O ministro dos negócios estrangeiros, Guido Westerwelle, e o seu companheiro, Michael Mronz, assinaram este registo de convivência com uma discreta cerimónia há duas semanas.
Aquela relação é conhecida há vários anos, e já em 2004 foi referida numa entrevista do Spiegel (aqui, em alemão), de que traduzo uma parte:
SPIEGEL: Herr Westerwelle, agora toda a Alemanha sabe que o presidente da SPD ama um homem. Sente-se aliviado?
Westerwelle: Talvez eu gaste menos tempo a pensar nisso que você. É que nunca escondi a minha vida, limitei-me a vivê-la sem fazer grandes discursos sobre ela. E tenciono continuar a fazer o mesmo, de futuro.
SPIEGEL: Num curto espaço de tempo apareceu várias vezes com o seu companheiro, Michael Mronz, em eventos públicos: num torneio de equitação em Aachen, numa homenagem ao novo Presidente, Horst Köhler, e no 50º aniversário de Angela Merkel. Pretendeu com isso tornar a sua relação pública?
Westerwelle: Fiz o que muitas pessoas fazem na minha situação: em vez de comparecer sózinho em determinadas ocasiões, fi-lo acompanhado. Não me parece dramático. Afinal, de que se trata?
SPIEGEL: Em todo o caso, de um outing mudo.
Westerwelle: Sou a favor de mais naturalidade no tratamento destas questões. Quero viver a minha vida como o ser humano Guido Westerwelle, também porque só tenho esta vida. Não é um ensaio geral, é a minha vida.
SPIEGEL: E não se preocupou com as consequências políticas?
Westerwelle: Não tenho como mudar isso, se a minha vida agrada ou não às pessoas. Se a minha vida atrai eleitores nas cidades e eventualmente os afasta nos meios rurais. Não sei, nunca o saberemos. Também não posso orientar a minha vida em função disso. Para mim, a minha vida é indiscutível. Vivo-a em consciência e posso dizer que nunca me esquivei.
Gosto daquela afirmação: é a minha vida, não é um ensaio geral.
Mas o que eu queria mesmo contar era isto: no país da Filosofia, do Direito e da língua exacta como uma matemática, dois homens assinam discretamente um "registo de convivência" - e o que é que aparece na primeira página dos jornais? Isto:
14 comentários:
Nessa cultura da Filossofia, do Direito e da língua exacta como uma matemática também chamaram à antiga Alemanha de Leste "República Democrática Alemã". Acho que não passa da luta normal e constante pelas palavras.
Aaah, mas isso foi culpa dos russos. Os mesmos que tinham um jornal chamado "Verdade". (hihihi)
Também achei curioso esse título nos jornais portugueses. Pensei: então eles não sabem que na Alemanha dois homens não se casam? É que, sendo quase a mesma coisa, a coisa tem outro nome.
Aliás, a Convivência Registada não será comparável à União de Facto? Ou será quase equiparável à figura jurídica do Casamento?
(Pergunto porque não sei mesmo, Helena.)
Pois é isso mesmo que eu acho muito engraçado: deram-se ao trabalho de dar nomes diferentes à coisa, e depois vem a vox populi e diz que aqueles dois homens casaram.
Pelos vistos há certos problemas que não chegam a ser problemas na vida real.
Quanto à pergunta:
- Aqui podes ver as semelhanças:
http://www.internetratgeber-recht.de/Familienrecht/frameset.htm?http://www.internetratgeber-recht.de/Familienrecht/Eheschliessung/eheschliessung_4.htm
Parece que há grandes semelhanças, mas ainda estão por fazer alguns ajustamentos a nível de direito fiscal e de segurança social. E não podem adoptar como casal, só um deles (com o consentimento do parceiro).
Obrigado. Convém uma pessoa estar informada.
Ah, estive a comparar a Convivência Registada com o Casamento.
Quanto à União de Facto: não encontrei grande coisa. Parece-me que essa figura não é muito importante do ponto de vista jurídico.
Tens aqui um estudo jurídico sobre as diferenças, mas não sei quando foi feito:
http://bgb.jura.uni-hamburg.de/agl/agl-nichtehel-lgem.htm
Em todo o caso: parece-me que o legislador só se preocupou em proteger os interesses dos filhos dos casais em união de facto. Quanto aos membros do casal, entende-se que se querem ter os seus interesses protegidos só têm de casar.
Pelo mesmo motivo se fez a Convivência Registada tão semelhante ao casamento: porque os homossexuais não tinham essa liberdade de casar.
Obrigado. És um anjo. Já tenho matéria com que me entreter.
Voltando ao Senhor Westerwelle, também gosto de quando ele diz: Também não posso orientar a minha vida em função disso. Para mim, a minha vida é indiscutível.
Estou contigo: fiquei literalmente reendida com aquela resposta: é a minha vida, não é um ensaio geral. Algo que de há um ano a esta parte tento empenhadamente não me olvidar, mas que ainda não tinha encontrado sintetisado com tanta veemência.
Paulo,
é tão elementar, que uma pessoa até se pergunta porque é que é preciso dizer.
Rita,
obrigada pelo teu e-mail privado, onde me avisas que não é SPD, é FDP.
Os liberais. Vou já trocar no texto.
(espero que o Freud, ou lá quem é que explica estas coisas, esteja a dormir)
io,
pois.
O Kundera já andou a falar disso na Insustentável Leveza, mas dizia o contrário: a nossa vida não sai do ensaio geral. A gente faz o esquisso sem oportunidade de passar a limpo.
Também gosto de ver por esse lado.
Ah, olha: acabei de escrever o post de hoje. :-)
E eu tao discretinha...(Westerwave 1 - Kundera 0. Já estou a imaginar a minha impaciência se me mandassem viver tudo outra vez. Fazia de certeza diferente só para me poupar à monotonia, mas eram uns erros novos, nao a correcçao dos passados).
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