(post publicado também no Eleições 2009)
No sábado passado li um comentário onde alguém explicava que se abstinha de votar porque não concorda com nenhum dos políticos e dos partidos. Terminava assim: “Amanhã vou exercer o meu direito de cidadão com um passeio na praia”.
Reescreva-se o hino nacional:
Heróis da praia
bronze povo
nação doente
e mortal
Há meio século, após a SED (partido comunista da RDA) ter reprimido violentamente uma manifestação contestatária, Bertold Brecht perguntava, num poema de sarcasmo e frustração:
“Não seria mais fácil,
Neste caso, para o governo
Dissolver o povo
E eleger outro?”
Ora aí está uma óptima ideia! (pobre Brecht, que vai agora dar uma cambalhota no túmulo devido ao modo como altero o sentido das suas palavras - mas é para que veja o que os políticos portugueses sofrem…)
Seria muito positivo que todos os que evitaram as mesas de voto em sinal de protesto se perguntassem se basta punir o governo e os políticos, ou se é também preciso mudar o próprio povo. É que Portugal não se debate apenas com um problema de maus políticos e má política. As raízes da crise são muito mais fundas e estão patentes neste disparatado apelo à abstenção, e até ao voto em branco e ao voto nulo, como se o país estivesse dividido entre “eles” e “nós” - os políticos de um lado, o povo do outro. Como se a gestão dos interesses de cada grupo alguma vez tivesse estacado perante os custos que daí advêm para o país; como se cada uma das pessoas que constitui o nosso povo fosse um modelo de virtudes, e os políticos fossem o absoluto contrário disso; como se a corrupção não grassasse por toda a sociedade (a empregada de limpeza sem Segurança Social; os pagamentos sem factura; os esquemas para passar à frente dos outros na lista de espera dos hospitais; e isto: experimente alguém fazer questão de apor à escritura de partilhas o valor real das coisas, e já vai ver o que é que família lhe diz). Em suma: como se “políticos” e “povo” fossem dois grupos completamente antagónicos e separados de modo estanque.
Permitam-me contar aqui a primeira aula de “Política Económica e Monetária” a que assisti, dada pelo professor Daniel Bessa, há um quarto de século: o professor desenhou uma pirâmide, com o governo no vértice superior, as empresas (sector financeiro e industrial, serviços, etc.) no meio, a população na base, e acrescentou setas para explicar as relações: o governo que decide sobre os agentes e a economia, os sectores entre si, a população sobre a qual recai o resultado destas interacções. Nós, os alunos, íamos anotando e percebíamos tudo, que uma das coisas em que o Daniel Bessa é excelente é a explicar de modo simples aquilo que é complexo. A poucos minutos do fim da hora ele parou, olhou para nós, e disse algo do género: uma aula é um exercício de manipulação por excelência, e vocês caíram todos como uns patinhos. Então nunca ouviram dizer que “o Estado é a nação politicamente organizada”?! - e, com o pau de giz deitado, desenhou na pirâmide setas grossíssimas que iam da base para o seu topo.
É por aí. E não apenas a questão das relações entre os vários agentes, indivíduos e grupos, mas também a massa de que são feitos. Será que cada país tem apenas os políticos que merece?
Sepp Herberger (treinador de futebol e autor de máximas famosas) disse uma vez: “depois do jogo é antes do jogo”.
Ao exército de descontentes que votou nulo, em branco, ou nem sequer votou, e aos que votaram em algum partido apesar de não acreditarem nele, faço um apelo: entrem num partido para o melhorarem a partir do interior, criem um novo, iniciem ou participem uma ONG, organizem petições, debates públicos no vosso bairro - façam alguma coisa! Porque: “hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”.
A ver se a mensagem do hino da Selecção Nacional de Futebol chega também aos espectadores na bancada:
Heróis do mar
nobre povo
nação valente
imortal
levantai hoje de novo
o esplendor de Portugal!
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