A propósito da parábola do filho pródigo, que foi a leitura do Evangelho no domingo passado, no Jardim de Luz focou-se a perspectiva do filho mais novo, o filho pródigo, enquanto que o Religionline lembrou o filho mais velho, tantas vezes esquecido. Deixei nesse blogue um comentário que me permito alargar um pouco aqui:
1. A história do filho pródigo é o tema tratado este ano em Olinda (a parte de Taizé reservada às famílias). A peça de teatro inclui uma grande festa no final, no princípio da qual o irmão mais velho está num canto do pavilhão, de costas voltadas para a festa. Na semana em que lá estivemos, alertaram-nos para um facto curioso: alguns miúdos foram consolar o irmão mais velho, dizendo-lhe "Deixa lá, não estejas triste, o teu irmão é parvo. Eu bem sei como te sentes, em minha casa passa-se o mesmo."
2. Françoise Dolto, num livro fascinante chamado "l'Évangile au risque de la psychanalyse", fala da atitude deste irmão mais velho: aquele que se sacrifica, que aceita a "ordem natural das coisas" sem se questionar, e que quer fazer do pai um refém deste sacrifício. Uma atitude que é a antítese da liberdade humana.
Também o filho mais novo é apresentado sob uma perspectiva completamente diferente: não o estroina que leva uma vida dissoluta, mas aquele que aceita o desafio e o risco da vida, e parte à procura de si próprio.
E o pai, no meio disto? A parábola é sobre Deus, não o esqueçamos: Jesus revela-nos Deus como esse pai que aceita o risco de acabar ele próprio na miséria para não impedir um filho seu de fazer a experiência da liberdade em abundância e vertigem.
25 comentários:
Ganda post!!!
"alguns miúdos foram consolar o irmão mais velho". Muito bem! Aplausos! Aplausos!
Pelo direito ao irmão mais velho a ser criança e a ser mimado; pela libertação da sua obrigação de ser eternamente o crescido, que tem que tomar conta do mais novo; pela constatação de que ele não é sempre o culpado por tudo o que acontece ao mais novo!
Etc., etc...
:))))
Interessante essa perspectiva dos riscos. A mim essa parábola sempre tinha parecido de uma enorme injustiça.
Mas a verdade é que há quem se sinta como o filho mais velho nesta altura de crise económica: as empresas que sempre cumpriram as suas obrigações sentem-se injustiçadas pelos apoios dadas às outras.
Curioso, não?
A propósito desta temática, que me interessa bastante (quer como filho e irmão mais velho que fui e ainda sou, quer sobretudo agora que sou também Pai de um filho mais velho e de outro mais novo), relembro aqui a referência lida algures a uma alteração muito recente à inquestionabilidade da influência decisiva dos Pais na educação dos seus Filhos e, sobretudo, na constituição dos traços mais marcantes da respectiva personalidade, alteração esta que consiste, segundo os especialistas, na influência ainda maior, neste domínio, das relações recíprocas entre os Irmãos, em especial na primeira Infância.
Não me perguntem onde li isto, porque já não recordo, mas tal mudança significaria "apenas" que, mais ainda do que os nossos Pais (e a genética, enfim...), quem faz de nós o que somos seriam, sobretudo, os nossos Irmãos (os que os têm, claro)!
A propósito desta temática, que me interessa bastante (quer como filho e irmão mais velho que fui e ainda sou, quer sobretudo agora que sou também Pai de um filho mais velho e de outro mais novo), relembro aqui a referência, lida algures, a uma alteração muito recente quanto ao paradigma da influência decisiva dos Pais na educação dos seus Filhos e, sobretudo, na constituição dos traços mais marcantes da respectiva personalidade, alteração esta que consiste, segundo os especialistas, na influência ainda maior, neste domínio, das relações recíprocas entre os Irmãos, em especial na primeira Infância (o que consideram nunca ter sido devidamente tido em conta pela Psicologia).
Não me perguntem onde li isto, porque já não recordo, mas tal mudança de paradigma significaria "apenas" que, mais ainda do que os nossos Pais (mais a genética e o ambiente em que crescemos, etc.), quem faz de nós aquilo que somos seriam, sobretudo, os nossos Irmãos (os que os têm, claro)!...
Gi,
se passamos isto para o campo da economia e da crise, estamos perdidas! Mas a verdade é que os apoios não são dados às empresas por uma espécie de amor paternal, mas para impedir a entrada num ciclo gravíssimo de recessão (falências -> desemprego -> falta de confiança e falta de poder de compra -> mais falências -> etc.)
Sim, a mim também sempre me pareceu uma injustiça. Mas a Dolto mostra um elemento perverso na atitude do mais velho. Uma vida em contexto de ressentimento é uma triste vida.
Os autores do teatro em Taizé também introduziram um elemento interessante: o filho mais velho estava sempre a trabalhar, e ignorava o pai quando este lhe perguntava "como estás, meu filho?". Respondia sempre: "já fiz isto, já fiz aquilo, agora vou fazer mais isto."
Uma pessoa que não existe, perante si própria, para além da função que desempenha.
A.Castanho,
bela teoria, essa. E é bem capaz de se verificar.
Kássia,
terá alguma pedra no sapato?
;-)
A que fazia de irmão mais velho alertou os pais para essa reacção dos miúdos porque a achou preocupante. Eu, que tenho dois filhos, ouço de ambos que não sou uma mãe imparcial, e trato melhor o outro. Ai a minha paciência...
A mim, desculpa lá meter-me assim, sempre me pareceu o maior hino ao amor e ao perdão e à sua magnanimidade, justamente injusta, numa altura em que a justiça seria sempre mesquinhez. Gosto de uma moral que não se deixa deter pelo comezinho, pelo "porque é que ele há-de ter se eu trabalhei muito e não tenho", de uma justiça que ultrapassa a gestão do deve e do haver, que pensa os seus meios como meios e não como fins.
E, digo isto com a minha autoridade de irmã mais velha, culpada, responsável e injustiçada por excelência (oh, os deleites a que tiveram direito estas novas gerações).
Ainda por cima com o A. Castanho a sugerir que também eu possa ter alguma coisa a ver com os seres fantásticos que eles são!
Eu iria era consolar o pai! O mano caçula não me convence.
Borda fora, aqui, com o irmão mais velho e o que ele pensou do assunto. Há algo nesta parábola, à margem disso, que me deixa perplexa, mesmo nessa estimulante interpretação libertadora.
O mais novo, bem ou mal(versão ver as coisas do outro lado) estava verdadeiramente arrependido, contrito, dolorido do mal porventura provocado, do pecado (enfim...)cometido? A narrativa não esconde que foi só porque se viu, de repente, sem dinheiro e constatou que os jornaleiros do seu pai tinham abundância de pão e ele morria de fome, que decidiu dizer ao pai que pecara,que já não era digno de ser chamado seu filho, e que fizesse de si seu empregado.
Então como é que, seguindo a sua linha de raciocínio, e vendo-o prevalecer-se da boa fé do pai, não temos é pena do ancião por ter acreditado nele?
Pois, Antuérpia, o arrependimento do mais novo também me deixa um pouco desconfiada...
Quanto ao ancião: não te esqueças que isto é sobre o amor de Deus.
No estudo do Novo Testamento há um problema de base: saber se cada passagem é um relato fiel do que Jesus disse e fez, ou se são recados de alguns escribas para os seus leitores. Como é que se separa o trigo do joio?
Uma parte da questão é simples de resolver: se o texto te surpreende porque ultrapassa a lógica humana, o mais provável é que seja realmente um testemunho fidedigno.
Este pai é uma imagem que Jesus usa para nos explicar como é o amor de Deus. Será caso para termos pena de Deus, por acreditar em nós? Por se deixar enganar como um ingénuo?
Ora aí estão um Deus e um Amor completamente alheios à lógica humana.
Rita,
belo comentário. Às vezes desconfio que, no fundo do teu coração, és muito mais cristã que eu.
- eu disse cristã, não disse católica - não era para te ofender... ;-) -
Esta caixa de comentários ficou cheia de coisas que me dão que pensar.
Grande post, Helena.
Gi, estava agora mesmo a pensar fazer um post sobre isso.
O maior orgulho e a maior honra deste blogue são os seus leitores/comentadores.
Acho que já escreveste esse post :)
PS: Eu sou muito cristã e até um bocadinho católica, não me incomoda nada. Moralmente, eu e os cristãos só discordamos no potencial pernicioso do prazer e no valor do sofrimento (assim que me esteja a lembrar agora).
Pois é, Rita, quando se trata de elogiar os meus comentadores - e agradecer - fico um bocadinho repetitiva.
Essa do prazer, lá fora falamos. ;-)
Essa do valor do sofrimento, vou-te dizer como me dizia a minha avó: cuidado com as más companhias! Ele às vezes encontra-se cada tolo onde menos se espera!...
Eu também já não me considero Cristão, mas fui educado como Católico e muitas coisas ficaram. Sem pretender imiscuir-me na conversa "privada" entre a Helena e a Rita, sempre adiantaria a esta que o "potencial pernicioso do prazer" não se confunde com algo como "a maldade é sempre inseparável do prazer". O que me parece é que o prazer só consuma o seu potencial pernicioso naqueles casos em que é obtido à custa do pecado, o que é muito diferente.
Já quanto ao valor do sofrimento, eu diria que ele existe, sim, mas apenas se esse sofrimento é sinceramente sentido por quem o suporta como algo de redentor, ou de purificador, e não existe de facto se o sofrimento parecer desprovido de sentido e de qualquer sombra de esperança. Inútil, portanto.
Talvez as Igrejas cristãs tenham simplificado demais estes conceitos, como forma de os tornar mais acessíveis, mas perdendo assim grande parte do seu verdadeiro significado inicial. Puro facilitismo, com os resultados que, passados estes Séculos todos, parece estarem bem à vista...
Rita, epicurista? :-)
não comentei o meu post, mas este, com respectivos comentários apetece comentar:
1ª - Jesus não era nenhum moralista.
Logo, desta parábola, o importante não é retirarmos referências seja do irmão mais velho, seja do mais novo.
Se procurarmos dentro de nós encontramos traços quer de um quer de outro (haverá alguns que são dominantes).
2º - A grande mensagem da parábola é o Amor do Pai. Se o descobrirmos em nós...o resto virá por acréscimo.
não comentei o meu post, mas este, com respectivos comentários apetece comentar:
1ª - Jesus não era nenhum moralista.
Logo, desta parábola, o importante não é retirarmos referências seja do irmão mais velho, seja do mais novo.
Se procurarmos dentro de nós encontramos traços quer de um quer de outro (haverá alguns que são dominantes).
2º - A grande mensagem da parábola é o Amor do Pai. Se o descobrirmos em nós...o resto virá por acréscimo.
"Pedra no sapato"...
Evidente, não é? Sempre tive ciúmes do meu irmão, apenas 13 meses mais novo do que eu. O problema é que, na cabeça dos meus pais, havia uns 3 ou 4 anos de diferença (suspiro)!
Se a Helena ouve de ambos os seus filhos que não é uma mãe imparcial, deve ir no bom caminho. Nunca ouvi o meu irmão queixar-se de tal...
Kássia: está sempre a tempo de recuperar muito do que julga ter perdido.
Faça como eu: passe a sentir-se interiormente e a agir convictamente como se fosse a irmã mais nova. Isso a princípio vai assustá-los um pouco, mas depois eles habituam-se...
Sim, o estatuto de impunidade é assustador. Bem como o medo que existe do "nosso" lado.
E pode ser que venha a acontecer também com estes provenientes da Europa de Leste. Quem já tem pouco a perder...
É o desejo de Justiça que me leva a dizer que é preciso encontrar com eles uma solução de, como tu dizes, integração e respeito mútuo. E direi mesmo mais: respeito mútuo, para ambos os lados.
Não o medo ou uma falsa ideia de tolerância.
Declaração de interesses, Helena. Sou agnóstica. Este assunto interessa-me na sua perspectiva psicológica. Compreendo a parte do «plasma bem a via real» e até me comove...quanto ao mais, faço uma vénia e retiro-me :).
Não sei como, o meu comentário anterior veio parar aqui quando se referia a um post sobre a expulsão dos ciganos.
Antuérpia,
a vantagem das parábolas é que têm pano para mangas. Tanto da psicologia como da teologia.
Espero que este post e alguns comentários não tenham deixado um gosto algo amargo a tentativa de evangelização...
(ópramim: a tocar campainhas e a distribuir folhetos na blogosfera!)
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