25 novembro 2010

um povo pacato e triste

Quando a crise grega se tornou conhecida, os meios de comunicação social alemães encheram-se de imagens e textos sobre a corrupção e irresponsabilidade generalizadas, e a revolta violenta nas ruas. De um lado pessoas a deitar fogo a carros e lojas, do outro histórias de bairros de luxo onde aparentemente ninguém ganhava o suficiente para pagar impostos, ou pessoas com menos de quarenta anos que iam para a reforma de modo perfeitamente legal, ministros que só trabalhavam da parte da manhã, vergonhas assim.

Ontem, o noticiário que vi à noite falava da Irlanda e de Portugal. O filme sobre os irlandeses (aqui, em alemão) começava de forma desagradável: entrevistavam pessoas que se insurgiam contra a Alemanha, e o modo como se quer intrometer na política de um país soberano.
O comentário do alemão médio é, obviamente: "só querem o nosso rico dinheirinho, não é?"

O filme sobre os portugueses (aqui, em alemão) mostra um povo triste e pacato. A greve terá sido um sucesso, e os protestos das pessoas são perfeitamente legítimos, mas não há solução: um país com estrutura produtiva arcaica e pouco competitiva, um sistema de ensino "fraco", com bancos estáveis mas com contas estatais desgovernadas. Os anos de despesismo e falsa abundância, o preço a pagar agora: ninguém tem dinheiro para comprar nada, a classe média não tem como pagar as suas dívidas, o desemprego aumenta. A depressão económica que se avizinha.

Vendo-a deste lado, fiquei contente com a reportagem: um país em dificuldades graves e um povo que reage de forma digna. Para o caso de ser preciso pedir ajuda à Europa (enfim, à Alemanha), os portugueses vêm com boas cartas. Talvez até fosse boa ideia começarem a pensar em aproveitar e pedir ajuda para dar uma volta completa à economia.
Volto à pergunta que fiz há semanas: pelos vistos, os meios do FEDER não estão a ser suficientes para tornar o país mais competitivo. Será que é preciso repensar toda a ajuda que se dá aos países mais pobres da Europa, para quebrar realmente o ciclo de - relativo - subdesenvolvimento?

Um último apontamento: muitas coisas estão a correr mal em Portugal, é certo. Mas ainda não temos jovens nas ruas a incendiar tudo o que lhes aparece à frente e a pegar-se com a Polícia, nem grupos de neonazis cada vez mais fortes. Alguma coisa se está a fazer bem feita, para não ter esses problemas sociais gravíssimos, que afligem os franceses, os gregos e os alemães, entre outros.

5 comentários:

pedro panarra disse...

Helena, os apoios nunca tornaram ninguém rico. Portugal acumula políticas erradas. A política de obras públicas, a partir de 1996/97,generalizando e simplificando é um erro. Quando já temos uma boa rede viária, o único efeito multiplicativo é o dos juros.
Portugal tem um grave problema de "competitividade". Sem o combater não prospera. Tudo o resto é fantasia. Os apoios são em parte mal gastos. Cada país tem de ter uma estratégia para estar no euro, com políticas próprias e diferentes dos outros. Portugal não teve. Vive da preguiça política.

Helena Araújo disse...

Olhe, Pedro, eu sobre isso só falo na presença do meu "ladrões de bicicletas". Os rapazes sabem umas coisas que eu não sei, e vão muito além da meia dúzia de ideias de senso comum que eu tenho.

Os apoios foram fundamentais para uma série de investimentos estruturais: estradas (há vinte e poucos anos, a autoeestrada Porto Lisboa tinha praí uns 30 km! a gente olha para trás e nem acredita) e outras infraestruturas, hospitais, universidades. Equipamentos de atracção e retenção no interior do país.
Etc.
OK, podemos dizer que há estradas e estádios a mais. Mas muita coisa se fez nesse aspecto que foi fundamental.
Sim, Portugal tem um grave problema de competitividade. E como o pode combater?
Mais: não é o único país com esse problema. Até a Alemanha começa a achar que tem de se levantar mais cedo para poder competir com a China e a Índia.

Pode haver preguiça política, políticas de clientelismo, tudo. Mas parece-me que o problema estrutural é outro, e não é apenas português. Por isso dizia que talvez seja boa ideia revermos toda a política europeia de desenvolvimento das regiões (dos países) com menos competitividade. Para bem de todos, diga-se de passagem.
É preciso fazer muito mais que umas estradas, proteger a orla litoral (um trabalho excelente!), e dar uns cursos de formação.

E parece-me injusto dizer que Portugal não teve uma estratégia. É esquecer todo o esforço feito nas energias verdes, ou na aposta no futuro de que é símbolo o Magalhães a preços acessíveis para todas as crianças.

António P. disse...

Boa noite Helena,
Como sabe não sei alemão.
Mas no documentário sobre Portugal percebi o que disse Luis Campos e Cunha :
" Se eu tivesse ficado como ministro isto não tinha acontecido" :))
Um vaidosão despeitado é o que o Sr. é.
Tirando isso :
- Um país que tem a Guiness e poetas e músicos, como a Irlanda, há de dar a volta;
- E nós como ainda temos sangue celta e alguns poetas mais uns bons jogadores da bola ( que a Irlanda não tem ) também.
Quanto à famosa competitividade diria que o Estado não se renovou e nos sectores que o fez não conseguiu emagrecer...mas o mesmo não se aplica à maioria das empresas privadas.
A questão é que os nossos problemas ( e dos restantes, incluindo a Alemanha ) têm se ser resolvidos, como diz, na ( com e pela ) Europa, que se é uma união monetária e onde as pessoas e os bens circulam livremnete ainda não conseguiu uma estratégia política comum.
E os alemães que se desenganem se pensam que vivem numa ilha isolada.

Quanto ao sucesso da greve deixe-me rir. O sindicalismo português está podre de velho. Não se renova. É também parte do problema e não da solução.

Beijos

Helena Araújo disse...

Pois, António, essa parte foi muito engraçada. A tradução foi: "se o Governo tivesse tomado medidas há um ano, este pacote de austeridade só teria metade da dimensão que tem".
Falar é fácil.
Há um ano, se não estou enganada, andavam a salvar Bancos. E não era só em Portugal.

Eu acredito que todos hão-de dar a volta. E não é desta que Portugal vai ao fundo - afinal de contas, já está mal desde a batalha de São Mamede... A gente lê relatos da situação portuguesa no séc. XIX, ou XVIII, ou mais ó pra trás, e é sempre a mesma coisa, ou pior. E sim, temos jogadores de futebol fantásticos. Além de jovens adultos muito capazes e completamente subaproveitados.

Sobre o Estado, não sei.
Sobre as empresas privadas, sei que as há assim e assado. Uma parte importante das exportações portuguesas reside em sectores tradicionais que já não sobrevivem na Europa. Por muito que as empresas se esforcem, não têm como competir com o leste da Europa e a Ásia. Ou até o norte de África.
(Há aqui um produtor de roupa interior que faz publicidade do tipo "comprar cuecas da minha fábrica é dar emprego a 900 alemães". Lembra o estertor de um moribundo.)

Pois é, a Europa está cada vez mais longe de uma estratégia política comum. Falta-lhe o arrojo dos primeiros visionários, e sobra-lhe em assimetrias de poder, arrogância de uns e desconfiança de outros. Temo que a Europa esteja a atravessar uma fase terrível, da qual não sei se conseguirá sair com força renovada. Por outro lado, os alemães nunca se imaginaram numa ilha isolada. O que começa a criar-se é a ideia de que os contribuintes alemães são sempre chamados a pagar pelos erros dos outros. É verdade que os políticos passam a vida a explicar que não é bem assim, mas a mensagem passa com muita dificuldade.

Por outro lado, começo a desconfiar que o Euro tem consequências fatais para os países do sul da Europa, e que é preciso repensar todo o sistema. Tem lido os Ladrões de Bicicletas?

Quanto ao sucesso da greve: e eu que sei? O noticiário que vi mostrava uma Lisboa parada, e dizia que era a maior greve geral dos últimos vinte anos.
Mas é verdade, sim senhor, que o sindicalismo (e não só o português) tem de se reinventar.

Cristina Torrão disse...

No site da ZDF, um artigo com o título "Portugal: Armenhaus Europa" (http://www.heute.de/ZDFheute/inhalt/30/0,3672,8132414,00.html), lê-se que a Comissão Europeia apurou que o problema da baixa produtividade portuguesa reside na falta de formação de grandes partes da sociedade portuguesa.

E eu concordo. Em Portugal, não se aprendem profissões. Ou se consegue tirar um curso superior (mesmo correndo o risco de não arranjar um emprego condizente), ou se desiste do liceu a meio e se tenta trabalhar em algum sítio, onde se vai aprendendo. Não existem carpinteiros, electricistas, mecânicos, etc., etc. formados. Só existem "jeitosos", que lá vão aprendendo à medida que trabalham.

E, depois, qualquer um pode fundar uma firma. Em Trás-os-Montes (a origem da minha família pelo lado paterno) há um familiar meu que tem uma firma de construção, constrói casas e prédios, porque esteve 11 anos na Suíça a trolha! Nunca tirou nenhum curso, desconfio que nem chegou a acabar o liceu. Impensável na Alemanha, só com o título de "Meister" se pode fundar uma empresa.

Portugal tem que investir no ensino profissional, um investimento a médio/longo prazo. Se o tivessem feito em meados dos anos oitenta (quando o país entrou na CEE) os resultados já se fariam agora sentir.