26 março 2009

"coisas de quem crê"

Luís,

parece que desta vez é a mim que cabe fazer o papel de advogado do diabo. Coitado do bicho, com advogado do meu quilate não irá longe, mas quem faz o que pode...

Infelizmente não partilho o seu optimismo sobre a independência dos Estados laicos.
Se o Estado é a Nação politicamente organizada, dificilmente se poderá proteger da influência da Religião da maioria.
Estas coisas andam demasiado misturadas.

Sim, é verdade que os católicos não estão muito preocupados com o que diz o rabino. Excepto os católicos que moram em Israel. Ou, talvez, os que moram em Nova Iorque.

Aqui na Alemanha, há grande preocupação sobre o que dizem certos líderes religiosos muçulmanos, e até já se pensou em obrigar a falar alemão nas mesquitas. Não é propriamente para os muçulmanos se integrarem, mas para o Estado controlar melhor o que é que algumas pessoas dessa Religião andam a pregar, não se vá dar o caso de andarem a minar o Estado de Direito em estrangeirês...

Parece-me que, se os não-católicos exigem tanto a "modernização" da Igreja Católica Apostólica Romana, é porque esta está implantada no seio da sociedade e condiciona as escolhas do tal Estado dito laico.
Por exemplo: se os párocos dizem "a homossexualidade é um erro da natureza, e por isso os homossexuais, coitados, o Senhor tenha piedade deles, são chamados a praticar a castidade", o Governo do Estado laico terá uma acrescida dificuldade em fazer passar contra a vontade do Povo leis que protejam a dignidade dessa minoria.
Outro exemplo: algumas homilias nos domingos de eleições.
Eu, por causa das coisas, até estava capaz de sugerir que fizessem as eleições ao sábado, e que o discurso dos representantes da Igreja fosse analisado do ponto de vista do respeito pelos direitos fundamentais constitucionais.
Porque um Estado laico tem o dever de se proteger.

Voltando à questão do preservativo e da moral sexual dos católicos: não vejo problema no facto de o Papa dizer "em vez de confiar no preservativo, tratai é de viver uma vida sem pecado". Ninguém tem de se meter nessa conversa entre o pastor e o seu rebanho.
O problema é se pessoas com responsabilidades na Sociedade impõem a esta os seus valores de índole religiosa. Imagino por exemplo um ministro da Educação que recuse a instalação de distribuidores gratuitos de preservativos nas escolas, porque entende que isso é um convite à promiscuidade (isto sou eu a inventar), o director de uma empresa a escolher para determinada função uma pessoa casada em vez de um homossexual que "vive em pecado", o gerente de um banco a negar crédito a empresas produtoras de armas...

É verdade que só é católico quem quer.
Mas não será que nos países de maioria católica se acaba por impor às minorias, ou a membros delas, aquilo que o Vaticano prega?

***

Obviamente, tudo isto é muito mais complexo.

Primeiro, porque basta ver a quantidade de preservativos e anticoncepcionais que se vendem em Portugal para perceber que este famoso povo católico faz o que muito bem entende em termos de sexualidade, e não parece minimamente preocupado com os preceitos apontados pela Humanum Vitae. O poder do Vaticano está muito longe de ser ilimitado.

Segundo, porque o clero e o próprio Vaticano estão a ser pressionados por movimentos ultra-conservadores surgidos na base desta Igreja, que exigem um endurecimento das regras e uma viragem à extrema-direita. O Concílio Vaticano II já viu tempos mais animadores, e o que dá cabo de muitas ideias feitas é que esse movimento de contra-reforma venha justamente das bases. Do povo.

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