Há um "serviço" na internet onde se pode localizar num mapa uma morada concreta, escolher determinado habitante, e escrever sobre ele o que nos apetecer.
Concretamente: se eu me chatear com o meu vizinho, escrevo o seu nome e morada no tal site, e digo que apanha da mulher e urina no elevador. Sob anonimato, claro, claro.
Um visitante virtual da minha rua facilmente pode ter acesso ao que eu escrevi e ficar a saber "toda a verdade" sobre o Herr Schmidt do 2º D.
Querem proibir o site na Alemanha, mas é difícil porque (se bem percebi) é americano, e está ao abrigo da liberdade de expressão tal como ela é entendida nos EUA.
Como ainda estou a dormir, permito-me um pesadelo: que tal usar isso contra todas as pessoas que fizerem publicamente acusações sem provas? Que tal, heinhe?
O sr. Silva, que mora do outro lado da minha rua, diz no café "são todos uns corruptos, a começar pelo Sócrates!" e eu, zimbas, escrevo logo na caixinha da sua morada "o sr. Silva faz fotocópias privadas no escritório"; a D.Aninhas, que tem um blogue engraçado, escreve que os pais da Maddie é que mataram a filha, e eu (que sei quem ela é) zimbas, escrevo logo na caixinha da sua morada que ela passa mais de metade do horário de serviço nos blogues, e além disso consta que já partiu várias colheres de pau no lombo dos filhos. O sr. Luís diz que determinado deputado tem cara de homossexual? Ai escrevo logo que o sr. Luís (da praceta X, nº tal) obriga a mulher a fazer swing de casais.
Ninguém gostava, pois não?
Então porque é que fazem aos outros?
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É que estas difamações vergonhosas não acontecem "só" aos políticos.
Um amigo meu prestou auxílio a uma idosa que, por motivos que desconheço, estava em situação de total ruptura com os filhos. O meu amigo - por quem ponho as mãos no fogo - tinha, juntamente com outra pessoa, acesso à conta bancária da senhora. Depois da sua morte, os filhos processaram as pessoas que a tinham ajudado. Com direito a ter o nome e a fotografia no jornal, em artigo onde se afirmava que se tinha aproveitado da boa-fé de uma idosa para a roubar.
O que é que se devia fazer ao jornalista que escreveu esta peça?...
Pelo menos pelo menos fazer constar que parece que se droga no horário de serviço.
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Também é possível fazer de outra maneira.
Li hoje no Spiegel online uma notícia sobre um rapaz de 18 anos suspeito de, juntamente com um amigo, ter matado as suas duas irmãs, sentando-se depois calmamente num restaurante com os pais; quando estes regressaram a casa, tê-los-á também matado. As armas utilizadas tinham sido roubadas do centro de tiro desportivo do qual era membro.
Do aparelho judicial não vem qualquer informação. Dizem que têm "ideias" e "hipóteses", mas que não se pode publicar "especulações". Um jornaleco de grande tiragem (o Bild, que outro podia ser?) inventa que o motivo poderia ser inveja do sucesso das irmãs - mas o ministério público não comenta postas de pescada. De facto, nem sequer se sabe o nome da família em causa.
O rapaz parecia perfeitamente integrado e equilibrado, a família parecia normal e feliz. Não se compreende.
Comenta-se no artigo:
Como é que o filho modelo se tornou num suspeito de assassínio? Esta pergunta é feita não apenas por polícias e jornalistas, mas também pelas pessoas da região de Eislingen. Uma pastora da Igreja Luterana, Kathinka Korn, adverte contudo para o risco de incorrer em respostas precipitadas: "é isto, justamente, o mais difícil - prescindir do frívolo consolo que as respostas irreflectidas podem oferecer, e suportar a existência de perguntas que ficam sem resposta", disse no seu sermão.
Esta frase da pastora serve bem para questionar o modo como se fazem notícias e se fala delas.
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