28 fevereiro 2010

o imperativo categórico e o seu avesso

Volta e meia leio em blogues alguém a gabar-se - geralmente com graça - de ter feito algo errado. E as caixas de comentários enchem-se de "hahaha, que engraçado" e "hahaha, eu também teria feito o mesmo".

Confesso que não entendo. O que leva as pessoas a contar abertamente que fizeram algo que não deviam ter feito? O que leva os leitores a aceitar alegremente a descrição de um acto ilícito?

O fenómeno tem pelo menos a vantagem de mostrar que a frase "os políticos são todos iguais" (ou a sua variação: "os de lá de cima são todos iguais") está incompleta.
Iguais a quem? A este povo.

O imperativo categórico de Kant propõe como norma: age de modo a que a máxima do teu agir se possa tornar lei universal.
O que vemos aqui é o contrário disso: as pessoas gabam-se de ter agido de modo errado, e recebem aplausos do coro de seguidores.
Como se o facto de falarem abertamente sobre o que fizeram tornasse lícito e banal o que não o é.
E eis como na bloga portuguesa se inventa a antítese do imperativo categórico de Kant: gaba-te de modo a que o teu agir se torne desculpa universal.

Que tipo de país é que construímos com comportamentos destes?

9 comentários:

snowgaze disse...

Eu confesso que achei graça. E não faria o mesmo porque sou uma cobardolas ;) e entraria logo em pânico só de pensar no que me poderia acontecer se fizesse uma coisa dessas e fosse apanhada. Mas olha que a história tem graça, e faz-me lembrar a do polícia que costuma andar a fazer a ronda perto de Theresienwiese (onde se faz a Oktoberfest) e que apanha as pessoas a atravessar fora da passadeira ou ciclistas a circular no sentido errado da pista, e lhes dá sempre um sermão, e deixa as pessoas ir embora com um "desta vez passa". E às vezes as pessoas (alemães também :P), mal o polícia vira costas, continuam a infringir as regras...

noiseformind disse...

Well... acho que o Grande filosofo Doug Stanhope reverteu apropriadamente o postulado Kantiano quando disse no seu DVD No Refunds: "os vossos pecados e que vos fazem especiais, os vossos pecados e que vos tornam unicos, voces devem tentar ultrapassar os vossos maiores pecados numa base diaria, seus fdp cinzentos e insossos. Comeca aqui a contar como o amor efervescente por Jesus Cristo alterou a tua vida e como andas pela rua alegre por aquela inominavel luz divina ter descido sobre ti e tu ao lado comeca a contar aquela vez em que deste uma queca num carro a uma gaja com paralisia cerebral e vamos ver qual dos dois atrai uma multidao maior."

Ora sendo que Doug Stanhope interage connosco num nivel muito mais contemporaneo eu penso que lhe deve ser dada primazia em termos interpretativos do fenomeno contrariante da legalidade e respeito pelo bem comum.

Alem disso e preciso compreender que a ilegalidade pode por si so ser elemento de normalizacao futura. Por exemplo os movimentos ecologistas do passado criaram estruturas que se esboroam no tempo presente devido ao facto de grande parte dos ecologistas gostarem muito do seu sofa e do seu teclado. E abracarem arvores de preferencia via forums :)))))

Ora esta virtualiade da accao faz com qualquer accao de sinal positivo ou negativo passe a ser preferida a accoes virtuais positivas, pois essas impactam no mundo.

O que eu estou a tentar dizer e que as pessoas tentam ser impactates a sua maneira, e muitas vezes deixar a sua marca quer dizer fazer uma asneira. E a asneira de hoje e a marijuana medicinal de amanha, como tao bem sabemos.

Parabens pelo blog...

Helena Araújo disse...

Snowgaze,
essa história tinha bastante graça se não fosse o comentário sobre os polícias serem totós. O contrário de polícias totós são polícias que usam taser. É esse tipo de polícias que queremos ter?

Cada cultura tem um conjunto de regras que a enquadra - muitas delas não escritas. Tomando o teu exemplo, na Alemanha, uma delas é: posso atravessar no vermelho e fora da passadeira se não houver por perto nenhum polícia nem nenhuma criança.
Uma vez atravessei num vermelho com a minha filha pela mão (expliquei-lhe que não se faz, etc., mas...) e levei um raspanete de um condutor como não se imagina. Como nenhum polícia teria feito.

Helena Araújo disse...

Noise,
as pessoas são impactantes, não tenho a menor dúvida. É é mesmo nisso que reside o problema.

abrunho disse...

Vamos a ver Helena, o problema neste caso não foi o (imp)acto, foi a mentalidade mostrada. Acho que no meio dos comentários se perdeu o fio à meada.

Adorei aquele "Não conheço ninguém que não fuja duma multa." Há pouco tempo um político foi a tribunal e confessou ter fugido a certos impostos, mas senhor juíz toda a gente o faz. Tem piada. Olha!... Eu ainda tenho sentido de humor. ;)

Helena Araújo disse...

Olá engraçadinha,

o que me incomodou mais (para além deste fenómeno um tanto generalizado da cambalhota de Kant) é o problema do choque de culturas. Gente que se instala em países alheios e se ri do que esses países têm de mais valioso.
Ouvi um comentário desses a propósito dos árabes nos países nórdicos, na altura das caricaturas: "eles vêm, servem-se do melhor que temos, mas estão-se a marimbar para as nossas regras".

Esse político: foi em Portugal?
Aqui, há um VIP que está na cadeia por fuga aos impostos. E morreu outro dia um homem que foi muito importante na política alemã, mas por causa de um caso qualquer de corrupção nunca mais conseguiu levantar a cabeça. Nem ao dar a notícia da sua morte esconderam que no seu currículo havia uma linha um pouco menos meritória.

Tens acompanhado o caso da Bispa de Hannover? O Spiegel desta semana afirma que a sua demissão vai acabar por impor novos parâmetros aos comportamentos das pessoas públicas. Uma mulher da Igreja a moralizar a sociedade a partir do seu próprio exemplo. O mundo está cheio de mulheres engraçadas.

abrunho disse...

O político é português, mas já não sei o nome do homem. É recentíssimo. Tentei lembrar-me e andei a vasculhar, mas foi-se.

Esses parâmetros de conduta não são a actores, cantoras e escritores, pois não? Porque aí entramos no campo de pessoas terem que ser exemplos de virtude, somente por causa da sua fama. A questão é pessoas que delineiam e aconselham práticas da vida virtuosa, não as acatarem. A questão é alguém que trabalha muito sobre o dizer o que fazer, não seguir o que diz. Isso é falta de profissionalismo.

Helena Araújo disse...

O Ary dos Santos fazia slogans de publicidade, e defendia-se: "um comunista também gosta de comer um bom bife".
Acho que já tivemos esta conversa uma vez: não espero que ninguém me seja referência moral. Para isso, basta-me a minha consciência. As pessoas famosas não têm obrigação nenhuma de me dar o exemplo.
Mas as pessoas que têm responsabilidades políticas ou religiosas têm uma obrigação acrescida de serem coerentes - dentro de certos limites. O caso Bill Clinton foi uma estupidez, por exemplo. (Acho eu, com os meus olhos europeus)
Em todo o caso: não sei se sequer os fundamentalistas conseguem ser 100% coerentes e íntegros. E tenho muito medo de gente perfeita.

abrunho disse...

ok, concordamos.
aquilo do bill clinton foi uma estupidez, porque era a vida sexual dele. Ele era político e os americanos não eram a Hillary Clinton. Se ele passasse a vida a passar sermões sobre fidelidade, então...