Enquanto esperávamos, víamos em ecrãs gigantes imagens da história recente da Alemanha: o fim da guerra, a construção do muro, as pessoas que se acenavam em pranto de um e do outro lado, as tentativas de fuga, a abertura da Hungria, o anúncio de Genscher na embaixada de Praga, a queda do muro e a alegria que se seguiu.
A festa começou com uma homenagem a Helmut Kohl, convidado de honra e presente apesar da doença. A câmara foi gentil, saiu-lhe do rosto antes de ele começar a chorar.
Alguns pára-quedistas continuaram o espectáculo: traziam maquinetas que lançavam fumo nas cores da bandeira nacional. Um deles desfraldou uma enorme bandeira e foi entusiasticamente aplaudido por um povo que já não se envergonha dos seus símbolos.
A seguir, um coro juvenil cantou uma velhíssima canção revolucionária, "o pensamento é livre", com arranjos melódicos modernos. Uma orquestra amadora da Turíngia juntou acordes clássicos à música de um jovem cantor e da sua banda - ou vice-versa: estavam muito bem combinados.
A Escola de Ballet de Berlim (famosa desde os tempos de Berlim Leste) fez uma dança surpreendente e de impecável coreografia: um sapateado executado quase sempre em pontas, ao som de música que me pareceu magrebina.
Finalmente, um discurso de cinco minutos feito pelo presidente do Parlamento Alemão. Lembrou o esforço da população da RDA, repetindo uma frase importante "o muro caiu porque o empurraram do lado oriental", e afirmou que podemos olhar com gratidão e orgulho para o que já fomos capazes de construir nestes vinte anos. Depois falou dos princípios fundamentais - unidade, direito, liberdade - que são a base da felicidade deste país, terminando com uma citação do hino: cresce à luz desta felicidade. A orquestra arrancou, sublinhando estas palavras com a respectiva melodia num arranjo moderno, que se resolveu com graça para retomar a música de Haydn, acompanhada em uníssono pela multidão emocionada.
Seguiu-se fogo-de-artifício ao som do hino europeu, enquanto projectavam sobre a fachada do Reichstag imagens históricas da reunificação.
Espertos, os alemães: em vez de terminarem abruptamente a festa, continuaram a projectar fotos da história recente, para que aqueles milhares de pessoas não abandonassem o local todos ao mesmo tempo.
Quando me vim embora, ainda havia muitos alemães que continuavam a olhar para o edifício do Parlamento, com um grande sorriso. Gente feliz com lágrimas, um povo reconciliado consigo próprio.
Em suma: uma festa conseguida, sem exageros de discursos políticos (a Chanceler e o Presidente da República estavam presentes mas não discursaram), e com uma mensagem simples: gratidão e orgulho, conjugação harmónica das diferenças, aposta nos jovens, nas pessoas do Leste, nos que se entregam de corpo e alma a um sonho. E a Europa como futuro e continuação lógica da reunificação.
***
Comigo estava uma jovem portuguesa, que saboreava tudo com fascínio e alguma zanga. Volta e meia, lamentava-se: "estou mesmo a ver que as comemorações do centenário da República não vão ser nada assim, estou mesmo a ver que vão estragar tudo..."
Passados três dias, lemos nos jornais e blogues a confirmação dos seus receios: das comemorações do centenário sobrou a discussão sobre quem não tinha estado presente. Mais um episódio de um país tornado caricatura de si próprio.
1 comentário:
Caricatura, sim, mas bem triste...
Enviar um comentário