10 dezembro 2010
eu não sou a wikileaks
Pôr a Interpol atrás de um gajo que teve relações sexuais sem usar preservativos é de uma hipocrisia ridícula. Ou, se não é hipocrisia, os contribuintes deviam protestar, porque isto é desperdício de dinheiros públicos: se a Interpol agora está encarregada de ir atrás de homens que não praticam sexo seguro, não fará outra coisa senão capturar respeitosos pais de família a pedido da Tailândia. Por exemplo.
Se organizarem uma manifestação para protestar contra esta desculpa ridícula que quer fazer de nós parvos, eu vou e levo um cartaz.
Se organizarem uma manifestação para protestar contra o envio de Assange para a Suécia, e daí para os EUA, e sobretudo para evitar que ele vá num daqueles aviões onde "interrogam" os prisioneiros, eu vou e levo dezenas de pessoas comigo.
Não tenhamos dúvidas: há por aí governos democraticamente eleitos capazes de mandar torturar o homem para lhe arrancar o nome dos colaboradores. E nós já sabíamos estas coisas, muito antes de a wikileaks ter surgido.
Há muitos motivos para organizar manifestações. Mas a liberdade de expressão e a transparência da informação defendidos por esta "eu sou a wikileaks" não me convencem. Não acredito na liberdade de expressão como um valor absoluto, e menos ainda na transparência da informação feita a partir de documentos diplomáticos roubados. Aceitar como legítimo que estes papéis sejam publicados agora, e não daqui a quarenta anos, é uma clara tomada de posição no sentido de destruir toda a base das relações internacionais. E eu não vou por aí.
Também não vou participar no protesto organizado pela Avaaz, onde se afirma que a pressão exercida sobre a wikileaks é um ataque à Democracia (*). Olhando para o que os defensores da wikileaks andam a fazer, parece-me que o verdadeiro ataque à Democracia está aí.
Esta semana temos podido vislumbrar um pouco do que pode vir a ser o futuro. O nosso mundo está a tornar-se um sítio cheio de ruído, desconfiança e ódio crescente. Para quê fazer jornais, organizar debates, esperar por eleições e processos judiciais, se é muito mais fácil fazer agitação na internet e combinar actos de sabotagem contra aqueles de quem não gostamos?
Queremos realmente deixar de apostar na construção de um Estado de Direito cada vez mais sólido - apesar de todos os erros que lhe conhecemos -, para o trocar pela lei do geek mais forte? Que mundo vai ser esse, onde viveremos chantageados e sob a permanente ameaça de uma minoria de anónimos que têm o poder de torpedear o sistema a seu bel-prazer, e cada um segundo critérios que só ele conhece?
Não, não vou a nenhuma dessas manifestações. Vou ficar em casa, a baixar para um arquivo independente o material que tenho na internet. Sei lá para que lado vão acordar depois de amanhã esses geeks defensores da liberdade de expressão, sei lá se não se lembrarão de vir boicotar este blogue por eu não concordar com o que a wikileaks anda a fazer...
Por outro lado, não tenho dúvidas que tudo isto vai ter uma resposta muito dura. A internet vai ser muito mais vigiada. Pode ser que estejamos a assistir ao fim de um sonho.
(*) Adenda: mas obviamente participaria (e levaria dezenas de amigos) numa manifestação para exigir a entrada em cena dos tribunais. Isto está a ficar uma fotografia onde todos saem muito mal.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Não estou de acordo. Reduzir a "WikiLeaks" a um bando de anarcas irresponsáveis e perigosos é expandir esse anátema às pérolas do Jornalismo internacional. Uma contradição insanável. O Jornalismo como quarto poder (e garantia de um bom funcionamento democrático) acomodou-se, há que reinventá-lo, se necessário às apalpadelas (como tudo na vida começa...). É só isso. Nada de novo na frente Ocidental...
Enviar um comentário