Miguel,
Ia escrever um comentário a este teu post, mas parece-me melhor fazê-lo aqui:
Não li o artigo no Público.
Mesmo assim, não gosto do argumento de os padres não poderem falar sobre certos temas por não perceberem nada disso. É a velha estratégia de matar o mensageiro.
Quanto à mensagem: «Por que razão se há-de impor dogmaticamente que o casamento se estabelece entre duas pessoas?! Por que não entre três?» é uma pergunta perfeitamente legítima. A partir do momento em que se mexe no casamento, também se pode pensar noutras alterações.
Há pessoas que preferem deixar tudo como está, por medo do tal plano inclinado - e afirmo-o sem a menor intenção crítica.
Há outros que se riem dessa angústia do plano inclinado, e argumentam que é só uma mudançazinha de nada (quem pensam eles que enganam?).
E há pessoas que ousam olhar, questionar, procurar sentidos e motivos para outras evoluções. Sim, bem perguntado: porque se recusa a poligamia? e, já agora, o incesto entre adultos?
Claro que são questões muito difíceis e incómodas. Mas uma sociedade torna-se adulta ao saber discutir abertamente estas questões, em vez de viver acriticamente entre tabus e pretensas leis naturais. O "plano inclinado" por exemplo - o que é pior: que a lei acompanhe a evolução social, ou que a lei defenda cegamente e a todo o custo um status quo anterior, provocando um afastamento entre o legal e a prática social?
Voltando à questão colocada pelo padre, poder-se-ia responder que, no caso do casamento gay, a partir do momento em que a sociedade aceita casamentos em cujo centro não está a procriação (pessoas de idade, por exemplo), e em que o fundamento do vínculo se deslocou da procriação para a afectividade, é uma necessidade imperiosa de justiça que seja alargado às pessoas do mesmo sexo. Por outro lado, ele tem razão ao dizer que permitir uma alteração no edifício do casamento abre a porta a outros tipos de alteração, como a poligamia. Mas: e porque não?
É uma questão muito interessante, sobretudo se vista a partir do tão apregoado superior interesse da criança. "Poligamias de facto" não são propriamente novidade na sociedade portuguesa: um homem casado que tem uma família paralela. Pode ser que um ano destes se comece a falar disso, e haveria muito material para discutir.
E não estou a dizer que sou a favor da poligamia, ou da poliandria, ou de ambas. Simplesmente, não tenho medo de discutir isso.
Errado seria impedir o casamento gay por temer que essa decisão abra a porta à discussão sobre a poligamia, ou outras. Se na sociedade há correntes que impelem a uma determinada evolução, faça-se o debate alargado. Sem medo, e com abertura para tentar entender as opiniões contrárias. Sem gavetas de "ateus", "pervertidos" e "padrecas".
4 comentários:
Se o casamento entre pessoas do mesmo sexo abre a porta à poligamia, esta abre a porta a todo o tipo de relacionamentos. No caso do cpms estamos a estender a lei existente aos casais de duas pessoas do mesmo sexo. É uma alteração simples. Na poligamia teríamos de criar uma instituição legal completamente nova e às tantas seria quase impossível atender a toda a espécie de relacionamentos possíveis que cabem dentro da poligamia. O estado teria sempre de regular os termos em que o casamento é feito e o argumento "já que estamos com a mão na massa, porque não A e B?" caberia sempre. Teríamos de limitar o número máximo de cônjuges, como fazem os países onde existe a poligamia. Se é para limitar o número, porque não deixar o limite em dois?
Pois é: cá está o plano inclinado - começa-se a mudar, e sabe-se lá onde se vai parar...
Concordo que a alteração a favor do cpms é uma alteração simples e, como disse, perfeitamente aceitável, porque essas pessoas já cumprem os, digamos assim, "requisitos essenciais" para a celebração do casamento (porque o vínculo se baseia cada vez mais na afectividade e não na procriação).
Eu diria que não se coloca a possibilidade de alargar à poligamia o casamento ocidental porque essa figura está no extremo oposto daquele para o qual esta instituição está a evoluir. Talvez se pudesse colocar essa questão há quarenta anos, quando havia de facto dentro desse contrato uma assimetria a favor do homem. Mas o casamento é cada vez mais um contrato baseado na igualdade e na reciprocidade entre os contratantes. Na poligamia há um cabeça de casal (??? cabeça de casais?) e várias subordinadas. Adeus igualdade. E só de pensar na reciprocidade que haveria entre as contratantes já me dá vontade de rir...
falta de tempo para a resposta calma e ponderada, Helena... lá irei.
Isto é uma conversa que tem tempo, Miguel.
Nada de pressas!
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