15 maio 2010

o riso é a minha perdição

I. Há tempos saí de uma reunião de pais muito depois da hora a que, na Alemanha, as pessoas vão dormir e os passeios são levantados. A caminho de casa, ocorreu-me que não tínhamos pão para o dia seguinte, e por isso parei no supermercado que fica aberto até à meia-noite. Já se sabe como é: pão, e já agora, e já agora, e já agora.
Saí do supermercado com os braços carregados de já agoras, mas sem saco ("são só uns metros até ao carro, não é preciso, obrigada"), dirigi-me ao parque de estacionamento e...
...estava fechado. Por engano, estacionara o carro no parque subterrâneo de um prédio, agora fechado por um portão de grades, em vez de o fazer no parking do supermercado, sempre aberto.

No dia seguinte, durante o pequeno-almoço, contei a história aos meus filhos.
- E que fizeste, mãe?, perguntaram eles, um bocadinho horrorizados.
- Desatei a rir. Era uma cena muito engraçada: eu com os braços feitos cesto cheio de compras, e o carro do outro lado das grades a dizer-me adeuzinho.


II. O Matthias foi passar a tarde com um amigo muito maluco que ele tem (acho que agora se diz "muito criativo", mas teria de ir verificar) e regressou com uma história mirabolante. Tinham começado por jogar uma mistura de futebol e basketball (chutar bolas para dentro de um contentor de papel), depois o Matthias foi para dentro do contentor para ser mais fácil apanhar as bolas quando caíam lá dentro, e daí a nada a brincadeira mudou: o Matthias fechava a tampa, e quando passava alguém ele levantava-a um pouco, fazia cara de parvo e dizia "olááááá".
Claro que o amigo quis participar na gracinha, saltou para dentro do contentor, e então eram dois a levantar um pouco a tampa, a fazer cara de parvo e a dizer "olááá".
Imagino a cara dos transeuntes...
Às tantas o amigo mexeu-se descuidadamente, e o contentor caiu muito devagarinho para trás, deixando-os sentados em cima da tampa, enquanto uma confusão de folhas de papel chovia sobre eles.
- E que fizeram?, perguntei eu, transtornada.
- Desatámos a rir, mãe. Foi tão engraçado!
Depois de muito rirem, tentaram virar de novo o contentor. Mas com tão pouco jeito que acabaram por virá-lo para o lado errado, e ali ficaram, mais fechados que nunca, a rir à gargalhada.
Daí a uns minutos passou alguém que os libertou e lhes deu um valente raspanete (abençoado controle social).

Eu ralhei, fartei-me de ralhar. Que porcaria, brincar num contentor de lixo ("era de papel, e estava vazio, mãe, não percebes nada!"), e que susto, já estava a ver a notícia nos jornais: foram encontrados dois rapazinhos mortos de calor, sufocados dentro de um contentor (embora eu própria tenha de reconhecer que no inverno berlinense é difícil alguém morrer de calor). O Matthias encolheu os ombros: "não tens nenhum sentido de humor".

Quando o pai chegou a casa contámos o episódio. Eu esperava que ele advertisse o filho para os riscos que correra, mas ele:
- Da próxima vez pintem um braço de esbranquiçado, e deixem-no pendurado de fora do contentor como se fosse um cadáver...

5 comentários:

Lucy disse...

criativos, sim,todos muito criativos! Não querem vir viver para Lisboa?

Helena Araújo disse...

Lucy, se em Lisboa soubessem que um filho meu brinca dentro de contentores de lixo, faziam-me o que fizeram à Kate McCann!
;-)

snowgaze disse...

AHAHAHAHAH

Eu aqui a rir-me às gargalhadas. Daqui a nada vem alguém para me internar... :P

Helena Araújo disse...

já somos duas, snowgaze.
Pronto, eu reconheço: de cada vez que imagino a cabeça do meu filho a levantar a tampa de um contentor de papel e a dizer oláááá com cara de parvo, também me dá vontade de rir

(não contem em Portugal)

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...

Que malandro! Não consigo sequer imaginar o circunspecto Matias a fazer tal figura...