21 maio 2010

serviço público: o risco das vendas a descoberto explicado em palavras simples

O diário berlinense que costumo ler explicava ontem porque é necessário proibir rapidamente as vendas vazias a descoberto (naked short selling). Googleei uns minutos em português, e muitos davam a notícia da proibição (aqui, por exemplo) mas nenhum explicava bem o que está em causa , pelo que fiz uma síntese da tradução (ou uma tradução da síntese) do artigo que, em alemão, pode ser lido aqui.


O governo alemão proibiu as vendas vazias a descoberto sobre títulos da dívida pública de países da zona euro. Nem todos os países da UE aprovam esta decisão. Para que serve esta proibição?

O que são vendas vazias?
Quando precisam de fazer um empréstimo, os países vendem títulos da dívida pública, pagando juros aos detentores desses títulos. Quanto menos confiança houver no reembolso desse títulos, mais altas têm de ser as respectivas taxas de juro. E quanto mais altas as taxas de juro, mais baixa é a cotação do título, porque não há muitas pessoas interessadas em correr esse risco, ou seja, há poucos compradores. Estas variações na cotação podem proporcionar muitos ganhos a especuladores que pratiquem vendas vazias. Neste caso, eles "apostam" que os compradores estão a perder a confiança na capacidade de pagamento de um país, e que a cotação dos títulos da dívida pública deste vai continuar a descer.

Exemplo de uma venda vazia: B empresta a A uma determinada quantidade de títulos (por exemplo, Obrigações do Tesouro). Cada título tem o valor de 10 euros. Para receber o empréstimo, A pagará a B uma taxa de 1 euro por título. Uma vez na posse destes, vende-os na Bolsa, recebendo 10 euros por cada um. Ao fim de determinado período, A tem de devolver os títulos a B, e regressa à Bolsa para os comprar. Se o preço entretanto baixou para 8 euros, A tem um lucro líquido de 1 euro por cada título transacionado - sem ter investido um único cêntimo.

No caso da vendas vazias a descoberto, A nem precisa de arranjar títulos emprestados. Vende-os apostando na sorte, pois a Lei só o obriga a fornecer os títulos alguns dias após a realização do negócio. Ou seja: "apostando" que a cotação vai baixar, espera uns dias para comprar a um preço mais baixo os títulos que já vendera dias antes a um preço superior - embolsando essa diferença de cotações. O problema: se há demasiados actores a vender títulos que nem sequer detêm (vendas vazias a descoberto), pode acontecer haver muitos mais títulos à venda que os que existem de facto. E nesse caso a aposta dos especuladores resulta em cheio: a cotação dos títulos da dívida pública baixa rapidamente, provocando um grande aumento dos juros que esse país tem de pagar para conseguir empréstimos por meio da venda de títulos.


O que são credit default swaps?

Uma outra possibilidade de especulação é oferecida pelos seguros de falta de pagamento de dívidas, conhecidos por credit default swaps (CDS). Trata-se de seguros que permitem aos detentores de títulos da dívida pública garantir o reembolso do seu investimento caso o país não esteja em condições de pagar. Contudo, os especuladores podem comprar os CDS mesmo sem serem detentores dos títulos que estes pretendem segurar. Eles "apostam" que os detentores dos títulos vão perder a confiança naquele activo, e quererão fazer um seguro. Quantos mais CDS forem comprados, mais alto será o seu preço, pelo que os especuladores os poderão vender a um preço superior ao que pagaram. O problema: quanto mais caros os CDS, mais os investidores temem que o país não possa pagar o capital em dívida. O que faz com que as taxas de juro desses títulos disparem.

O que foi proibido?

Só detentores de títulos da dívida pública da Eurozona estão autorizados a comprar os respectivos CDS. A venda vazia a descoberto é proibida para esses títulos e também para acções de dez grandes institutos financeiros alemães (entre os quais o Deutsche Bank, o Commerzbank e a Bolsa Alemã). Relativamente a estes últimos, pretende-se evitar que os especuladores apostem contra a cotação das acções destes institutos, desestabilizando o sistema financeiro. Por enquanto não há uma lei, apenas uma medida de precaução tendo em conta a situação actual no mercado. As proibições são válidas até Março de 2011.

Alguns apontamentos:
Há quem aprove, há quem discorde. Uns dizem que é um sinal importante para os especuladores, outros temem que seja um sinal negativo para os investidores. Por outro lado, a maior parte desses negócios com títulos da dívida pública não são feitos na Bolsa, mas "over the counter", o que torna o controlo muito mais difícil.

7 comentários:

Unknown disse...

Obrigado pela informação esclarecedora. Na verdade, sou a favor da proibição deste tipo de aplicações. A naked short selling foi proibida nos EUA em 2008, mas nós, Europa, continuamos à espera que a coisa se complique para restringirmos este tipo de aplicação...

Helena Araújo disse...

É, é complicado conseguir acordos quando há tantos galos no mesmo galinheiro...

Não percebo as reacções negativas dos outros países. Vendo as coisas como elas são, vendo que há vários países da eurozona que estão em vias de ir à bancarrota também por causa destes movimentos especulativos, o que não entendo é a resistência dos outros países.

Rita Maria disse...

A resistência dos outros países tem, a meu ver, essencialmente com o facto de, depois de andar semanas a empatar decisões comuns, um atraso de resto extremamente caro para toda a UE e para a Alemanha, e apenas um dia depois de se juntar à mesa com os seus parceiros europeeus sem dizer nada sobre o projecto, Schäuble se saia com esta pela calada da noite.

E com o facto de que, com uma moeda comum, não há mercados isolados.

Helena Araújo disse...

Empatar decisões comuns, deixa-me ver, empatar decisões comuns:
148.000.000.000 euros.

Acho que não me enganei, são mesmo nove zeros. A dividir por 80 milhões de alemães, dá 1.850 euros por cabeça. À minha família tocam então, só para esta gracinha, 7.400 euros. Se fosse só isso, ainda vá - ;-) - mas o Estado alemão não está propriamente superavitário.

Em apenas algumas semanas: cair das nuvens, averiguar se isto é a ponta do icebergue ou o icebergue todo, negociar dentro do partido, discutir com a oposição, acalmar os ânimos do povo, explicar que "apesar de os gregos serem mentirosos e perdulários" (como têm andado a ser vendidos pelos meios de comunicação social) é fundamental abrir os cordões à bolsa para estabilizar o euro.
Isto é muita frente ao mesmo tempo - não sei se eu teria conseguido decidir e agir mais rapidamente.

Por outro lado, se é fundamental e urgente evitar que os especuladores ataquem o euro desta maneira, de que é que os outros países estão à espera? Porque é que ainda não se puseram de acordo? Porque é que protestam agora por causa de questões de forma (decidir sozinho e pela calada da noite) se isto tem andado a ser discutido há meses, e o conjunto dos países não ata nem desata?
Não vamos confundir culpados: quem começou esta tragédia não foi a hesitação da Merkel e do Schäuble, foi a má gestão dos gregos combinada com a acção dos especuladores.
Mais ainda: no momento em que se descobre quão horrorosamente frágeis são as bases em que o euro está assente, não se pode exigir da Alemanha que pague primeiro (nove zerinhos) e discuta depois.

Rita Maria disse...

Na small picture, tens alguma razao. Mas na medium picture o que Schäuble fez é um bocado uma traiçao, como se tu e o teuu marido combinassem um presente para o teu filho juntos e ele depois à sorrelfa lhe juntasse meia playstation e um piano de cauda (no dia seguinte!). E na big picture, a Alemanha abriu as portas à intervençao do FMI e fez pressao para uma série de medidas que condicionam fortemente o crescimento da economia grega, garantindo simultaneamente a sobrevivência do modelo que garante que o crescimento e a balança económica da UE continuem a ser tao desiguais.

E no fim disto tudo ainda tenho de ter pena da Merkel porque nao queria perder as eleiçoes de NRW? E considerar a hesitaçao dela como se tivesse sido devida a legítimas preocupaçoes e a convencer o Bundestag? Como se nao tivesse contribuido decisivamente para o tom populista do que dizem os jornais?

Helena Araújo disse...

E eu a pensar que estava a olhar para a big picture... Estes óculos para ler andam-me a dar cabo da perspectiva!

E é para ter pena da Grécia? Se tinha como crescer, porque não cresceu?
O sistema do euro parece estar a precisar de uma profunda reforma, sim. Mas isso também inclui as economias dos PIGS. Como têm estado, não estão bem. Se isso se resolve com políticas de austeridade e FMI, duvido.
Se se resolve com políticos como a Merkel, sobre a qual se diz que guia o rebanho pela retaguarda, também duvido.

E agora, se me permites, fujo com o rabo à seringa: não sei qual é o problema da economia grega, nem o da portuguesa, também não sei quais são os mecanismos da eurozona que agravam (se agravam) esses problemas. Por isso, com licencinha, despeço-me deste pequeno debate.

Júlio de Matos disse...

Gostei, obrigado. E cada vez mais me parece que a Feira do Relógio, lá ao pé de minha casa, é mais honesta e civilizada do que os mercados financeiros internacionais...


Parece-me que isto tudo ainda vai acabar mal. Espero estar muito enganado...