I. Há tempos saí de uma reunião de pais muito depois da hora a que, na Alemanha, as pessoas vão dormir e os passeios são levantados. A caminho de casa, ocorreu-me que não tínhamos pão para o dia seguinte, e por isso parei no supermercado que fica aberto até à meia-noite. Já se sabe como é: pão, e já agora, e já agora, e já agora.
Saí do supermercado com os braços carregados de já agoras, mas sem saco ("são só uns metros até ao carro, não é preciso, obrigada"), dirigi-me ao parque de estacionamento e...
...estava fechado. Por engano, estacionara o carro no parque subterrâneo de um prédio, agora fechado por um portão de grades, em vez de o fazer no parking do supermercado, sempre aberto.
No dia seguinte, durante o pequeno-almoço, contei a história aos meus filhos.
- E que fizeste, mãe?, perguntaram eles, um bocadinho horrorizados.
- Desatei a rir. Era uma cena muito engraçada: eu com os braços feitos cesto cheio de compras, e o carro do outro lado das grades a dizer-me adeuzinho.
II. O Matthias foi passar a tarde com um amigo muito maluco que ele tem (acho que agora se diz "muito criativo", mas teria de ir verificar) e regressou com uma história mirabolante. Tinham começado por jogar uma mistura de futebol e basketball (chutar bolas para dentro de um contentor de papel), depois o Matthias foi para dentro do contentor para ser mais fácil apanhar as bolas quando caíam lá dentro, e daí a nada a brincadeira mudou: o Matthias fechava a tampa, e quando passava alguém ele levantava-a um pouco, fazia cara de parvo e dizia "olááááá".
Claro que o amigo quis participar na gracinha, saltou para dentro do contentor, e então eram dois a levantar um pouco a tampa, a fazer cara de parvo e a dizer "olááá".
Imagino a cara dos transeuntes...
Às tantas o amigo mexeu-se descuidadamente, e o contentor caiu muito devagarinho para trás, deixando-os sentados em cima da tampa, enquanto uma confusão de folhas de papel chovia sobre eles.
- E que fizeram?, perguntei eu, transtornada.
- Desatámos a rir, mãe. Foi tão engraçado!
Depois de muito rirem, tentaram virar de novo o contentor. Mas com tão pouco jeito que acabaram por virá-lo para o lado errado, e ali ficaram, mais fechados que nunca, a rir à gargalhada.
Daí a uns minutos passou alguém que os libertou e lhes deu um valente raspanete (abençoado controle social).
Eu ralhei, fartei-me de ralhar. Que porcaria, brincar num contentor de lixo ("era de papel, e estava vazio, mãe, não percebes nada!"), e que susto, já estava a ver a notícia nos jornais: foram encontrados dois rapazinhos mortos de calor, sufocados dentro de um contentor (embora eu própria tenha de reconhecer que no inverno berlinense é difícil alguém morrer de calor). O Matthias encolheu os ombros: "não tens nenhum sentido de humor".
Quando o pai chegou a casa contámos o episódio. Eu esperava que ele advertisse o filho para os riscos que correra, mas ele:
- Da próxima vez pintem um braço de esbranquiçado, e deixem-no pendurado de fora do contentor como se fosse um cadáver...
5 comentários:
criativos, sim,todos muito criativos! Não querem vir viver para Lisboa?
Lucy, se em Lisboa soubessem que um filho meu brinca dentro de contentores de lixo, faziam-me o que fizeram à Kate McCann!
;-)
AHAHAHAHAH
Eu aqui a rir-me às gargalhadas. Daqui a nada vem alguém para me internar... :P
já somos duas, snowgaze.
Pronto, eu reconheço: de cada vez que imagino a cabeça do meu filho a levantar a tampa de um contentor de papel e a dizer oláááá com cara de parvo, também me dá vontade de rir
(não contem em Portugal)
Que malandro! Não consigo sequer imaginar o circunspecto Matias a fazer tal figura...
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