(Artigo em alemão aqui)
Caroline Fetscher
Que distância vai da palavra ao acto?
Também na Alemanha há quem se pergunte se os recentes ataques a mesquitas berlinenses estarão ligados a um discurso discriminatório sobre os muçulmanos. Embora estas conjecturas pertençam ao domínio da especulação, no seu cerne contêm duas observações correctas: a violência costuma ser precedida de instigação verbal. E: a própria expressão verbal pode ter o carácter de acto de violência. Cada um dos recentes atentados incendiários contra as mesquitas é um ataque aos valores básicos da nossa Democracia, alerta - entre outros - Deidre Berger, a directora berlinense do American Jewish Committee. Não se pode permitir, afirma ela, „que o importante debate público sobre integração e imigração continue a ser envenenado“.Como é que se pode definir „veneno no discurso“? Como reconhecer, como punir? Hate speech, ou seja, discurso do ódio, é o nome que os americanos dão ao acto verbal agitador que incita outros a cometer hate crimes, crimes motivados por ódio. Na maior parte dos casos trata-se de grupos inteiros que são estigmatizados por motivos sexistas, de religião ou de raça – tais como homossexuais, judeus, negros. Mas o cerco verbal também pode atingir outros grupos, como no caso dos motociclistas hippies no filme „Easy Rider“, dos comunistas perseguidos por McCarthy ou dos atentados contra defensores do aborto. Na América, ao contrário do que acontece entre nós, hate speech é considerado matéria de crime.
Qualquer europeu que se interessa por História sabe que a violência colectiva que conduz à guerra e a confrontos entre civis é preparada por um determinado discurso. E mesmo a História recente nos dá exemplos disso. O publicista jugoslavo Mirko Klarin apelou à opinião pública europeia, a partir de Maio de 1991, exigindo um tribunal internacional que impedisse o deflagrar de uma guerra no seu Estado. O seu argumento: o discurso nos media regionais está cada vez mais carregado de ódio étnico e religioso, e representa um “crime contra a Paz”.
Na altura, ninguém lhe deu ouvidos. Só quando chegou a guerra, quando se passou à acção, foi chamado um tribunal. A ONU reconheceu oficialmente que isso se deveu à observação atenta e às exortações de Mirko Klarin, reconhecimento esse que não lhe deu qualquer espécie de satisfação. Hoje em dia é comum bater na tecla da liberdade de expressão, e vociferar contra a chamada „political correctness“, quando se trata de escapar aos limites aceitáveis do espaço verbal: „ainda nos será permitido dizer que...“ Este recurso de retórica simplista, desvalorizando por um lado, e fingindo indignação por outro, já conhecido antes de Möllemann ou Sarrazin, serve facilmente para disfarçar objectivos perigosos.
Obviamente que não haverá nenhuma guerra civil. Nem nos EUA, entre os conservadores radicais da Tea Party e os adeptos dos liberais, nem na Alemanha, entre mob e muçulmanos. Não ocorrerá, porque as instituições democráticas estão firmemente ancoradas na consciência social. Contudo, chegou o momento de uma sensibilização mais consequente respeitante ao modo como usamos a linguagem. Por exemplo: não basta proibir nas escolas o uso de „certas expressões”. Já aí é preciso explicar o contexto de violência e linguagem.
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Nota do Speedy Gonzalez, um pouco estupefacto: a tradução manteve a partição em parágrafos como no texto original. Uma partição muito estranha. Hei-de reparar, de futuro, se por aqui é normal fazer parágrafo a meio de uma ideia, e continuar outra ideia completamente diferente na mesma linha.
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