10 maio 2010

exposições em Berlim, ou: ai que stress cultural

Suspeito que vou contar uma grande novidade: lá para finais da segunda guerra mundial, os russos foram os primeiros a chegar a Berlim. Os aliados ocidentais também queriam ficar com uma parte da cidade, de modo que ela foi dividida em quatro zonas, sendo que os russos escolheram primeiro e - espertos! - ficaram com a parte melhor: o centro, com a maior parte dos museus, dos palácios, das casas de espectáculos.
Berlim ocidental, essa ilha orgulhosamente resistente do lado de lá da cortina de ferro, desatou a construir o que lhe faltava: universidades (por exemplo aquela onde fizeram a biblioteca de Norman Foster), salas de concertos, museus.
Depois da queda da muro, a cidade ficou com todo o equipamento cultural e recreativo em duplicado, ou até mais.
Dizem que são quase 200 museus (contando também os de Potsdam, que são um absoluto must), ai que stress cultural.

Ontem fomos a um dos menos conhecidos, e ficámos embasbacados: como é possível estarmos há quase três anos em Berlim e não termos visto ainda a colecção Scharf-Gerstenberg?
Até 15 de Agosto tem a exposição "double sexus", com obras de Louise Bourgeois e Hans Bellmer. Recomendo, e de preferência com visita guiada.



Esta peça, de Louise Bourgeois, é usada no cartaz da exposição (foto tirada daqui). O que mais me fascinou - para além dos objectos, claro - foi a semelhança de temas e sensibilidades criativas destes dois artistas que praticamente se desconheciam.

Será que já disse hoje "ai que stress"?
Pois é: vista essa exposição, fomos obrigados a decidir entre passar para as salas da colecção permanente desse museu (pintura surrealista), atravessar a rua e ir ao Berggruen ver Picassos e Klees numa atmosfera muito sossegada, ou ir à Neue Nationalgalerie ver a exposição "tempos modernos" (sim, com o filme do Charlot), sobre pintura de 1900 a 1945.

Decidimo-nos por esta, que está excelente, e pede mais de quatro horas para ser bem vista.
As salas estão divididas por temas, em grande parte ligados à história (o choque da primeira guerra mundial, a técnica, as praias, etc.).
Por vezes aparece uma fotografia de um quadro que devia estar ali, e não está porque foi levado pelos russos no fim da guerra. Aliás: em muitos museus berlinenses são exibidas fotografias ou cópias de peças que foram roubadas.
(Agora podem dizer: ah, sim, mas os alemães também...
Sim, os alemães também, e de muitas maneiras. Contudo, parece-me saudável dar visibilidade a esses episódios, independentemente dos autores.)
Na exposição também há fotografias de quadros que foram confiscados no período nazi, por serem considerados "arte degenerada". O mais curioso é que os nazis decidiam o que era "arte degenerada" e confiscava as peças, e depois alguns dos maiores do regime apropriavam-se das que mais lhes agradavam. Alguns desses quadros proibidos salvaram-se assim, outros desapareceram já no fim da guerra.

Na sala dedicada ao cubismo havia dois quadros de Picasso. Uma família de turistas espanhóis, com filhos pequenos, entrou na sala e foi direita ao conterrâneo. "Mira, Picasso!" - chamou a mãe. E a filha, talvez cinco anitos, olhava perplexa para aqueles bocados de mulher e violino repartidos ao calhas por um quadriculado, e repetia "Picasso... Picasso..." como um mantra.
Um dia destes hei-de-me lembrar de escrever um livro de conselhos para pais, "como fazer com que os seus filhos fujam de tudo o que parece cultura". É muito fácil. Mas desconfio que não se vai tornar um best-seller, porque os pais já sabem fazer isso tudo muito bem.

6 comentários:

Paulo disse...

Uma canseira, portanto. Ainda bem que aqui na Merdaleja não há tanto por onde escolher, ou andaríamos todos a ansiolíticos.

Helena Araújo disse...

Pois...
Quando vieres a Berlim, traz é alguma coisa para te dopares. Se vens só uma semana, vai-te dar uns 40 museus por dia, e três espectáculos por noite.

Paulo disse...

E quando é que me sobra um tempinho para uma bica, ao menos?

Helena Araújo disse...

A bica? Mas é que a tomas permanentemente, por via intravenosa.
Caso contrário, nem aguentas, nem tens tempo...

(Depois pergunta ao Miguel como é.)
(Mas viste? Sobreviveu.)

Paulo disse...

Mas vinha tão magrinho, coitadinho.

Helena Araújo disse...

Elegante.
Quem é que precisa de gastar dinheiro no ginásio, se bem o pode gastar na minha correria de museus?