Não, não se trata de gelados gratuitos.
É mesmo uma coisa séria, e passo a citar o e-mail que recebi:
Está a decorrer a nível europeu uma campanha de recolha de assinaturas pela internet, com o objectivo de defender o "Domingo como dia de descanso na Europa".
Esta campanha conta com o apoio de alguns deputados do parlamento europeu e de organizações, entre as quais: o KAB da Alemanha e o EZA. (Centro Europeu para os Assuntos dos Trabalhadores)
Pretende-se recolher 1 milhão de assinaturas para apresentar a proposta do "Domingo como dia de descanso na Europa", no Parlamento Europeu.
Quem quiser saber mais, e assinar, pode ler aqui:
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Quando, há vinte anos, vim morar para a Alemanha, as lojas fechavam às 18:30 (excepto às quintas-feiras, 20:00), e aos sábados fechavam às 14:00 (excepto no primeiro sábado de cada mês, que fechavam mais tarde - se bem me lembro, às 18:00). Obviamente que isto eram horários muito pesados para quem trabalhava, embora, de um modo geral, as pessoas entrassem entre as 7 e as 8 da manhã, e saíssem sete ou oito exactas horas mais tarde, mais uns quinze minutitos para o intervalo do almoço.
Era uma sociedade em que não havia ainda o hábito das horas extraordinárias, e em que boa parte das mulheres estava em casa a cuidar da família.
Vinda do país das grandes superfícies comerciais e do shopping como programa cultural de domingo, surpreendeu-me encontrar um povo que conseguia organizar o seu tempo para fazer as compras dentro de horários muito limitados, e com programas simples para o tempo livre: fazer passeios de bicicleta ou a pé, procurar cogumelos na floresta no Outono e organizar com os amigos aventuras de canoa na Primavera, recolher com os filhos "tesouros" no parque para construir mobiles, fazer bolachinhas caseiras para oferecer, etc.
Nos últimos anos, muito se tem alterado: as lojas abrem mais cedo e fecham muito mais tarde, começa a haver regularmente domingos em que o comércio está aberto, começa a haver supermercados abertos 24 horas. Descobriu-se que ao domingo as pessoas estão mais predispostas a gastar dinheiro. E surgiram duas frentes: os comerciantes, sobretudo os grupos com mais poder, que fazem pressão para a Alemanha "se modernizar" e para "salvar a economia" ajudando as pessoas a gastar mais; os defensores de uma ordem mais humana, afirmando que nem só de compras e economia vive o Homem, e que é preciso manter na sociedade janelas temporais comuns para convívio e descanso.
Não admira, pois, que esta iniciativa tenha surgido na Alemanha. Concordo inteiramente com a ideia. Um dia semanal sem trabalho é fundamental não apenas para as famílias, mas para fortalecer os laços sociais. Um dia em que todos estão disponíveis para se encontrarem e saborearem a amizade.
Acresce ainda a minha história pessoal: o que eu odiava os fins de semana em que o Joachim fazia urgências! Não desejo isso a família nenhuma. Compreendo que um bombeiro, um polícia, um médico ou um enfermeiro tenha de trabalhar ao domingo, mas não quero que criança nenhuma passe o domingo sem o pai ou sem a mãe só para eu poder comprar as minhas batatas ou o meu perfume quando muito bem me apetecer. Idem para os supermercados que nunca fecham: morreria de vergonha ao olhar para a cara daquelas pessoas que ficam acordadas a noite toda só para eu poder comprar produtos alimentares às quatro da manhã se me apetecer.
Alguns poderão rebater: e os desempregados? Não é melhor alargar os horários de abertura do comércio, de modo a criar empregos? Ou, pelo contrário: se se fecharem as lojas ao domingo, quanto desemprego se vai provocar?
Não sei. Gostava de ouvir a vossa opinião.
10 comentários:
A minha é muito céptica, mas como já tive as duas posso deitar achas para a fogueira:
Pelo teu lado - É verdade que a própria ideia do fim de semana é uma grande conquista. Que como sociedade existam dias em que a esmagadora maioria de nós nao vai estar a trabalhar é muito bonito e potencia a possibilidade de combinar saídas e actividades sociais com outras pessoas. É importantíssimo que as famílias tenham tempo em conjunto e nenhumas das soluçoes que podiam apresentar aos trabalhadores sao satisfatórias: as folgas noutro dia da semana, aliás nem necessariamente seguidas, nao cumprem a mesma funçao - eles nao podem estar com a família e os seus amigos se calhar estao a trabalhar também. Por outro lado se as folgas nao forem seguidas eles nao descansam realmente e o descanso nao é só um direito como uma obrigaçao do trabalhador, pelo menos nas empresas inteligentes. Pagarem-lhes mais pelo domingo, como se fazia em Portugal, também nao é soluçao: quando isso se tornar norma, os cálculos começam a incluir este extra e os salários começam a baixar para o acomodar. Também é verdade que à partida, especialmente tendo o sábado todo, ninguém precisa de fazer compras ao domingo e que a maioria das pessoas que defendem esta opçao trabalham em empresas que nunca vao passar a estar abertas ao fim de semana, pelo que a afirmaçao tem um grande egoísmo, é no fundo um "sim, acho que os outros devem poder trabalhar para mim ao fim de semana".
há um mês ou dois falou-se um bocadinho nisso em portugal, por causa do alargamento do horário das grandes superfícies comerciais ao domingo (até agora só abrem até às 13h). não sei como é que ficou porque deixei de acompanhar, mas lembro-me que na altura alguém (da associação de comerciantes do porto? já não sei) comparou o aumento dos horários dos estabelecimentos comerciais e da sua superfície com o aumento do número de postos de trabalho de maneira a destruir o tal argumento do aumento/diminuição dos postos de trabalho. na realidade, estes alargamentos de horário não se traduzem em mais emprego. quem lá trabalha é que acaba por trabalhar mais.
acho bem que tudo feche ao domingo. na suécia as lojas fecham cedo (18h nos dias de semana e 16h aos fins-de-semana) e só alguns supermercados é que abrem todos os dias da semana. não se morre de fome por isso. admito que estranhei ao princípio, mas nunca me complicou muito a vida.
E o lado contrário - A Alemanha, claramente, só funciona porque está cheia de donas de casa. De contrário, se sempre que alguém tivesse de ir resolver alguma coisa nao viesse trabalhar (como de resto é o seu direito) ou tirasse férias para ir às compras, a economia endoidecia. Haverá alguma justiça no facto de trabalharmos todos ao mesmo tempo, mas nao deixa de fazer pouco sentido. E se os restaurantes, como numa anedota que inventei quando era miúda, fechassem mesmo para o almoço, para o pessoal nao comer a horas desreguladas? Os supermercados deviam mesmo estar abertos as 8 horas diárias que toda a gente está a trabalhar, ou se calhar para os reformados, as donas de casa, os desempregados e os estudantes chegavam 4? Os horários dos serviços nao deviam estar adaptados aos utentes dos serviços? Ou de outra forma: porque têm os padeiros de estar acordados a noite toda, nao teria o pao feito na tarde anterior frescura semelhante? As pessoas precisam mesmo todas de meter gasolina a meio da noite? Porque é que isso é um serviço essencial?
Por outro lado, também há perspectivas e perspectivas, também do lado dos trabalhadores. A mim nada me delicia como um dia de férias a meio da semana, poder gozar a cidade como o fazia quando era estudante, por isso de vez em quando tiro. Já tive empregos onde era normal trabalhar só um dia do fim de semana e escolher o outro e só pensava - que luxo! E se tivesse filhos, passasse com eles bem passado um dia de fim de semana e pudesse gastar a sexta ou a segunda comigo - que luxo! (acho que a minha mae trocava já)
E as pessoas nocturnas, que odeiam levantar-se da manha e nunca adormecem antes das duas - nao podiam ter horários mais flexíveis, nao seriam mais felizes e produtivas?
Eu confesso que o dia em que o supermercado do bairro passou a abrir até às dez, a minha vida ficou enormemente facilitada (e, já tendo passado pelas duas situaçoes enquanto trabalhadora, nao jantar com a família é muito mais deprimente do que ter só meio fim de semana).
EM RESUMO: a situaçao terá de ser sempre a regulaçao. Nao acho que se tenha de proteger artificialmente as pessoas dde dedicarem o domingo ao consumo, pelo que só falei da perspectiva do trabalhador e da do consumidor. A razao pela qual nao me fico logo pela liberdade e pela flexibilidade, a bem dos serviços e dos trabalhadores que a escolherem, é porque, estando o poder só de um dos lados, está claro que o que os trabalhadores têm é a liberdade de concordar com o patrao. A minha soluçao preferida é bastante mais radical (semanas de 4 dias para todos, por norma o fim de semana e outro móvel, mas passível de ser alterado para um do fds e dois móveis, com um mínimo por mês ou ano de fds inteiros - menos desemprego, mais produtividade devido a todos estarem mais descansados e terem tempo para tratar de tudo, adultos com tempo para fazerem o que lhes apetece, etc), mas nao me parece que esteja próxima.
Mas acho que o caminho é esse: a reduçao progressiva das horas de trabalho, para todos, e a regulaçao dos dias de folga semanal de uma forma aceitável para todos. Há quantos anos estagnamos nas 40?
(e só porque consegui chegar até aqui sem mandar a boca de que esses católicos querem é que a gente vá à missa e acham que se nao vamos é porque estamos no shopping, acho que mereço um beijinho)
Já começa bem - obrigada pelas ideias que trazem para o debate!
Rita,
- Sobre a boca da missa: lá fora falamos. ;-)
- Sobre a semana de 40 horas: julgava que a tendência era para aumentar. Agora já é normal 40 horas (ou muito mais, caso seja necessário, e ai de quem piar); quando comecei a trabalhar aqui na Alemanha, o meu horário era de sete horas e doze minutos por dia. Gostava do detalhe dos doze minutos: é que cada minuto a mais entrava para uma conta de horas extras que me permitiam volta e meia tirar um dia de folga. Mas esse tempo parece que acabou.
- Sobre os horários: eu achava humano as lojas - e até as empresas - funcionarem entre, digamos, as 7 ou 8 e as 22 ou até 24, nos dias úteis, com sistemas de turnos. Isto permitiria inclusivamente que os pais acompanhassem muito mais os filhos, embora se perdessem as refeições familiares com a presença de todos (durante a semana). Mas tu vens lembrar o que custa não poder jantar com a família. Repensar, Helena, repensar. ;-)
Duas ou três achas:
1º - Penso que o Comércio deve ser livre de se expandir como quiser e bem entender, DESDE QUE a regulação estatal seja muito rígida e tenha devidamente em conta, mais do que este "direito" dos comerciantes e as (muitas vezes enviesadas, como veremos adiante) "razões" da economia, sobretudo as questões de natureza social. Ou seja: o patrãozinho quer abrir a loja 24 h por dia? E também na Noite de Natal e na Sexta-Feira Santa? Mais no 1º de Janeiro? Tudo bem, desde que pague todas as horas fora do horário normal de trabalho como EXTRAS (como é da Lei) e, mais ainda, desde que pague uma licença muito cara, para assim compensar a Sociedade pelos DANOS que a desregulação laboral impõe aos ritmos tidos por socialmente mais, por que não dizê-lo assim, rentáveis - convívio familiar adequado, refeições a horas decentes, cuidados apropriados às crianças e idosos, etc.... Porque tudo isto, quando não está devidamente assegurado, vai traduzir-se, mais tarde ou mais cedo, em GRAVES CUSTOS para a Comunidade contribuinte (os zés pagantes), nomeadamente em Consumismo (com implicações no agravamento dos défices público e PRIVADO), em Hospitais, em Polícias, em Prisões... E estes custos (indirectos e de cálculo complexo, pois é, mas bem reais!), depois, não é o sô Belmiro nem o amigo Jerónimo Martins que os vão suportar, sou eu e és tu (tenhas ou não Família e Filhos...);
2º - O falso argumento do Emprego, poeira para os olhos, rebate-se com facilidade: quanto mais emprego nos hiper-mercados abertos (se houver...), menos emprego nos Museus, nas Óperas, nos Circos, nas barraquinhas das Feiras, nas esplanadas dos Jardins, nas Piscinas, nas Termas, no "Olá fresquinho" das Praias, ou nos mini-golfes, etc., etc., e vice-versa, claro (nem é preciso saber de Economia para desmontar esta falácia, certo, Helena?);
3º - Finalmente, o mais importante: eu quero lá saber do alargamento dos horários do Comércio, se eu próprio tiver disciplina pessoal e, mesmo com eles abertos, decidir não, pôr os pés numa loja aos Domingos ponto final! Ou seja, o verdadeiro poder está nas nossas mãos, mesmo sem petições e assinaturas!
Claro que este argumento não é universal, pois esquece os que trabalham no Comércio, claro. E eu, que sofro isso na pele (a Juliana trabalha todos os Sábados e folga Domingos e Segundas, sem por isso ganhar as devidas horas extra, e até no meu dia de aniversário (24 de Dezembro) tem sempre de trabalhar até às seis da tarde, acho a petição útil e vou aderir e divulgá-la.
Parece-me uma boa ideia, as pessoas não precisam de horários de comércio tão alargados, mas acho que gostam muito, caso contrário as lojas venderiam pouco e não haveria interesse dos patrões em ter as lojas tanto tempo abertas.
jj.amarante - O problema, pelos vistos, é que as pessoas ao domingo estão mesmo mais predispostas a gastar dinheiro. Talvez por estarem mais bem dispostas e com menos stress?
Por isso é que há tanta pressão aqui na Alemanha para abrir ao domingo.
A.Castanho - Essa de trabalhar até às seis da tarde no dia 24 de Dezembro lembra-me uma frase alemã "o Natal chega sempre de forma tão inesperada..."
Não é uma data móvel. É conhecido com a devida antecedência. Porque é que as pessoas não se conseguem organizar para comprar as suas prendinhas nos meses precedentes? Porque é que tem de ser às 6 da tarde do dia da Consoada?
Os vendedores também têm família, e não há dinheiro que pague a perda desses momentos tão especiais.
Escusado será dizer que no dia 24 as lojas alemãs fecham às duas da tarde, e que até estão bastante vazias, porque as pessoas já estão na fase seguinte: passear na floresta ou no parque com os filhos, preparar a festa, ir à igreja ver o presépio vivo...
(Ou, lembrando o relato precioso de um blogger, no ano passado: a ir ao lar buscar a avó que tem Alzheimer, para ela passar o Natal em família)
Para mim, não é só a lógica do comércio, dos trabalhadores e dos salários. É antes de mais a questão do rumo que queremos dar à nossa sociedade.
Reconheci-me na primeira parte do teu post, pois estou na Alemanha há 18 anos e, no início, também estranhei os horários rígidos do comércio. Este estranhar tinha precisamente a ver por vir do "país das grandes superfícies comerciais e do shopping como programa cultural de domingo". Porque nessa altura (início dos anos 90) estava tudo aberto ao domingo em Portugal, situação que se modificou alguns anos mais tarde. Agora, pelos vistos, regressa-se "às origens"!
De resto, concordo com a purpurina: "estes alargamentos de horário não se traduzem em mais emprego, quem lá trabalha é que acaba por trabalhar mais". Infelizmente, é assim na maior parte dos casos.
E, sim, acho que é importante as mães ficarem em casa com as crianças. Em geral, estas ficam mais calmas, mais tolerantes e mais bem comportadas. Durante alguns anos dei aulas de Português a crianças portuguesas de Hamburgo (escola primária). Os pais trabalhavam todo o dia, os rebentos passavam-no no Kindergarten... E eram quase impossíveis de aturar (irrequietos, agressivos, preguiçosos, malcriados)...
O facto de as mulheres ficarem em casa, enquanto os homens sustentam a família, não implica a inferioridade e a subjugação da mulher. É uma questão de divisão de tarefas (e, na Alemanha há a possibilidade de se inverterem os papéis). Porque educar bem um filho é tanto, ou mais importante, que construir o prédio mais alto ou a ponte maior do mundo.
Kássia,
sobre as mães ficarem em casa, estou mais capaz de concordar que cada família decida livremente o que acha melhor.
Tenho amigos que trabalham a horas desencontradas, para o filho passar tão pouco tempo quanto possível na creche.
Os meus ficavam numa creche, e era óptimo para mim: ia descansar para o trabalho...
Nessa altura, as pessoas costumavam achar os meus filhos muito bem educados. Amorosos, e tal. Estou convencida que aprenderam imenso no grupinho da creche, e lhes fez muito bem.
Talvez esse comportamento dos miúdos não tenha apenas a ver com a creche, mas com o ambiente familiar.
Sim, não há dúvida que o ambiente familiar é o mais importante. Os pais dessas crianças que conheci nessa minha experiência de professora primária andavam realmente muito stressados, obcecados com a ideia de ganhar muito dinheiro para, um dia, poderem regressar a Portugal, gozando os rendimentos ou uma reforma choruda.
Infelizmente, esquecem-se que, nessa altura, os filhos já são grandes e os traumas de infância, muitas vezes, irreparáveis. Para não falar dos conflitos familiares provocados pelo facto de os filhos quererem ficar na Alemanha, o país que melhor conhecem.
Enfim, o eterno problema dos nossos emigrantes...
E, sim, também se pode conjugar a vida familiar com a creche, esta até pode beneficiar o desenvolvimento das crianças. Não tenho filhos, mas conheço casos.
Para tudo, há que ter "sensibilidade e bom senso" ;)
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