27 outubro 2009

Darwin revisited

No Museu de História Natural de Berlim está a decorrer uma exposição sobre Darwin.
Admito que não seja bem a que passou na Gulbenkian, e que foi tão falada, mas achei-a engraçada na mesma.

Dois textos em especial chamaram-me a atenção:

- Ao passar pela Terra do Fogo, Darwin observa os seus habitantes e fala com um miúdo que lhe explica porque é que, quando o Inverno aperta com rigor, comem as mulheres em vez de comerem os cães: "Cães caçam lontras. Mulheres não servem para nada. Homens têm fome."

- Já em Inglaterra, depois da famosa viagem no Beagle, Darwin tem de tomar uma decisão importante para a sua vida. Metódico e racional, escreve numa folha os dois cenários: "Casar" e "Não casar". Muito engraçado.
(Li a folha com toda a atenção. Em momento nenhum referia a hipótese de ter fome no Inverno. De onde se conclui que o clima inglês é mais suave que o da Terra do Fogo.)

***

Recentemente a Christina teve um problema com um professora.
Há muito que os miúdos se queixavam em casa, mas os pais iam reagindo como de costume: é a vida, vai-te habituando, não sejas tão sensível. Na sequência do incidente entre a minha filha e a professora, pedimos a alguns alunos que fizessem um curto relatório sobre o que tinham testemunhado na sala de aula. Quando os recebemos, ficamos chocados. Os relatórios, escritos individualmente, descreviam de forma congruente uma situação de catástrofe pedagógica: uma professora que ameaça dar zeros a quem fizer perguntas sobre a matéria, que parece tirar prazer em humilhar um aluno perante a turma, que faz perguntas que ninguém percebe, e distribui uma rodada geral de más notas porque as respostas estão erradas, sem se aperceber que quando todos os alunos têm más notas o mais provável é haver um problema do lado do professor; alunos que entram na sala cheios de medo, e saem aliviados por terem sobrevivido, que sobretudo não querem que a professora se dê conta de que eles existem; etc.
Nota mental: da próxima vez que os meus filhos se queixarem de um professor, tenho de dar mais atenção.

E lá fui eu falar com a professora e a directora da escola. A professora estava muito incomodada por a Christina, de cabeça perdida, lhe ter dito "vá para o inferno e deixe-me em paz". Eu estava muito incomodada por ela ter levado a Christina àquele ponto. Por lhe ter dito "se nem sequer és capaz de tirar uma informação de um livro, mais te valia ficar em casa", quando afinal nem sequer sabia se essa informação existia no livro. Por a ter repreendido quando ela estava a explicar a uma colega uma parte da matéria que a própria professora se recusou a ensinar.

Hora e meia a discutir, e não foi bonito. Eu a insistir que o problema não está na Christina, mas naquelas aulas. A sugerir que passem a ser assistidas por alguém que dê apoio pedagógico à professora. A recusar-me a pedir desculpa pelo que a Christina tinha dito enquanto a professora não pedisse desculpa perante a turma pelo que tinha dito à minha filha. A perguntar que tipo de valores são transmitidos naquela escola católica.
E a usar a pior arma que existe para arrumar com alemães: quando quiseram criticar a desobediência da Christina, por ajudar a colega em vez de fazer o seu trabalho de pesquisa em silêncio, perguntei-lhes se é isso que queremos ensinar aos nossos jovens: obedecer cegamente, contra a sua consciência, perante situações que consideram erradas e injustas.
Isto não é atingir um calcanhar de Aquiles, isto é escarafunchar numa ferida gangrenada.

De modo que é preciso rever Darwin: até pode ser que o Homem descenda do macaco; mas a Mãe, essa, descende com toda a certeza da leoa.

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