As estatísticas, essas ousadas púdicas:
No Douta Ignorância foi publicada uma série de posts, muito aplaudidos, a provar que os jovens - e em especial os licenciados - não têm de que se queixar, porque não estão pior que os outros. Gostei do tom calmo e factual da exposição, mas parece-me que assenta num erro grave: ao usar os dados disponíveis (grupos etários 15-24, 25-34, etc.) e ao recusar-se a considerar a inclusão do grupo até aos 34 anos, por não serem "jovens", distorce o problema.
- Primeiro, reduzir a questão aos menores de 25 anos ignora o seu próprio cerne, que é o arrastamento por vários anos de uma situação de precariedade que não permite que se comece uma vida independente dos pais, se seja capaz de prover ao próprio sustento e de fundar uma família. Um sinal de que as coisas estão a correr muito mal são os números do INE que revelam que a primeira maternidade ocorre cada vez mais tarde. Já ultrapassa os 28 anos, o que significa que há por aí muitos casais que só começam a ter filhos lá para os 33 ou 35 anos.
- Segundo, se para falar do emprego dos licenciados jovens se dividem estes entre "até aos 24 anos" e os "dos 25 até à reforma", acaba por não se provar nada: os que têm menos de 24 anos acabaram há pouco tempo a formação universitária e muitos deles não se consideram desempregados porque estão a fazer um ou outro estágio, enquanto que os que têm entre 25 e 30 anos vão fazer subir a média de desemprego do grupo de comparação, o que nos leva a pensar que as coisas estão a piorar de igual modo para todos. Ou seja: Priscila Rêgo separou da análise pelo menos 2/3 do grupo em causa, para os incluír no grupo que se pretendia ser o de comparação - é um autêntico caso de estar a comparar alhos com uma mistura de alhos e bugalhos, e concluir que há algumas parecenças entre os grupos. Oh, quão admirada fico.
Apesar destas distorções, as suas conclusões (ou especulações, como lhes chamou, dada a exiguidade de dados disponíveis), que cito deste post, são - digamos - desconfortáveis :
a) a situação relativa dos jovens licenciados [licenciados com menos de 25 anos] degradou-se nos últimos anos;
b) mas continuou, ainda assim, bem melhor do que a situação dos jovens não licenciados [o que nos leva a questionar aquela teoria dos electricistas, sapateiros e canalizadores...];
c) os desvios face à média salarial agravaram-se substancialmente, o que levou à criação de um segmento de jovens licenciados low cost, que se arrasta em estágios não remunerados. Deste ponto de vista, os últimos anos criaram, de facto, uma "Geração Deolinda". Desempregada, pobre e precária. Mas, provavelmente, pouco expressiva em termos numéricos. [Se é pouco expressiva ou não, não sabemos - era preciso conhecer, entre outros, o número exacto de estágios que existem neste momento, e a idade dos estagiários, que pode ir até aos 35 anos.]
Uma última nota, a propósito do vitorioso comentário sobre não haver desemprego entre os licenciados em Engenharia: é óbvio que se as pessoas fossem espertas e racionais, e escolhessem todas esse curso, agora metade dos licenciados em Engenharia estava desempregada, e as empresas ofereciam salários altíssimos aos juniores de jornalismo e gambozinologia. E é para não falar do Latim que, se não for estudado por ninguém, corre sérios riscos de se tornar uma língua morta...
7 comentários:
Ah....
Pois é, Helena.
Sempre fui mau em estatícas apesar de no Técnico ter ficado com 14 a Métodos Estatísitcos quando, ao sair do exame final, estva convencio que ia chumbar.
Retive, no entanto, que se eu comer um frango e a Helena nenhum as ditas dirão que cada um de nós comeu 1/2 frango.
Mas elas são o que são e com base nos critérios definidos as conclusões são as que são.
Bom fim de semana
Pois é, António. Eu também não era grande aluna de estatística, a minha sorte é que a Rita me abre os olhinhos para estas coisas difíceis.
Mas lembro-me muito bem de uma introdução às Ciências Sociais onde se falava dos riscos de interpretar números, dando como exemplo o aumento do número de nascimentos na Suécia justamente na altura em que as cegonhas regressam.
No caso, considerar que jovem é só até aos 24 anos, e juntar os outros ao grupo de comparação é um erro crasso.
Mas confesso que não reparei à primeira. Nem eu, nem o Maradona, nem o João Pinto e Castro, verdade seja dita. E esses se calhar ainda agora não perceberam. Deviam falar mais vezes com a Rita.
Olha que mesmo em engenharia, devido à chico-espertice e condições oferecidas pelo estado, também há recibos verdes e estágios não remunerados, e coisas que tal. Mas bem menos, que os miúdos ;) fartam-se e vão para outros lados, a oferta deve ser maior nessa área. Por outro lado, mesmo quando eu andava a tirar o curso, na minha faculdade sentia-se a incerteza do pessoal de engenharia química - era o único curso em que a saída profissional não estava de modo algum garantida. E ainda assim, comparada essa engenharia com tantos e tantos cursos, a empregabilidade era alta.
Essa falha na análise dos grupos etárias é grave e distorce completamente alguma conclusão que se queira tirar. Com cursos de 5 anos, que muitas vezes acabam por durar 6 ou até 7, parece-me evidente que as situações graves (se se quer saber o que andam a fazer os recém licenciados) estarão no grupo dos 24 aos 30 anos. Se calhar já nem tanto os dos 30-34, pelo menos gostaria de acreditar que por essa altura a maioria já conseguiu uma situação estável.
Em relação à teoria dos electricistas, sapateiros e canalizadores, seria interessante saber quantos não-licenciados optaram por profissões técnicas e quantos não fizeram qualquer formação ou aprendizado e se limitam a não saber nem fazer nada de útil.
snowgaze,
até em engenharia?! E engenharia química, tão importante para, por exemplo, modernizar o sector têxtil.
Gi,
é mesmo verdade que não há escolas para essas profissões técnicas? Como é que eles aprendem?
Conheces uma profissão que se chama advocacia?
Sabes que para exercer advocacia estudas 5 anos na faculdade e depois tens estagio de 2 anos não remunerado com provas escritas e orais obrigatórias e defesa tese para te admitirem na ordem?
Depois não tens emprego. Tens é que lutar por trabalho e para isso precisas de ter gastos indispensaveis com o "estaminé", como : renda, agua , luz, telefone, cadeiras, mesa, computador, papel, .... e muita coompetencia, luta e coragem para conseguir uma carteira de clientes que te permitam pagar as contas.
Não existe isso de ter salario ao final do mes, nem subsidio de ferias e de natal, 13 mês, baixa medica e essa treta toda.
quando temos a vocaçao e audacia de sermos advogados temos que ir à luta sozinhos, todos ao monte e fé em Deus.
Os advogados nem desempregados são!
Pois então é por isso nem estatisticas, nem estudos, nem ninguem, se lembra disto.
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