22 janeiro 2011

decididamente: até na publicidade sou lenta de entendimento

Não tenho pachorra para maquilhagens, cremezinhos, não-sei-quê-cabelos, não-sei-quê-unhas.
A minha filha diz "máscara" e eu penso numa cara coberta de rodelas de pepino, quando afinal se trata de uma escovinha não-sei-quê-pestanas. Ela olha-me com um ar muito decepcionado, mas parece que continua a gostar de mim apesar de.

Por eu ser tal-qual como sou, sem disfarces nem paliativos, outro dia fizeram-me uma fotografia para aparecer na capa de um livro. Quanto mais penso nisso mais vontade de rir me dá: sem sequer me lembrar de perguntar "que livro?",  fiz o meu melhor sorriso para a câmara, esmerei-me o mais que pude, e no fim só puseram um bocadinho, aquela parte que mostra as rugas junto aos olhos e uma ou outra mancha acastanhada. Era um trabalho científico sobre envelhecimento da pele. Se os Monty Python soubessem de mim, compravam o meu diário e já não precisavam de ter mais trabalho a inventar cenas hilariantes.

Gosto de ver rostos de idosos com rugas - rugas que contam uma vida. Gosto especialmente das marcas dos sorrisos e do olhar atento aos outros. Ficaria muito contente se na minha cara se fosse desenhando um mapa de emoções boas.

Não sei de nada mais ridiculamente triste que ver na mesma mulher uns quarenta anos de diferença entre a pele da cara e a das mãos e do pescoço (a propósito, conselho a quem se preocupa com isso: usem para as mãos o mesmo creme que usam para a face). Para não falar dos rostos encharcados em botox, sem história nem expressão. Para não falar do embaraço que sinto ao ouvir comentários dos amigos especialistas sobre as operações de recauchutagem a que se terão submetido mulheres com quem nos cruzamos na rua: "olha, esta usa botox, olha, aquela deu um arranjo nos lábios, olha, quantidades industriais de silicone". Incomoda-me que seja tão evidente: é como se me apanhassem de cabeleira postiça por cima dos cabelos mal arranjados.

Ao ver este filme, que encontrei no anotações de uma viagem, dei-me conta que sou incólume à publicidade que influencia a percepção que as mulheres têm de si próprias. Nada como ser lenta de entendimento. Aliás, está escrito: "felizes os pobres de espírito".
(hihihi)

10 comentários:

mdsol disse...

Não é lentidão, claro. É opção. Sou na mesma. Só uso creme nívea daquele que vem em boiões brancos, que se compra nos supermercados normais. E sabe? Ironia das ironias, ninguém me dá a idade que tenho,[se bem que também ninguém me tire os anos que já carrego eh eh eh.].

:))))

Helena Araújo disse...

:-)
Mas o que fará com que nós - e muitas amigas minhas - sejamos incólumes a estas mensagens?

snowgaze disse...

Muito bom. "perdi" 40 minutos a ver tudo, e eu normalmente não consigo ver vídeos que durem mais de um minuto...
Acho que ninguém sai incólume. É preciso uma grande dose de auto-estima, que a grande maioria das pessoas - homens e mulheres - não tem.

Helena Araújo disse...

Auto-estima? E eu a pensar que era preciso ser muito lenta de entendimento...
;-)

É verdade, sim senhora: terrível!

(depois de escrever este post fiquei a pensar nos casos que conheço de homens que vão atrás de um rabo de saia, e passados uns tempos se começam a irritar com a futilidade e vão atrás de outro rabo de saia. Boa viagem, diria eu, que não tenho grande respeito por homens assim - mas será que essas miúdas que investem tanto na aparência sabem que areias movediças pisam?)

Rita Martins disse...

Helena, obrigada pela visita!

Eu confesso que uso maquilhagem todos os dias que saio de casa, nao tanto para conquistar plateias, e sim para esconder os sinais de intimidade que transpiram pelos poros das minhas olheiras... Ninguém tem nada com isso! Admito que esses produtos assumem uma funcao de valorizacao de algo que já existe, mas recuso-me a pensar em alterar qualquer sinal que a minha biografia me tenha vincado na pele.

O filme impressiona, porque tao verdadeiro como nada sensasionalista. Apesar de já ter deixado o sonambulismo, senti-me a acordar ao me aperceber da manipulacao activa de que todos somos sujeitos SEM NOS APERCEBERMOS. Uma autentica epifania!

Apareca sempre!

António P. disse...

Minhas senhoras,
desculpem a intromissão de um homem nesta dsicussão feminina. Apenas alguns pontos :
1.Gostei do post e dos comentários.
2. Helena, será mesmo, mesmo incólume a estas mensagens ?
3. A conferencista diz que todos acabamos por ser influenciados.
4. mdsol, quanto a não lhe darem a idade que tem espero qu~e use o truque de uma das minhas primas. Quando lhe perguntam a idade pôe-lhe 6 a 7 anos em cima. Claro que todos dizem : "mas parece muito mais nova"
5. Acreditem que muitos homenes ( pelo menos eu ) gostam de rugas, pneus, etc..até o aconselho ao "meu" gineceu.

Bom domingo e boa votação para quem vota

Carla R. disse...

Estou a aplaudir (comecei ali em cima e ainda não parei). Não ligo muitas vezes a este ideal de beleza actual (não ter TV, não ler revistas femininas e não estar a trabalhar com adultos actualmente ajuda), às vezes tenho recaidas, confesso, e aspiro por um corpo mais assim ou menos assado. Mas passa, entre um bom jantar sem culpas e umas boas rugas de rir, aceito-me como sou e vou vivendo a minha vidinha, feliz por ser perfeitamente imperfeita e por estar rodeada de quem parece gostar de mim como sou. Sera esse o segredo ?

Helena Araújo disse...

António,
isto não é conversa de mulheres, isto é um estudo de sociologia! ;-)
Obrigada pelo que diz respeito às rugas e aos pneus (também há quem lhes chame bóia de salvação...).
Talvez não seja tão incólume assim, mas passei alguns exames: tenho quem me faça laser e botox de graça, e não aproveito. Se isto não é uma prova dos noves...

mãe que capotou,
Pois, não ver tv nem comprar revistas high tech femininas ajuda muito.
Não sei se o segredo é a aceitação de nós próprias e a das pessoas que nos rodeiam. As mulheres que se preocupam com a aparência também têm quem goste delas como são (preocupadas com a aparência) e a sua aparência é algo que preenche e dá em parte sentido à sua vida. Talvez até se sintam mais realizadas que eu.
Bom, cada um é como cada qual. E a mim, por sorte lenta de entendimento, calhou de não perceber as mensagens publicitárias, o que me permite andar pela vida com menos lastro.

snowgaze disse...

Olha, fizeste-me lembrar uma coisa... estas férias de verão andei a ver muitas revistas... e a chatear-me porque o que basicamente estavam a tentar fazer -mal - era vender roupa da colecção de outono (eu até estava a precisar de renovar o guarda-roupa). Só que as modelos eram tão magras que só me apetecia era dar-lhes de jantar... Ah, mas o que eu queria dizer era que a publicidade acabava por ser contraproducente, porque eu pensava, ah, que roupa tão gira, e logo a seguir, nunca na vida vou caber nisso, esquece, é da maneira que poupo uns euros... lol
Alguma vez leste/viste a Brigitte (a revista)? Diz que agora usa modelos "reais", mas nunca cheguei a constatar o que isso quer dizer, nunca me veio parar às mãos uma...

Helena Araújo disse...

snowgaze,
ainda aqui estás?
Ontem por acaso li algures (e é que não me lembro mesmo onde!) (ah, no jornal diário) que as modelos "normais" da Brigitte foram uma ideia bem intencionada mas o tiro está a sair pela culatra. É que elas não são modelos profissionais, mas estão bem longe de ter um corpo "normal". Quer dizer: com rugas, com pneuzitos, com celulite. De modo que as mulheres "normais" olham para aquelas fotos e ficam ainda mais frustradas.

Salve-nos o nosso Santo António P., que gosta de pneus e rugas!
Venham mais homens como ele, é disto que o nosso mundo precisa!