Suspeito que vou contar uma grande novidade: lá para finais da segunda guerra mundial, os russos foram os primeiros a chegar a Berlim. Os aliados ocidentais também queriam ficar com uma parte da cidade, de modo que ela foi dividida em quatro zonas, sendo que os russos escolheram primeiro e - espertos! - ficaram com a parte melhor: o centro, com a maior parte dos museus, dos palácios, das casas de espectáculos.
Berlim ocidental, essa ilha orgulhosamente resistente do lado de lá da cortina de ferro, desatou a construir o que lhe faltava: universidades (por exemplo aquela onde fizeram a biblioteca de Norman Foster), salas de concertos, museus.
Depois da queda da muro, a cidade ficou com todo o equipamento cultural e recreativo em duplicado, ou até mais.
Dizem que são quase 200 museus (contando também os de Potsdam, que são um absoluto must), ai que stress cultural.
Ontem fomos a um dos menos conhecidos, e ficámos embasbacados: como é possível estarmos há quase três anos em Berlim e não termos visto ainda a colecção Scharf-Gerstenberg?
Até 15 de Agosto tem a exposição "double sexus", com obras de Louise Bourgeois e Hans Bellmer. Recomendo, e de preferência com visita guiada.
Esta peça, de Louise Bourgeois, é usada no cartaz da exposição (foto tirada daqui). O que mais me fascinou - para além dos objectos, claro - foi a semelhança de temas e sensibilidades criativas destes dois artistas que praticamente se desconheciam.
Será que já disse hoje "ai que stress"?
Pois é: vista essa exposição, fomos obrigados a decidir entre passar para as salas da colecção permanente desse museu (pintura surrealista), atravessar a rua e ir ao Berggruen ver Picassos e Klees numa atmosfera muito sossegada, ou ir à Neue Nationalgalerie ver a exposição "tempos modernos" (sim, com o filme do Charlot), sobre pintura de 1900 a 1945.
Decidimo-nos por esta, que está excelente, e pede mais de quatro horas para ser bem vista.
As salas estão divididas por temas, em grande parte ligados à história (o choque da primeira guerra mundial, a técnica, as praias, etc.).
Por vezes aparece uma fotografia de um quadro que devia estar ali, e não está porque foi levado pelos russos no fim da guerra. Aliás: em muitos museus berlinenses são exibidas fotografias ou cópias de peças que foram roubadas.
(Agora podem dizer: ah, sim, mas os alemães também...
Sim, os alemães também, e de muitas maneiras. Contudo, parece-me saudável dar visibilidade a esses episódios, independentemente dos autores.)
Na exposição também há fotografias de quadros que foram confiscados no período nazi, por serem considerados "arte degenerada". O mais curioso é que os nazis decidiam o que era "arte degenerada" e confiscava as peças, e depois alguns dos maiores do regime apropriavam-se das que mais lhes agradavam. Alguns desses quadros proibidos salvaram-se assim, outros desapareceram já no fim da guerra.
Na sala dedicada ao cubismo havia dois quadros de Picasso. Uma família de turistas espanhóis, com filhos pequenos, entrou na sala e foi direita ao conterrâneo. "Mira, Picasso!" - chamou a mãe. E a filha, talvez cinco anitos, olhava perplexa para aqueles bocados de mulher e violino repartidos ao calhas por um quadriculado, e repetia "Picasso... Picasso..." como um mantra.
Um dia destes hei-de-me lembrar de escrever um livro de conselhos para pais, "como fazer com que os seus filhos fujam de tudo o que parece cultura". É muito fácil. Mas desconfio que não se vai tornar um best-seller, porque os pais já sabem fazer isso tudo muito bem.
6 comentários:
Uma canseira, portanto. Ainda bem que aqui na Merdaleja não há tanto por onde escolher, ou andaríamos todos a ansiolíticos.
Pois...
Quando vieres a Berlim, traz é alguma coisa para te dopares. Se vens só uma semana, vai-te dar uns 40 museus por dia, e três espectáculos por noite.
E quando é que me sobra um tempinho para uma bica, ao menos?
A bica? Mas é que a tomas permanentemente, por via intravenosa.
Caso contrário, nem aguentas, nem tens tempo...
(Depois pergunta ao Miguel como é.)
(Mas viste? Sobreviveu.)
Mas vinha tão magrinho, coitadinho.
Elegante.
Quem é que precisa de gastar dinheiro no ginásio, se bem o pode gastar na minha correria de museus?
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