os Lehman Brothers: quem lá metia o dinheiro fazia-o por sua conta e risco - seu, e das agências de rating que deram A a esses títulos (e continuo a não perceber porque é que estas ainda continuam vivas e a fazer estragos).
Enfim: há muitos aspectos deste emaranhado que não entendo.

Antes de decidir se a ideia de não pagar é "gira e utópica" tinha de perceber melhor o contexto jurídico. Porque ignorar a lei e os acordos internacionais em nome de uma reacção "gira e utópica" transforma um país num estado pária. Não sei se a Islândia (com a sua altíssima dependência externa, quer para o que consome quer para o que produz) está em condições de seguir um caminho de orgulhosamente sós, e particularmente contra os dois países que asseguram quase 50% das suas exportações.

O que as notícias sobre o modelo islandês têm omitido, e é grave que o façam: que a inflação disparou, que a moeda finlandesa perdeu de tal forma valor que só de 2007 a 2008 o custo das importações vindas da Europa aumentou 50% (isto num país altamente dependente das importações, note-se).

Helena Araújo disse...

Quanto ao referendo para salvar o BPN: o BPN é mais uma das histórias que não entendo, e gostava de entender.
Contudo, dando de barato que se tratará de um antro de corrupção em grau extremo, a situação na prática era esta: se não se nacionalizava aquele banco, ele ia à falência, arrastando os outros na queda. O sistema de crédito português deixava de funcionar, os empresários não tinham quem lhes emprestasse dinheiro para comprar as matérias para responder às encomendas, as empresas faliam, o desemprego aumentava. Numa segunda fase, bancos estrangeiros compravam os bancos portugueses ao desbarato e instalavam-se em Portugal.
Tornando este cenário muito claro para os portugueses, faça-se então o referendo: "o Estado português deve injectar 2.000 milhões de euros no BPN ou não?"
Duvido que 95% das pessoas votariam "não".

Eu do BPN não sei muito, mas vi o que na mesma altura aconteceu na Alemanha. Mal os bancos começaram a ter dificuldades, a economia ressentiu-se - as empresas não conseguiam responder às encomendas porque nenhum banco tinha liquidez para lhes fazer empréstimos.
O Governo começou a injectar muito milhares de milhões nos bancos, não para os salvar, mas para salvar a economia alemã.

Rita Maria disse...

Ó Helena, então os islandeses andavam todos ricos por causa de um banco fraudulento? Nem quero começar com o cálculo de probabilidades, mas quando foi a última vez que ouviste falar de um povo ficar rico por causa de um banco, fraudulento ainda por cima?

E as parcerias público-privadas garantem salários de quem? De empresas que só sobrevivem à custa de eu permitir aos seus patrões luxos incríveis que eles traduzem em recibos verdes inscritos com o salário mínimo para os seus funcionários? Perdia-se alguma coisa se oo Estadoo português parasse de, na prática, subsidiar com o dinheiro dos meus pais emprresas privadas que não se aguentavam no mercado cinco minutos? As mmesmas que vêm depois exigir que mais coisas se tornem parcerias público-privadas, menos Estado, etc?

E os bancos que a Alemanha salvou, não eram meio públicos? E as empresas não recebiam empréstimos porque não haia liquidez, ou porrque não havia coragem de assumir o risco da parte dos bancos? E o Estado não ganha se emprestar o dinheiro directamente, então, em vez de o injectar em bancos que, no caso de Portugal, pagam cada vez menos impostos e lhes fogem de formas incríveis, incluindo ameaças em plena rua a funcionários dos impostos?

Acho que, contrapondo uma proposta altamente demagógica, que não está a ser seriamente discutida por ninguém e não corresponde ao exemplo da Islândia ao pacote do FMI, estás a comparar alhos com bugalhos e a perder-te na desconversa. Nunca se fez política com Forwards de e-mails, mas como o caso é sério acho que podíamos começar a discutir possibbilidades que estejam realmente em cima da mesa em vez de bocas de taxista do género desse "então não pagamos e pronto".

Helena Araújo disse...

Rita, por partes:

1. Não era um banco fraudulento, era todo um sector bancário, um dos mais fortes esteios da economia islandesa (os outros são a indústria do alumínio, a pesca e o turismo) que tomou o freio nos dentes.
Para dar uma ideia: o activo dos três maiores bancos corresponde a dez vezes o total do PNB. Em fins de Setembro de 2008 o seu passivo correspondia a nove vezes o total do PNB. Foram esses os três bancos que foram nacionalizados.

2. As parcerias garantem os salários de quem lá trabalha. E mesmo que sejam só recibos verdes, e mesmo que sejam empresas não competitivas, se hoje mandares essas pessoas todas para a rua vais criar um problema a muitas famílias. Concordo inteiramente com a tua crítica e a tua defesa dos princípios, mas convinha não despejar o menino com a água do banho.

3. A Alemanha não salvou bancos, salvou a economia. E não, não era uma questão de querer assumir riscos: houve uma fase em que os bancos estavam impedidos legalmente de emprestar dinheiro, porque não tinham as reservas necessárias. Porque - se não me engano - as reservas tinham sido aplicadas em títulos muito seguros dos Lehman Brothers e quejandos, e com a falência destes os bancos perderam toda a margem de manobra.
Não vejo como o Estado possa passar a emprestar o dinheiro directamente, a não ser a partir de um sector bancário nacionalizado. O que propões: que se nacionalizem todos os bancos saudáveis? Ou só os doentes e corruptos, sendo que o estado assume as suas dívidas? (acho que foi o que se fez com o BPN, não?)
Quanto à fuga aos impostos e a esses rasgos de acção directa: não digas a ninguém, mas às vezes dava-me vontade de "suspender a Democracia por seis meses" e abrir um Guantanamo II...

4. Quanto à conversa de taxista: fiz este post porque queria testar os limites de uma proposta que alguns blogues têm feito. Parece-me que entretanto está claro que não é solução para Portugal.

Guilherme disse...

Helena,

É um raciocinio perigoso defender postos de trabalho pelo simples facto de que as coisas estao complicadas. O custo dessas organizaçoes está muito para além da massa salarial, e no final pagamos todos. A soluçao tem que ser outra.

Quanto ao resto concordo em pleno com os seus argumentos. Apresentar como soluçao não pagarmos ou sairmos do Euro só mesmo para rirmos todos um bocadinho. Seria a cereja no topo do bolo se a discussão se virar para ai.

sem-se-ver disse...

helena,

se é gira e utópica, é porque é gira e utópica = divertida e irrealista, não-concretizável.

certo? passemos entaõ ao ponto seguinte:

não foram 2.000 milhões, foram 5.000 milhoes, 3.300 milhoes dos quais tiveram (e bem) que ser inscritos nas contas do ano passado e por isso mesmo o nosso deficit passou para 8,6%.

essa foi a conversa do teixeira dos santos, a do risco sistemico. o que o ministro esqueceu foi:
a) de avaliar, antes da medida, qual o buraco efectivo do bpn; ou não o sabia (hipótese benévola, do banco insular só se veio a falar - a saber?... - depois), o que dita a incompetencia do ministro, ou já o sabia mas escondeu-o, o que dita a sua desonestidade. acho muito pouco crível que o BdP não o soubesse, e, por via dele, o Governo. ou então a irresponsabilidade na fiscalização de bancos em Portugal é superior não só ao desejável, mas ao exigível.
b) de privatizar ao mesmo tempo o SLN, não-só pelas relações estruturais exstentes entre os dois - sln e bpn -, mas porque era nos activos do sln que se poderia encontrar fundos para fazer face ao descalabro do bpn.

por estas razões, teria o povo portugues toda a razao em votar 'não' num putativo referendo.

pois, por outro lado, qual risco sistemico? o bpp foi ao fundo sem ninguem lhe acudir, milhares de milhoes comprometidos, e estamos a falar de clientes dos mais ricos no nosso país, empresários e etc, e nao houve abalo nenhum sistemico.

o que a precipitadissima e assassina nacionalizaçao do bpn veio a acarretar foi um agravamento da economia real do nosso país, não tanto um abalo no sector financeiro, que bem sobreviveu para alem dele, como se verificou (exceptuando, claro está, a cgd).

sim, tens rzaoa, nao era um banco, eram 3. se o governo deveria ter estado atento? penso que sim (tenho a certeza que sim). que o islandes comum fosse obrigado a desconfiar de condiçoes tao atractivas como as que eles ofereciam? nao, de todo. e por isso mesmo nao deve ser penalizado. ele, o contribuinte. (tal como nao o deveriamos estar a ser nós quanto ao bpn). os montantes envolvidos equivalem a 1/3 da riqueza produzida na islandia. gasta para pagar os desvarios de um sector financeiro desregulado. a que proposito, perguntaram eles? e porque nao encontraram resposta satisfatoria, votaram como votaram no referendo.

é exequivel pensar executar o mesmo esquema em portugal? nao, infelizmente nao, porque o nosso problema é muito mais complexo e está muito para alem do caso bpn. entendes o meu ponto?

agora, e para rematar: mexe com interesses entretanto instalados rever/desintegrar práticas ruinosas como as por mim referidas no 1º comentario? sim, notoriamente. é isso obstáculo a que elam venham a ser mexidas?, sim, provavelmente. o que torna então impossível ou indefensável que devesse ser isso a acontecer?. não.

e é neste não que tudo o resto se torna verdadeiramente secundário. este país só tem salvação se alguem puser cobro a tais práticas.

não tens ouvido o jose gomes ferreira? :)

Lucy disse...

Entendi que os islandeses exigiram que se renegociasse a forma de pagar a dívida reduzindo os juros altíssimos. Se assim foi parece-me bem...

Helena Araújo disse...

Lucy, parece-me que isso foi a exigência anterior a esta. Primeiro exigiram, e bem, que os juros de reestruturação da dívida fossem suportáveis (salvo erro, nas negociações conseguiram chegar aos 3,3%, e o prazo até 2046).
Apesar dessas condições, o referendo mais recente decidiu que essa dívida não deve ser paga.

Tenho andado a tentar perceber isto: a dívida é dos 3 bancos maiores. O Governo nacionalizou-os para impedir a bancarrota e a desvalorização da moeda (não percebo esta passagem). Ao nacionalizar, passa para o Estado tanto o activo como o passivo desses bancos.

É legítimo que os islandeses digam agora que não querem pagar? Porque não disseram antes que os bancos não deviam ser nacionalizados? E como estaria a Islândia se esses bancos não tivessem sido nacionalizados?

Helena Araújo disse...

sem-se-ver,
não tenho ouvido o José Gomes Ferreira. Só o vi outro dia, numa entrevista com a Estela Barbot, que achei muito boa. Daqui a nada passo em post.

Deixa cá ver se consigo distinguir as coisas:

O que nos separa:
- Dizes que o BPN não devia ter sido nacionalizado, e muito menos naquelas condições, e que isso é sinal da incompetência e/ou desonestidade do Teixeira dos Santos e, de um modo geral, de todo o sistema.
Bem: na mesma altura, na Alemanha havia notícias semelhantes, só que com um zerito mais. Para salvar um banco era preciso não 20.000 milhões de euros, mas afinal 50.000. No dia seguinte, já não era apenas aquele banco, também havia mais este e mais aquele. Sem perceber nada do assunto, e muito menos do que se passou com os bancos portugueses, custa-me acreditar que todos os governantes em todos os países sejam incompetentes e desonestos. Por outro lado, conheço o Teixeira dos Santos de outra fase da vida dele, e devo dizer que ele tinha de nascer duas vezes (hihihi) para conseguir passar da pessoa que conheci para este incompetente e/ou desonesto que dizem que é agora. Mas parece-me que esta discussão do BPN não vai poder avançar, porque eu não tenho dados suficientes para poder fundamentar uma opinião.

- Dizes que os islandeses não devem ser penalizados pelas políticas suicidas dos seus bancos e pelas decisões dos seus governos. Pergunto-me: como vai ser o nosso mundo se as regras vigentes e o que foi combinado com um país deixam de ser válidos a partir do momento em que é eleito um novo governo?

O que nos une (acho eu):
- dizes que é preciso dar uma profunda volta a tudo isto, apesar do que vai doer. Com certeza. Penso que a queixa apresentada por aqueles quatro economistas contra as agências de rating é um passo na direcção certa. Também é fundamental que os PIGS ou como se queira chamar se unam e façam pressão na Europa para que algumas coisas mudem. E para que mudem, e se mantenha o euro, vai ser preciso dar mais uns passos para um sistema de federação, com muito mais controlo dos parceiros. Finalmente, é importante que o povo de cada um desses países pressione o seu governo e a Europa para que o preço da recuperação orçamental não seja pago pelos mais frágeis.
O sector financeiro internacional tem de levar uma volta brutal, é verdade. Mas como fazer isso, se ninguém se entende? Permito-me lembrar que há cerca de um ano, quando a Alemanha proibiu que nas suas bolsas se realizassem movimentos de especulação perigosíssimos, toda a Europa a criticou por andar a tomar decisões unilaterais e ter a mania que é melhor que os outros.

Mudando um bocadinho a perspectiva: todos gostam de dizer mal da Merkel, que não reagiu atempadamente, e que não tem visão europeia, e tal. Mas é preciso ver que a Merkel tem de respeitar as leis do seu país (ainda não é líquido que a Alemanha possa contribuir para um fundo de apoio para salvar o euro) e tem de convencer o seu povo de que salvar o euro é importante para a Alemanha. Porque o que tu dizes do BPN dizem os alemães do euro: custa-nos demasiado dinheiro, é demasiado inseguro, mais valia deixá-lo cair e voltar ao nosso querido marco que só nos deu alegrias.
Por outro lado, perguntam-se cada vez mais como é isto de serem sempre chamados para acudir ao fogo, mas de cada um dos países que exige ajuda querer continuar a fazer as suas políticas como bem lhe apetece. Se eu contasse aos alemães o que tu disseste do Teixeira dos Santos, eles iam perguntar-se em nome de quê devem ajudar um país assim...

Helena Araújo disse...

PIGS, disse eu? Parece que a Bélgica é o próximo candidato.
P I S G B, vamos lá a ver, isto dava uma sigla gira:

BIG PS

A solução (está escrito!) é uma via socialista.
Razão têm os chineses ao dizer que uma crise é também uma oportunidade...

Ant.º das Neves Castanho disse...

Interessante a discussão, mas penso que mistura dois assuntos distintos sob a mesma capa do "não pagamos!": os Bancos dos gatunos e as dívidas do Estado (só falta mesmo falar das Propinas...). Quanto ao primeiro, já se falou o suficiente (e obrigado, Helena, pelas sensatas opiniões). Quanto às dívidas do Estado, que me parece serem o tema deste Artigo, o que eu digo é se os Portugueses preferem ser um Estado-pária, ou honrar os seus compromissos.


Já fomos um Estado-pária, há menos de quarenta anos, não é nada de original. Só que nesse tempo a "malta" ainda não estava habituada ao "bem-bom" (nem sonhava que ele existia, só o conhecia dos Filmes...), agora arrepiar caminho era quase como meter march-atrás na Auto-estrada a cem à hora (porra, que até me doeu a cremalheira só de pensar nisso)! 'Bora lá esclarecer o pessoal como era a vida em Portugal nos gloriosos anos 70 e 80 dos tempos do FMI+Escudo? É que desta vez "o FMI" vai ter de se aguentar à bronca sem a comodidade das desvalorizações cambiais, é bom não esquecer essa "pequena" diferença...


Ainda querem ir para a rua gritar "NÃO PAGAMOS!"? Força, seus valentões...

Lucy disse...

tenho a cabeça num novelo

sem-se-ver disse...

helena,
o mesmo que nós se, por absurdo, viesse a ser a alemanha a precisar de nós (pausa para rir durante uns valentes 5 minutos; ok, já está) - que não se deve custear 'bancos de gatunos', para usar a expressao do teu comentador, nem dívidas de estado assumidas para liquidar as dos bancos de gatunos. pelo que, ou há solidariedade, ou não há.

compreendo a delicadeza da posição da merkel mas assusta-me o tom (vd resultados da finlandia) anti-solidariedade numa causa comum (comum porque estamos todos no euro, pelo menos por isso). e é isso que me aborrece mesmo. foi a governação socialista a melhor do mundo? claro que não. perdularia? sem duvida que sim, como em todos, ou quase todos, os países dominados por obscuros interesses instalados, particularmente do sector financeiro (tal como a alemanha, btw). agora, gostava de ver um qualquer país a conseguir resistir a um ataque cerrado, concertado, inflexível e determinado por parte de agencias de rating que nao têm qualquer credibilidade, isenção ou imparcialidade nos seus juizos, dado que estão a servir os interesses dos seus CLIENTES. já alguem o disse ao povo alemão, merkel incluida? que é facil pôr portugal ko com esta estrategia e mais dificil seria com um portentado como a alemanha mas que, se caso fosse, elas também o conseguiriam? que, a bem dizer, o estao a conseguir, pois a escolha de paises-alvo não é aleatoria nem ingénua, e apos grecia, irlanda, portugal, espanha se seguirão outras economias europeias também? que o objectivo deste ataque é o euro enquanto força economica e a europa enquanto força politica? e que a alemanha irá na enxurrada? e que portanto, sendo assim, melhor teria sido explicar isto claramente aos alemaes em vez de legitimar o discurso de 'ai os meninos portaram-se mal agora merecem tau-tau e nunca mais vos emprestamos a bola pra brincar'?

enfim, que sei eu... estou com fome, vou almoçar :)

Helena Araújo disse...

sem-se-ver,

Nem me fales... entre ontem e hoje ouvi tantas sobre o estado de corrupção a que Portugal chegou, que quase me apetecia apagar este post.

Talvez não seja possível fazer essa comparação (de Portugal ajudar a Alemanha, e de se recusar a pagar as "dívidas dos gatunos"). Pode ser que eu seja muito ingénua, mas parece-me que, apesar de tudo, o sistema alemão vai sabendo lutar contra a corrupção. Pelo menos aqui demora muito menos tempo a ver o pessoal na cadeia, e geralmente são visitados pela polícia antes de os jornalistas entrarem ao barulho. O caso dos submarinos, por exemplo, foi descoberto e levado a tribunal aqui, no país dos vendedores - porque não se admite esse tipo de comportamento empresarial. Em Portugal, como é que isso está a evoluir? O Paulo Portas continuará à frente do seu partido apesar das notícias que hoje saíram nos jornais sobre os 30 milhões que pagou a mais?

Quanto a tudo isso que queres que se saiba aqui: já se sabe. Fui dar uma vistinha de olhos ao jornal "Das Parlament", que é publicado pelo parlamento para que o público tome conhecimento do que está a ser discutido pelos deputados, e tudo isso que tu dizes também eles dizem, e algumas das coisas até já estavam a ser ditas há um ano. Estava tentada a traduzir, mas são muitas horas de trabalho. Se queres, mete os textos no tradutor automático do google - com certeza te dará uma ideia do que os deputados alemães dizem.

Sobre a necessidade de salvar o euro (e a sua conclusão: a saída do euro não é solução, ia ser um caos terrível - a única saída é "mais Europa")
http://www.bundestag.de/dasparlament/2010/43/Beilage/002.html

E sobre uma discussão que já em Maio de 2010 andava no Parlamento europeu, sobre a necessidade de regular os mercados financeiros antes que eles nos desregulem a nós (e onde já se dizia abertamente que eles estavam a atacar propositadamente os países do euro um a um, e que era impossível lutar contra eles se não houver uma coordenação muito mais forte das políticas económicas e financeiras de todos os países europeus):
http://www.bundestag.de/dasparlament/2010/21-22/EuropaWelt/29908295.html

E já me ia esquecendo de contar: parece-me que os alemães estão consternados com o que está a acontecer na Finlândia. O projecto Europa está cada vez mais difícil.

sem-se-ver disse...

podes crer :((

Ant.º das Neves Castanho disse...

E os parolos dos islandeses podem estar eufóricos e tal, mas estão metidos cá num buraco, que nem na próxima geração saem dele...

Helena Araújo disse...

Não lhes chamaria parolos. Nem me parece que estejam eufóricos, pelo contrário.
Aliás: o modo como olhamos para a Islândia como se fosse um exemplo é uma ilusão triste. Estão completamente à rasca com a situação do país, pensam até entrar na UE para tentarem escapar, e nós aqui, de dentro da desprezada UE e do odiado euro, a dizer: "façamos como os islandeses!"