Alguém pode fazer o favor de me explicar a diferença entre casamento e união de facto?
Quais as diferenças, e qual a necessidade de haver as duas figuras?
A pergunta foi-me suscitada por um post de Eduardo Pitta, de que cito:
Agora, PS e BE recuperam esse projecto de lei, que será discutido em plenário no próximo 7 de Maio, com alterações relativamente à primeira versão. Alterações no sentido de o tornar mais justo. Ou seja: assegurar a protecção de casa de morada de família em caso de ruptura do casal ou morte de um dos cônjuges; regular as relações patrimoniais e o direito sucessório; consagrar o acesso a prestações por morte; alargar o regime de férias e licenças; etc. A vida, portanto.
Isto não tem nada a ver com casamento. Os homens e mulheres heterossexuais que escolheram viver em união de facto têm o direito a proteger o seu futuro. O mesmo se diga relativamente aos homens e mulheres homossexuais que, por enquanto, não podem casar. Sejamos claros: os heteros têm direito a uniões de facto a sério. Os gays têm o mesmíssimo direito e, se o desejarem, têm ainda o direito a casar.
Confesso que, ao ler aquela lista de questões abrangidas pela "união de facto a sério", me pareceu estar a ler uma descrição do caderno de vantagens do casamento.
7 comentários:
Cara Helena,
De acordo com a lei que hoje regula as uniões de facto (em vigor desde 2001), o direito sucessório não está assegurado. Só para lhe dar o exemplo da habitação do casal (e julgo que não lhe vou dar nenhuma novidade), a coisa processa-se deste modo: se for aluguer, o cônjuge sobrevivo tem direito a passar o contrato para seu nome; se for propriedade do cônjuge falecido, o(a) sobrevivente tem direito ao usufruto da casa, durante cinco anos, contados a partir da data da morte. Findo esse prazo, os herdeiros legais tomam posse da casa. Estamos a falar das paredes... Porque em matéria de recheio, se os herdeiros legais provarem que esse recheio "vinha" da família do(a) morto(a), levam mesmo as coisas, por vezes antes do funeral... A nova redacção da lei deve acautelar esse aspecto.
Dirá a Helena: «mas os heteros não casam porque não querem». Na maioria dos casos é assim, embora haja excepções.
Falando de gays. Numa sociedade como a portuguesa, é provável que grande parte dos gays que vivem há muitos anos em união de facto com pessoas do mesmo sexo (e, por acaso, ocupam cargos de relevo no aparelho do Estado e em grandes empresas públicas e privadas), tenham, esses tais gays, reticências em avançar para um casamento formal. Não estamos a falar de actores, cineastas ou modelos (e mesmo assim...), estamos a falar de pessoas cuja identidade sexual e modo de vida é do conhecimento das 500 pessoas do costume, mas que não estão interessadas em alimentar manchetes de tablóides. Essas pessoas têm direito a acautelar o seu futuro como as outras.
Eduardo,
muito obrigada pela explicação. De facto, era mesmo essa a minha dúvida: quem quer ter esses direitos assegurados, porque não casa?
Quanto às excepções, no caso dos heterossexuais: são tantas que justificam a criação de uma nova figura, semelhante à do casamento? Não podem ser contornadas com um contrato privado celebrado entre os dois?
(Em tempos, ouvi falar de algumas dessas excepções. Já não me lembro bem, mas na altura fiquei com a ideia de que em parte se tratava de casos de burla, nomeadamente ao Estado, e em parte de casos a necessitar de uma terapia de casal.)
Quanto aos gays: lamento, sinceramente, que estejam sujeitos a essas humilhações e indignidades. Espero que a sociedade evolua rapidamente, para que isto deixe de ser tema dentro de poucos anos.
Contudo, não seria mais simples conseguir, para os gays que o queiram, uma maneira de celebrar discretamente o contrato de casamento, em vez de criar uma nova figura, muito semelhante à do casamento?
O contrato de união de facto vai ser menos público que o de casamento?
E, já agora, qual é o estado civil dos unidos de facto? Casado? Solteiro? Este é um pormenor muito importante para os credores, por exemplo.
***
Agora retiro-me para meditar sobre este tema: porque é que me incomoda haver uma nova figura, semelhante à do casamento?
Pergunta a Helena: «qual é o estado civil dos unidos de facto?» É esse: unidos de facto. Tal como consta das declarações de IRS, das apólices de seguros, das hipotecas, dos empréstimos à habitação ou ao consumo, etc. A união de facto dispensa registo. No momento em que é necessário accionar algum dever ou direito, tem de se fazer prova: declaração da junta de freguesia ou IRS comum, etc. Tão simples como isto.
Eduardo,
não é assim tão simples: quem é que se dá ao trabalho de provar que vive em união de facto para accionar um dever? Para os direitos, ainda compreendo...
Encontrei num texto sobre a evolução desta figura no direito português, infelizmente não assinado, estas preocupações sobre possíveis burlas:
"Imaginem-se as injustiças que serão possíveis fazer recorrendo ao disposto nesta legislação.
Arrendatários de quartos que não recebem quitação, afirmarem e provarem em conluio com outros, depois do(a) senhorio(a) falecer, que viviam em união de facto com o de cujus, obtendo assim direito real de habitação, direito de preferência na venda e direito a alimentos proveniente da herança.
Funcionários públicos, com o objectivo de não se deslocarem para longe no exercício das suas funções, combinam com amigos, pagando se necessário, afirmar perante o Estado viver em união de facto, para, desta forma, obter preferência na sua colocação.
Unidos de facto que compram bens, afirmando ser apenas para um deles ou escondendo a sua relação, diminuindo as garantias patrimoniais do credor.
E muitas outras certamente, pois a mente humana é fértil, e muitas as brechas desta legislação.
Pensamos que esta legislação tem aspectos positivos, como sejam acautelar justos interesses dos unidos de facto. Contudo, consideramos um mau serviço ao país, nomeadamente à segurança jurídica, legislar sobre matérias tão delicadas sem a devida ponderação dos seus efeitos."
(http://jar.planetaclix.pt/dissert_u_f.htm)
Pergunto-me se se justifica legislar sobre questão tão complexa, criando confusão jurídica e uma situação de desigualdade em relação aos casados (que não têm qualquer possibilidade de omitir o seu real estado civil, conforme lhes dê mais jeito aparecer como "single" ou vivendo com outra pessoa). Os interesses que se pretende proteger justificam o esforço jurídico a realizar?
Helena, parece-me que concordamos. A minha mãe resumiu toda esta problemática da união de facto mais ou menos assim: A união de facto foi uma invenção que se tem perpetuado para proteger de certa forma os casais homossexuais sem lhes dar o casamento, mas isso só complicou a vida dos heterossexuais. Dêem o casamento aos gays e deixem quem não se quer casar em paz!
Isto é certamente uma simplificação (como resumo, tinha de ser), e penso que na origem quem se pretendia defender eram as companheiras de longa data e de origem modesta cuja sobrevivência ficava em questão à morte do companheiro, sobretudo quando este tinha filhos que não gostavam da relação.
Mas em relação à perpetuação e complicação da união de facto parece-me que a minha mãe está certa.
O fim do preconceito anti-gay deveria ajudar a separar águas.
O problema, Gi, é que o preconceito anti-gay ainda não chegou ao fim. Ainda são tempos difíceis.
Mas parece-me realmente excessivo criar uma figura jurídica que pode ser tão facilmente usada para burla.
Por outro lado, li algures (acho que foi no INE) que no Alentejo a união de facto é um dado cultural entre as pessoas mais pobres. Não sei porque não casam, mas que as há, há.
Não é apenas uma questão de alguns VIPs gays.
Não é só no Alentejo, Helena, até porque casar também custa dinheiro. Mas a instituição casamento dá para conversas infinitas, e a discussão que houve o ano passado em Portugal foi muito política mas superficial e historicamente desinformada.
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