24 junho 2010

Chaco Culture



Today I will walk out, today everything evil will leave me, I will be as I was before, I will have a cool breeze over my body.
I will have a light body, I will be happy forever, nothing will hinder me.

I walk with beauty before me.
I walk with beauty behind me.

I walk with beauty below me.
I walk with beauty above me.

I walk with beauty around me.

My words will be beautiful.


In beauty all day long may I walk.

Through the returning seasons, may I walk.
On the trail marked with pollen may I walk.

With dew about my feet, may I walk.
With beauty before me may I walk.
With beauty behind me may I walk.
With beauty below me may I walk.

With beauty above me may I walk.

With beauty all around me may I walk.

In old age wandering on a trail of beauty, lively, may I walk.
In old age wandering on a trail of beauty, living again, may I walk.

My words will be beautiful.



Poema anasazi, no museu de Canyon de Chaco, New Mexico.

***

A etapa seguinte da nossa viagem anunciava-se muito prometedora: Chaco, no meio do deserto - combinando um riquíssimo conjunto arqueológico da cultura anasazi com um observatório astronómico.
A pesquisa por "Pueblo Bonito, NM 87037" no Google Maps, dá uma boa ideia da grandiosidade das construções.
Por estar tão longe das cidades, Chaco não tem muita poluição luminosa. Os meus guias gabavam-lhe o céu nocturno: um céu de breu sobre o deserto, que permite, mesmo à vista desarmada, saborear as estrelas deslumbrantes e a Via Láctea, que vem ao nosso encontro como se fosse um destino.
Organizámos a viagem de modo a poder participar no Night Sky Program, cheios de expectativa sobre o que prometia ser um ponto alto nas nossas férias já tão cheias de superlativos. Há alguns anos tivemos a sorte de poder ver a lua num telescópio potente, e ficámos encantados com a imagem daquele sossego que quase podíamos tocar com as mãos. Imaginávamos que de Chaco poderíamos ir a Andrómeda, repousar em Júpiter...

Por aquela altura da nossa rota do Sudoeste, já tínhamos muita prática: levantar arraiais bem cedo, partir o mais depressa possível, tentar estar entre os primeiros a entrar no parque de campismo seguinte: first come, first serve. No caso de Chaco era ainda mais importante, porque sabíamos que o hotel mais próximo ficava a hora e meia de caminho.

E assim fizemos. Ao princípio da manhã dissemos adeus a Mesa Verde e partimos em direcção ao sul, para o que se anunciava como uma viagem de 160 milhas, 3 horas. A paisagem árida era interrompida por estranhos oásis muito viçosos. Tínhamos visto esse fenómeno do avião: enormes círculos verdes no meio da paisagem seca - o milagre da irrigação. Milagre, ou desvario? Que sentido faz transportar a água por centenas de quilómetros para ter plantações no deserto? Ou, pensando a uma escala global: o que está a correr mal no nosso planeta, para nos EUA se irrigar o deserto, enquanto os campos tão férteis do nosso Minho estão cada vez mais abandonados?



A última parte do percurso foi feita a passo de caracol: a estrada de acesso ao canyon está propositadamente em muito mau estado, para evitar avalanches de turistas. A investigação e a exploração deste centro, classificado como Património da Humanidade, colidem com os interesses de várias tribos de índios, para as quais estes locais são sagrados: a eles regressam ainda hoje para orar e honrar os espíritos dos antepassados. A solução encontrada em conjunto pela administração do parque e pela população indígena foi manter péssimas acessibilidades, e lembrar repetidamente aos visitantes que devem respeitar o espírito do local.

Passámos o parque de campismo ("Olhem, está vazio! Óptimo! Chegámos antes dos outros!) e dirigimo-nos ao centro de informações e pequeno núcleo museológico. Aí, o balde de água fria: o parque de campismo estava fechado, porque ao fazer obras de modernização descobriram vestígios arqueológicos que obrigaram a adiar sine die a reabertura. "E agora?", perguntámos nós, desconsolados, sabendo bem que a localidade mais próxima ficava a hora e meia de viagem. "Bem, podem ficar num parque de campismo privado, aqui perto", respondeu uma das funcionárias do parque, e foi buscar a proprietária: era uma ranger navajo, com uma longa trança preta e brincos de turquesa lindíssimos. Disse que sim, que podíamos ficar junto aos hogan da sua família, e avisou que era tudo muito primitivo.
Resolvido esse problema, partimos a pé, sob um sol inclemente, à descoberta dos vestígios arqueológicos. "Respeite estes lugares sagrados, leve muita água, e tenha cuidado com as cascavéis", dizia o nosso folheto. Ai.

A construção das casas grandes de Chaco foi planeada com notável precisão. Não apenas a orientação, segundo os pontos cardeais e as movimentações dos astros, mas também a própria engenharia: a construção das divisões no rés-do-chão tinha já em conta o que se tencionava construir no terceiro andar. Isto leva-me a desconfiar que terá havido ali dedo de alemão. Espantem-se... Já não seria a primeira vez na História: também o "rei de Stonehenge" era alemão, ou talvez austríaco. A minha teoria é reforçada pela tradição oral dos navajo, segundo a qual Chaco foi criado pelo Great Gambler, que veio do Sul, escravizou os povos dos pueblos e os obrigou a construir aqueles complexos segundo planos extremamente detalhados, antes de ser vencido e expulso. Se isto não é um caso de austríaco, talvez alemão...
E mais uma prova: o mistério das tumbas em Pueblo Bonito, onde se encontraram em lugar de destaque esqueletos de pessoas muito mais altas que os índios da região. Ora aí está: noves fora, nada.
E eis como, num momento de intuição de raro alcance, ofereço um contributo indispensável à compreensão dos mistérios da Chaco Culture. Bem me podiam dar uma medalhinha. A mim, e às vacas de Mesa Verde e de Bryce Canyon.

Findo o intervalinho para café, vou tentar agora fazer uma descrição fidedigna: as construções no canyon de Chaco foram erguidas entre 850 e 1150. Trata-se de vários complexos de casas construídas em semicírculo, desenhadas com grande rigor geométrico e extensos conhecimentos de astronomia. Os conjuntos maiores tinham mais de quinhentas divisões, e chegavam aos três andares. Também as kivas eram extraordinariamente grandes, algumas das quais com capacidade para albergar centenas de pessoas. Era o centro religioso, comercial e administrativo de uma vasta região. Não tinha muitos habitantes permanentes, mas atraía inúmeros visitantes.
A guia que nos mostrou Pueblo Bonito, um dos conjuntos mais bem conservados, comparou Chaco a Las Vegas. Eu teria dito Santiago de Compostela, mas ela era uma jovem americana - que saberá das rotas medievais europeias? E num ponto a sua comparação é perfeita: um lugar no meio do deserto, onde não havia absolutamente nada, e foi construído um centro que exerce um profundo fascínio sobre povos longínquos.
Calcula-se que para construir as casas tenha sido necessário abater mais de 200.000 árvores. Os construtores iam cortá-las às florestas, a mais de 70 quilómetros de distância, cortavam-lhes os ramos, deixavam secar os troncos para se tornarem mais leves, e arrastavam-nos até Chaco, pois não conheciam ainda a roda.


Por algum estranho motivo, algumas das "casas grandes" foram construídas junto a enormes rochedos que ameaçavam cair sobre elas. Pueblo Bonito, por exemplo, estava no sopé da Threatening Rock. Para evitar a erosão, os anasazi construíram plataformas e apoios na sua base. Também colocavam pahos (varetas de oração) na fenda entre a rocha e a escarpa. Em Janeiro de 1941, após um ano de muita chuva, a pedra abateu-se sobre as ruínas, destruindo mais de 30 compartimentos.





A fotografia a preto e branco foi feita nos anos 30, e tirada de um artigo que analisava o risco e apresentava propostas para o reduzir. Nas duas fotografias seguintes, vêem-se os fragmentos caídos sobre os edifícios.










Nas paredes do canyon há inúmeros petróglifos, ou, como lhes chamam os hopi: tutuveni - marcas dos que vieram antes. Alguns são de um tipo muito raro, por combinarem na mesma figura várias técnicas diferentes.






A espiral é um dos símbolos recorrentes (seriam os anasazi umbiguistas?). Mas também se vêem animais e figuras humanas, homens a cavalo - registo da chegada dos espanhóis -, e até um comboio. E, infelizmente, sinais dos visitantes de tempos mais modernos: um tal de Henri e um Mark B passaram por ali, e em 1887 um comerciante deixou indicações para a sua loja, a duas milhas down canyon.

***

A navajo tinha dito "vão de carro nesta direcção, antes de chegarem a um wash virem à esquerda, e continuem durante cerca de vinte minutos. Depois de passarem a terceira colina, virem outra vez à esquerda".
Um wash?! Talvez se referisse ao leito seco de um aluvião. Virámos à esquerda, e seguimos a corta-mato, enquanto nos interrogávamos se não teria sido melhor ideia ir para o tal hotel, mais longe, mas por estrada e com sinalização. Afinal, tudo correu bem: ao fim de meia hora encontrámos o parque de campismo: dois hogans, uma "casinha" (sim, isso mesmo: a uns vinte metros do hogan principal havia uma casinha no meio do terreno, que era suposto ser a nossa casa de banho - decidi logo ali que ia passar umas doze horas sem precisar), e um monte de ferro velho a fazer de mesas, cadeiras e protecção do vento. Tudo com um aspecto desolado.










À nossa volta estendia-se o planalto raso e sem uma única árvore, sobre nós um céu desmedido. Ao fim da tarde levantou-se uma ventania terrível, e nós olhávamos desorientados para aquela paisagem exposta, sem nada que travasse a poeira que remoinhava no ar e nos batia com fúria.
Resolvemos regressar ao centro de informação de Chaco e preparar lá o nosso jantar, protegidos do mau tempo pelas muralhas do canyon, enquanto esperávamos pelo Night Sky Program.


Mais uma vez havia belas mesas para piqueniques, mas não tinham pias para lavar a louça. Apesar do letreiro "não lave a louça aqui", usámos o lavatório da casa de banho. Por causa da má consciência, deixámos tudo ainda mais limpo do que tínhamos encontrado. No céu, as nuvens estavam cada vez mais densas. Então, e Júpiter? E Andrómeda? Deixaram-nos ver um bocadinho da lua num telescópio móvel, mostraram-nos fotografias excelentes feitas naquele observatório, contaram-nos meia dúzia de histórias, e depois boa noite, adeus, voltem sempre.
Aproveitámos a casa de banho do centro, último reduto da civilização, para lavar os dentes e fazer os despejos para as doze horas seguintes, e voltámos tristonhos para o nosso parque de campismo no meio do ferro-velho.
Na manhã seguinte não havia vento, não havia nuvens, e a casinha (sim: quem aguenta doze horas?) revelou-se uma boa surpresa: com uma plataforma forrada a linóleo e um buraco no centro, tudo muito asseado, e sem cheiros. Quem diria.

Fui ter com a proprietária, para que nos indicasse a direcção para Canyon de Chelly. Encontrei-a em frente ao seu hogan. Tinha a longa trança e os seus belíssimos brincos de turquesa e prata, e estava de pé, muito direita e concentrada em algo que se passava no horizonte - o arquétipo de um vigia índio. Olhei também: nada, apenas a planície. Ela explicou-me: "Vê aquela nuvem de pó? É o carro das pessoas que saíram daqui há pouco. Estou a ver se viram no sítio certo e encontram a estrada sem problemas."


Também nós encontrámos o nosso caminho sem problemas.
Virámos costas a Chaco fartos de campismo, vento, pó, casinhas, nuvens que tapam estrelas, falta de água e de conforto. Tão desalentados, que chegámos a comentar maldosamente: na altura em que estes andavam a arrastar árvores por mais de 70 quilómetros, na Europa estavam a começar a construir a catedral de Estrasburgo...
Partimos rumo a Canyon de Chelley, ansiosos por um hotel com duche e restaurante.

5 comentários:

Rita Maria disse...

Entretanto o relatório é tao interessante que eu quase me esquecia: que poema tao bonito, identifiquei-me tanto. Acho que vou dizê-lo e levar comigo quando for correr de manha.

PS: Ah, obrigada pelo destaque lá de cima. Eu pensei logo que se pusesse um missionário meio despido tu nao resistias.

Helena Araújo disse...

:-)

Também fiquei fascinada quando o vi (o poema)

Ai aquele rapaz é missionário? Adoro essa gente que dá o corpo ao manifesto por aquilo em que acredita... ;-)

Paulo disse...

A despropósito do excelente post:
Também há uns calendários com fotos de padres no Vaticano, todos eles a darem para o jovem e esbelto, só que vestidos. Lá chegaremos, talvez.

Helena Araújo disse...

Paulo,
:-) - Obrigada pelo elogio.

;-) - Por mim, podem continuar vestidos. Quando se trata da minha Fé, e se estamos a falar a sério, fiquem vestidos e fora dos calendários.

Rita,
os missionários mormon têm de ser celibatários? monogâmicos, ao menos?

Rita Maria disse...

Nos dois anos em que sao missionários, nao podem nem estar sozinhos com uma mulher, as regras sao rigorosíssimas (podem telefonar para casa uma vez no ano e devem escrever todas as semanas, necessariamente em papel - mesmo que alguém morra nao podem ir ao funeral nem telefonar). Mas a maioria (uma maioria dos jovens entre o fim do liceu e o fim da faculdade cumpre uma missao) tem recordaçoes muito positivas da experiência.

PS: Suponho que o calendário dos rapazes mormons tenha sido feito depois do seu regresso.