21 março 2009

ainda os preservativos dos jornalistas

O Luís Novaes Tito trocou pelo momento de um post a profissão de barbeiro pela de (muito competente) advogado do diabo, a propósito do escandalozinho que nos tem animado os últimos dias.
Quer dizer, os dias mais recentes - que, apesar de andar um Papa metido ao barulho, ainda não será sinal do fim dos tempos.

Copio para aqui um comentário que escrevi a esse post:



Gostava de acrescentar dois pontos:

- Uma das acusações mais ridículas e ignorantes que se fazem ao Papa é a de ele ser culpado pelo alastrar da SIDA em África.
Primeiro, porque quem lhe dá ouvidos e não usa preservativo, por maioria de razão lhe dá ouvidos e não pratica sexo promíscuo (que é o nome da coisa, quando a Igreja resolve pôr nomes aos bois - e quem não concorda com esta maneira de ver as coisas, pois fique à vontade para usar o preservativo sempre que lhe apetecer, que a saúde pública agradece).
Segundo, porque na luta contra a SIDA em África, a Igreja Católica tem uma presença fundamental e admirável. Talvez por isso mesmo, este escândalo do preservativo tenha criado tantas ondas na Europa e tão poucas em África: os que se debatem diariamente com esta tragédia sabem muito bem o que é que a Igreja realmente pensa e faz. Parafraseando um comentador: os africanos saberão olhar para o que a Igreja faz e não para o que [os jornalistas dizem que] o Papa diz, e por isso não se deixam incomodar muito com estas escaramuças europeias de ideólogos de sofá.

- Ainda não percebi em que língua é que o Papa falou, e não vi em lado algum um vídeo da entrevista, ou a transcrição fiel do que foi dito. Na notícia alemã que li, ele terá dito que o problema da SIDA em África não se deixa regular com preservativos. E que isso só agrava o problema.
Interpreto (porque confio na inteligência deste Papa) que "isso" não significa "usar preservativos" mas "acreditar no preservativo como *a* solução para regular o problema da SIDA em África".
Se resistirmos ao impulso pavloviano de desatar a salivar ao ouvir a palavra "preservativo", e se aproveitarmos para ir ver o que é que a Igreja Católica tem feito em África para tentar minorar o problema, damo-nos conta que o homem pode ter razão, e que isto não tem nada a ver com Moral.
Distribuir preservativos é um detalhe. Aliás: uma das maneiras mais cómodas de se ter a sensação de ter feito alguma coisa para lutar contra a SIDA em África.
Muito mais trabalhoso e complexo é lutar contra a pobreza que obriga as mulheres a cair na prostituição, fazer educação sexual, ajudar os doentes e as suas famílias, tratar mulheres seropositivas grávidas para impedir que a doença se transmita ao filho, pressionar e investigar para que África tenha acesso aos medicamentos a um preço acessível.
É isso que a Igreja Católica faz em África.
Mas os jornalistas que publicaram a entrevista ao Papa, onde ele contrapunha à solução "preservativos" a solução bem mais complexa do "despertar humano e espiritual" e do "auxílio aos que sofrem"
(e, desculpem, vou fazer um desenho: o Papa não escolhe entre preservativo e não-preservativo, mas entre preservativo e uma solução infinitamente mais complexa),
optaram por dar todo o destaque ao "não-preservativo".
E depois queixam-se que ninguém os respeita...

***

Uma última nota: várias pessoas têm referido o problema dos casais onde um deles é seropositivo. Deve ou não deve usar preservativo?
Não era disto que o Papa estava a falar, e não sei o que responderia sobre o caso concreto.
Dentro da Igreja Católica haverá os que dizem que esse casal tem de aceitar a provação e praticar abstinência. Outros - e entre eles até alguns Bispos - dariam ao casal todos os preservativos e informações disponíveis para lhe possibilitar uma vida sexual o mais possível plena e sem risco.

E uma primeira adenda (isto promete): esta semana ouvi de um padre críticas iradas à afirmação do Papa. Depois de muita discussão (é a primeira vez que me acontece defender um Papa dos ataques de um padre - este mundo está cada vez mais mudado, e eu, pelos vistos, também...) sobrou o argumento de que, para os machistas africanos, basta a frase "o preservativo não resolve o problema" para poderem dizer às mulheres que não usam preservativo porque até o Papa diz que isso não é solução. Hehehe, há homens que a sabem toda...
Aceitando que é assim mesmo, e que o que se publica sobre o que o Papa alegadamente disse tem consequências concretas na vida das pessoas: os jornalistas têm consciência da sua responsabilidade? Sabem o que estão a fazer, quando optam por produzir escândalos em vez de praticar informação?

No caso concreto, podiam ter escolhido entre dois títulos:
- Papa diz que preservativos não são a solução para o problema da SIDA
- Papa diz que a solução do problema da SIDA exige um despertar humano e espiritual

Porque é que escolheram um em vez do outro?

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