12 junho 2008

dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas

Cá para nós, e não se zanguem comigo: não percebo este feriado tão complexo. Pessoalmente, bastava-me que fosse o Dia de Portugal. Tem espaço para Camões, para Pessoa, para o Poeta Aleixo e para todos os portugueses.
Também não percebo porque é que há tantos feriados (hiiiii, o que eu fui dizer...): num Dia de Portugal deviam caber também a Independência, a República e a Liberdade.
Adiante, que este tema é perigoso, esqueçam, nada, não disse nada.

Li o discurso do Senhor Presidente da República em Viana do Castelo, e não fiquei nada esclarecida.
Na realidade, até me lembrei do padre da minha aldeia a organizar uma excursão a Lourdes, e a combinar quem é que trata do farnel e qual é a parte que pode ser arranjada em França, por aquela vizinha da cunhada de não sei quem, que já lá está há vinte anos e tem uma loja onde vende vinho tinto ao garrafão e nos pode fazer um preço de amigo.

Se estava a falar das Comunidades Portuguesas, gostava que me tivesse dado umas luzes sobre se hei-de ir registar o meu filho como português ou não.
Agora é mais fácil, o Consulado fica ao lado do escritório do meu marido, já não é preciso tirar um dia de férias.
Mas será que o Matthias é português? A minha família diz que sim. Nos dias em que gostam muito dele dizem "este é cá dos nossos". Mas isso é porque nunca viram as listas que ele faz para organizar o seu dia, com pormenores como "10:45 - ler um livro do Astérix". É alemão, não há dúvida que é alemão, é do melhor alemão que há. Porque haveria de ter um passaporte português?

O Presidente, que visitou "as Comunidades Portuguesas na diáspora", saberá melhor que eu do que fala. Porque eu nem sei se vivemos em diáspora, ou se andamos à nossa vidinha.
E que dizer da identidade dos filhos e dos netos dos emigrantes? À parte o folclore, o que haverá ainda de português nos bisnetos dos que foram para o Brasil e a Argentina no princípio do século XX? O que há de português nas Marie-France Silva e nos Jean-François Moreira que nasceram e estudaram em Paris?
Quando o mais alto representante dos portugueses diz aos emigrantes "sei que podemos contar convosco" estará a imitar o Erdogan, quando veio à Alemanha lembrar aos três milhões de turcos aqui residentes que deviam fazer lobbying pela Turquia? Sabe que pode contar connosco para, concretamente, o quê?
Como é que se concilia a lealdade ao país de origem com a lealdade ao país que acolhe?

E que dizer dos novos emigrantes, o pessoal que sai para doutoramento e acaba tão altamente qualificado que nem tem como regressar a Portugal, porque não encontra aí lugar compatível com as suas aptidões? Ou os outros, os que simplesmente se apercebem que a vida é mais fácil noutros países?
"Comunidades Portuguesas em diáspora" é também com eles?
E eu, que apesar de ter um traje à vianeza e saber dançar muitos viras, um malhão traçado e quase-quase a Gota de Afife (hehehe, com esta é que ninguém estava a contar), ainda não me inscrevi no grupo de folclore português que há em Kreuzberg, e não registei os filhos como portugueses - o contrário de tradição é traição?

O Presidente não explicou muito sobre essas diferenças. Não falou da construção de identidade. Ou das questões políticas: os emigrantes deveriam poder votar nos dois países? A propósito de Camões falou na língua, mas não tocou no tema do desacordo ortográfico.
Só disse "Sei que podemos contar convosco. Podem e devem contar com Portugal."

Sim, está bem, mas: e as acções?
Nem sequer nos convidaram para ir festejar para o Consulado com uns pasteizitos de bacalhau. Ao menos isso. Aposto que ao terceiro croquete já estaria a registar o Matthias, e a pedir se não davam um jeitinho para poder registar a Christina também.

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