Decididamente, há países que não aprendem com os erros dos outros...
Agora que a blogosfera portuguesa já decidiu que proibir piercings e tatuagens é um intolerável ataque à liberdade e uma intromissão na esfera privada das pessoas, vem uma comissão parlamentar alemã discutir o mesmo assunto.
Começou por ser uma discussão sobre os limites das operações de estética em menores de 18 anos, e o controle das condições em que estas podem ser realizadas. Fazendo eco da preocupação manifestada por alguns grupos, os deputados chamaram a atenção para a necessidade de um debate alargado sobre:
- a realização de operações em menores apesar de não terem justificação médica;
- o alastrar de institutos cirúrgicos de beleza, de qualidade mais que duvidosa;
- a pressão exercida sobre os jovens para sobrevalorizarem a estética corporal e se sujeitarem a intervenções de risco;
- as consequências: muitas vezes danos graves e até irreversíveis para a saúde.
A Ordem dos Médicos não põe em causa, à partida, a prática de operações estéticas em menores, e dá o exemplo da operação para corrigir "orelhas de abano". No entanto, vinca a necessidade de os pacientes poderem escolher com segurança os médicos que estão qualificados para realizar essas intervenções.
Pode-se sempre alegar que estão a lutar pelos seus interesses, e pode-se sempre responder que quando se corre o risco de apanhar uma doença infecciosa ou de perder o controle de um músculo ou a sensibilidade de um nervo, convém não deixar os adolescentes entregues à publicidade na Bravo.
(Traduzido para português, dá outro mote querido dos blogues: ai que lá vêm outra vez os fascistas da ASAE!)
A Associação de Pediatras aproveitou o debate para pedir a proibição absoluta de piercings e tatuagens em menores.
Afirmam que em quase 20% dos casos há complicações para a saúde. Informam que há um número crescente de pais que vêm ao consultório do pediatra pedir que o médico "apague" uma tatuagem da pele dos filhos. Consideram inaceitável que a saúde dos jovens seja sujeita a riscos por uma questão de moda ou de pressão do grupo. E chamam irresponsáveis aos pais que põem um piercing no nariz de crianças com menos de 3 anos, ou furam as orelhas de crianças de meses.
(Chegados aqui, alto e pára o baile: se a lei passar, teremos de pedir uma excepção tipo "respeito pela sharia portuguesa" para proteger a identidade cultural dos nossos emigrantes...)
Curiosa, fui finalmente ler a notícia no Público sobre a proposta de lei que estava a ser preparada em Portugal.
Pelo que entendi, aquilo não é bem uma lei, é mais um regulamento de saúde pública.
Claro como água: definição de um "quadro de referência de qualidade", que constituirá "factor de protecção dos consumidores e de informação dos profissionais", e que "seja proporcionador de mais segurança" para consumidores e profissionais.
- Tipo de materiais e de instrumentos a usar: elementar.
- Partes do corpo que devem ser poupadas, dado o elevado risco de lesão e infecção: óbvio.
- Uso de agulhas descartáveis: mas será preciso explicar isto?!
- Obrigação de informar o consumidor, "previamente e por escrito", sobre todos os procedimentos, natureza dos produtos a cujo contacto será submetido temporária ou permanentemente e possíveis consequências da realização de uma tatuagem ou colocação de “piercings”, "dando-lhe oportunidade para que possa reflectir acerca do assunto": é o que (pelo menos na Alemanha) se faz antes de qualquer intervenção cirúrgica, mesmo que seja absolutamente necessária.
O que é que deu aos blogues portugueses para desatarem a chamar ridículo, fascista e totalitário ao PS, em vez de discutirem a proposta a sério?
Porque não aproveitaram o espaço mediático para debater os muitos aspectos da questão?
Gostaria de ter lido informações dos médicos, em especial alergologistas e pediatras, sobre as implicações para a saúde, ou um debate entre filósofos e juristas sobre as questões da responsabilidade dos pais e da liberdade para a automutilação.
Adoraria a discussão com os neo-ultra-liberais, quando viessem com a proposta de que os custos dos problemas de saúde causados por este tipo de intervenção não deveriam ser suportados pelo SNS.
Mas não, nada de complicar e aprofundar o que pode se pode facilmente prestar a aproveitamentos demagógicos.
Basta dizer isto: o PS está numa deriva totalitária. Pim.
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Ah, o pomo de todas as discórdias: a liberdade de fazer um piercing na língua. E porque diabo se intromete o Estado nisso?
Que mania insuportável! É isso, é a obsessão em retirar do mercado produtos que nós gostamos de consumir (alegam que são cancerígenos - olha o disparate! se apanhar cancro, o problema é meu!), é uma espécie de sadismo burocrático que proíbe o meu marido de operar conhecidos na nossa mesa da cozinha (podíamos ganhar umas boas coroas, e os amigos agradecem não ter de esperar pela sua vez nos hospitais, e afinal de contas nos hospitais há muitas mais bactérias que na minha casa, e são bem mais perigosas).
Maldito Estado totalitário, que parece que não tem mais problemas senão meter-se na nossa vida privada e coarctar-nos a liberdade.
Ah, e já me ia esquecendo do mais importante: nada como ir ler jornais brasileiros para saber o que se passa na Europa, e se dar conta que por trás disto tudo está... tãtãtãtãããã... Bruxelas.
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