12 novembro 2010
Hans-Dietrich Genscher
(A foto foi tirada desta notícia, em alemão)
Ontem ligámos a televisão para ver o noticiário das dez, mas estava atrasado por causa da cerimónia do Bambi. Sorte a nossa: o último premiado da noite, com o Millennium-Bambi, era Hans-Dietrich Genscher, o ministro dos negócios estrangeiros alemão na altura da queda do muro.
A laudatio foi feita pelo actual MNE, Westerwelle. Muito elogiosa, como se previa.
Depois veio Genscher, que começou por gracejar que um bom elogio fúnebre não vale nada em comparação com meia dúzia de palavras simpáticas em vida, e continuou com um discurso formidável sobre o que se passou nesta região há mais de vinte anos, lembrando que:
- Os refugiados na embaixada de Praga à espera da autorização para virem para a Alemanha Ocidental estavam acompanhados pelas populações dos países da área de influência da URSS, unidos por um profundo sentimento de solidariedade, pois sabiam que também a sua História poderia mudar;
- Nenhum povo teria sido capaz de conseguir esta mudança sozinho - veja-se a RDA em 1953, a Hungria em 56, a Checoslováquia em 68, ou a Polónia nos anos 80. "Nunca, na sua História, estiveram os europeus tão unidos na sua esperança, nos seus desejos, na sua ânsia, como naquelas extraordinárias semanas de 1989. Não podemos esquecer isto."
- O muro caiu porque foi empurrado pelas pessoas que estavam do lado de lá;
- Há pouco mais de vinte anos havia dos dois lados da Alemanha armas apontadas contra o outro lado, enquanto que hoje se conversa com a Rússia sobre um sistema de defesa comum. Se não fosse por mais nada, este simples facto já teria bastado para dizer que o esforço de construir a Europa valeu inteiramente a pena.
No final, afirmou ainda:
- Não se esqueçam nunca: a Europa é o futuro de todos nós, e não temos outro!
***
A sala aplaudiu com entusiasmo, e eu pensava na sorte que é ter ainda entre nós pessoas que fizeram alguns dos momentos mais brilhantes da História do séc. XX.
Depois o Genscher saiu do palco, e a Sarah Jessica Parker, a apresentadora, veio encerrar a festa. Foi um contraste muito estranho.
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10 comentários:
Fizeste-me rir com a última frase. A gente a ler um texto sobre um dos mais importantes acontecimentos do século XX e, chegados ao fim, forma-se a imagem da actriz do Sexo e a Cidade na nossa mente. O contraste de que falas foi muito bem transposto para o texto, se bem que haverá quem não ache contraste nenhum alegando que a primeira coisa que o povo do lado de lá fez, depois de derrubar o muro, foi ir às compras.
@maria n. :D
É um prazer muito grande ler estes seus textos. Ainda para mais quando há 20 anos, embora por pouco tempo, andei por esses lados.
:)))
Maria N: ah,ah,ah!
Maria N., há vinte anos ouvi o arcebispo de Paris, Lustiger, dizer algo semelhante: "o muro caiu não devido a Cristo, mas à Coca-Cola".
No entretanto, depois de ter vivido alguns anos numa parte da antiga RDA, penso que essas afirmações são injustas.
O que eu vi: dez, quinze anos depois da queda do muro ainda não tinham os tiques de marcas e de fixação no consumo que existe na parte ocidental do país.
Acredito que as pessoas não queriam Coca-Cola ou calças de ganga, ou bananas. Queriam mais Democracia.
E ao desenrolar pacífico desse processo não foram alheias as orações para a Paz, que começaram numa igreja em Leipzig (se fosse hoje, era isto que eu teria dito ao Lustiger).
Do que eu conheço dos antigos habitantes de Leste, creio que eles teriam ficado ainda mais chocados que eu com aquele contraste na sequência Genscher - Sarah Jessica Parker. Porque estão a anos luz da futilidade oca de Sex and the City.
Espero que este comentário sério (também ele em contraste com a piada do teu comentário) não pareça agressivo. Precisava de o fazer, porque me incomoda o pouco respeito com que se fala dos "Ossis". Eles não merecem isso. Ganharam Democracia, mas perderam o seu país, passaram a ser uma espécie de cidadãos de segunda, e foram invadidos por uma onda terrível de capitalismo.
Boa noite Helena,
A mim parece-me que no leste houve sempre um sofreguidão pelo consumo que era o índice de todos os bens, incluindo a liberdade. As pessoas cresceram a ver a televisão ocidental sem poderem ter as coisas como uma criança pobre que anseia durante anos chegar ao que os primos ricos têm. Parece-me que as duas dimensões andaram sempre a par.Perderam o seu estado não perderam o seu o seu país.
Agora há uma coisa curiosa no estereótipo ocidental sobre as mulheres do leste que pela minha experiência (exígua, evidentemente) é verdadeira e não tenho como explicar: há uma ingenuidade tocante e surpreendente que não se encontra numa mulher alemã ocidental (nem nas outras, a meu ver).Uma experiência pessoal é apenas isso, mas intui-se uma diferença que tem que ver com o que se viveu e o de onde se vem.
Pedro
Olá Pedro,
sobre a sofreguidão pelo consumo que terá havido no Leste não vou dizer nada. Não sei.
O que eu própria vi em todos os habitantes de Leste que conheci doze anos após a queda do muro (morei cinco anos em Weimar) foi um estilo de vida surpreendentemente simples, uma incrível disponibilidade para ajudar no que for preciso, a naturalidade e a espontaneidade. Mais de uma década após a reunificação, a felicidade daquela gente não passava pelo consumo. Pelo contrário: faziam uma certa gala de "não consumo".
Infelizmente, estas coisas mudam muito depressa, mas, mesmo assim, caso algum dia tenha oportunidade, vá ver a corrida de "carrinhos de rolamentos" no dia 1 de Maio em Weimar. Ou compare a roupa dos miúdos num infantário ocidental e num de leste.
Quanto a perder o Estado ou o país: qual é, para si, a diferença?
A reunificação foi, na prática, uma invasão cultural e económica. De um dia para o outro (concretamente: após o fim de semana da introdução do marco alemão na RDA) os produtos da RDA desapareceram para dar lugar aos da RFA - um amigo meu comentou que naquela segunda-feira sentiu que tinha acordado num país diferente; idem para a estrutura económica - as fábricas fecharam ou foram compradas por empresas da RFA ou do estrangeiro; as lojas existentes fecharam, para dar lugar às cadeias comerciais; valores sociais que eram dados adquiridos foram reduzidos a nada (especialmente o papel da mulher e da maternidade - as creches que permitiam às mulheres trabalhar apesar de terem filhos pequenos foram simplesmente encerradas, dado que "o lugar da mãe é em casa a cuidar dos filhos"); o sistema de educação ajustou-se ao ocidental; etc.
Helena,
Li o teu comentário várias vezes e ainda não consegui perceber porque é que receias que eu veja agressividade nele. A menos que me estejas a acusar de falta de respeito para com os alemães de Leste, o que denunciaria uma leitura enviesada do que escrevi, não há qualquer motivo para me sentir agredida.
O meu comentário não é sobre as motivações de quem derrubou o muro. É sobre as associações que se fazem entre o consumo e a adesão da população, e que nós somos espontaneamente levados também a fazer por coincidências como esta, como tu fizeste quando chamaste a atenção para o contraste na sequência Genscher - Sarah Jessica Parker. Essa associação não é apenas entre consumo e Reunificação mas também sobre o contar dos acontecimentos históricos, primeiro como actos nobres e heróicos e depois como uma piada. É para aí que o meu comentário aponta.
Quanto ao que os alemães de Leste queriam; era democracia e liberdade e também ir às compras. Um dos maiores atractivos da democracia ocidental é a abundância material (para quem não a tem) e seriam sobre-humanos se não se sentissem motivados também por esse aspecto das democracias capitalistas. Acho tão errado reduzir a queda do muro ao escancarar das portas de uma loja como atribuir-lhe motivações exclusivamente nobres (e sim, o heroísmo aconteceu em Leipzig, embora seja Berlim – onde se distribuíram bananas e Coca-Cola quando Helmut Kohl apareceu na Praça Karl Marx – a cidade que é exaltada como símbolo da Reunificação).
Maria,
descobri que tenho por aqui um nervo sensível que me faz saltar quando fazem comentários do género "o que os motivou foi a Cola e os jeans".
Não diria que há falta de respeito no teu comentário, e até tinhas razão: após a queda do muro, as lojas Aldi de Berlim foram literalmente esvaziadas.
Eu é que - descobri agora - começo a ficar muito sensível às alusões ao querer consumir dessa gente. Porque o não-consumo foi o que mais me surpreendeu neles.
Berlim é um símbolo mais evidente por ter sido atravessada pelo muro. Mas também aqui havia grupos importantes que se juntavam para imaginar uma RDA diferente. Óbvio: no fundo, estariam todos a puxar para o mesmo lado.
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