10 junho 2009

heróis do mar

(post publicado também no Eleições 2009)

No sábado passado li um comentário onde alguém explicava que se abstinha de votar porque não concorda com nenhum dos políticos e dos partidos. Terminava assim: “Amanhã vou exercer o meu direito de cidadão com um passeio na praia”.

Reescreva-se o hino nacional:

Heróis da praia
bronze povo
nação doente
e mortal

Há meio século, após a SED (partido comunista da RDA) ter reprimido violentamente uma manifestação contestatária, Bertold Brecht perguntava, num poema de sarcasmo e frustração:

“Não seria mais fácil,
Neste caso, para o governo
Dissolver o povo
E eleger outro?”

Ora aí está uma óptima ideia! (pobre Brecht, que vai agora dar uma cambalhota no túmulo devido ao modo como altero o sentido das suas palavras - mas é para que veja o que os políticos portugueses sofrem…)
Seria muito positivo que todos os que evitaram as mesas de voto em sinal de protesto se perguntassem se basta punir o governo e os políticos, ou se é também preciso mudar o próprio povo. É que Portugal não se debate apenas com um problema de maus políticos e má política. As raízes da crise são muito mais fundas e estão patentes neste disparatado apelo à abstenção, e até ao voto em branco e ao voto nulo, como se o país estivesse dividido entre “eles” e “nós” - os políticos de um lado, o povo do outro. Como se a gestão dos interesses de cada grupo alguma vez tivesse estacado perante os custos que daí advêm para o país; como se cada uma das pessoas que constitui o nosso povo fosse um modelo de virtudes, e os políticos fossem o absoluto contrário disso; como se a corrupção não grassasse por toda a sociedade (a empregada de limpeza sem Segurança Social; os pagamentos sem factura; os esquemas para passar à frente dos outros na lista de espera dos hospitais; e isto: experimente alguém fazer questão de apor à escritura de partilhas o valor real das coisas, e já vai ver o que é que família lhe diz). Em suma: como se “políticos” e “povo” fossem dois grupos completamente antagónicos e separados de modo estanque.

Permitam-me contar aqui a primeira aula de “Política Económica e Monetária” a que assisti, dada pelo professor Daniel Bessa, há um quarto de século: o professor desenhou uma pirâmide, com o governo no vértice superior, as empresas (sector financeiro e industrial, serviços, etc.) no meio, a população na base, e acrescentou setas para explicar as relações: o governo que decide sobre os agentes e a economia, os sectores entre si, a população sobre a qual recai o resultado destas interacções. Nós, os alunos, íamos anotando e percebíamos tudo, que uma das coisas em que o Daniel Bessa é excelente é a explicar de modo simples aquilo que é complexo. A poucos minutos do fim da hora ele parou, olhou para nós, e disse algo do género: uma aula é um exercício de manipulação por excelência, e vocês caíram todos como uns patinhos. Então nunca ouviram dizer que “o Estado é a nação politicamente organizada”?! - e, com o pau de giz deitado, desenhou na pirâmide setas grossíssimas que iam da base para o seu topo.

É por aí. E não apenas a questão das relações entre os vários agentes, indivíduos e grupos, mas também a massa de que são feitos. Será que cada país tem apenas os políticos que merece?

Sepp Herberger (treinador de futebol e autor de máximas famosas) disse uma vez: “depois do jogo é antes do jogo”.
Ao exército de descontentes que votou nulo, em branco, ou nem sequer votou, e aos que votaram em algum partido apesar de não acreditarem nele, faço um apelo: entrem num partido para o melhorarem a partir do interior, criem um novo, iniciem ou participem uma ONG, organizem petições, debates públicos no vosso bairro - façam alguma coisa! Porque: “hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”.

A ver se a mensagem do hino da Selecção Nacional de Futebol chega também aos espectadores na bancada:

Heróis do mar
nobre povo
nação valente
imortal
levantai hoje de novo
o esplendor de Portugal!

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