02 abril 2008

contraditório (1)

Sobre o caso de uma homem grávido, aqui vão os comentários ao artigo correspondente no jornal "Welt" (aqui, em alemão).

Não traduzi todos os comentários, e sublinhei os que achei mais interessantes.

Grau:
26.03.2008, 14:40 Uhr
Esta pessoa não é transexual, mas sexualmente confusa. Só assim se explica este vai e vem mulher-homem-mulher. É compreensível que os médicos se recusem a participar, se a pessoa não é capaz de decidir com segurança sobre o que quer ser. Após o nascimento quer ser de novo homem, e se resolverem mais tarde ter outro filho vai haver novo retorno?

Kim:
26.03.2008, 17:22 Uhr
Mas que comentários discriminatórios e idiotas são estes? "É contra a natureza"... com que então. Aha. E contudo, o que é contra a natureza é não aceitar que rapazes podem nascer com útero e raparigas com pénis e testículos. Seria bom para todas as crianças transexuais se isto fosse reconhecido. Às vezes penso que estamos em 1937, quando leio estas reacções. ESTE comportamento é reconhecidamente contra natura, porque nega aquilo que existe na natureza. Começa a ser tempo que os media reconheçam a sua quota-parte de responsabilidade neste assunto.

Matthew:
26.03.2008, 21:40 Uhr
Uma pessoa transexual que faz uma operação cosmética para ficar com um peito masculino, decide ser homem, e depois engravida?
Para mim, parece ser uma pessoa que está confusa quanto à sua identidade sexual.
Como é que uma pessoa pode exigir o estatuto legal de homem, e no entanto, quase por acaso, querer ficar grávida? Isto mostra claramente que "Thomas" ainda não está muito seguro sobre quem "ele" é.

Kim:
26.03.2008, 21:44 Uhr
"mas um(a) transexual que se diz ser homem"
Ele é um homem. Que nasceu com um útero (e não "que nasceu mulher").

Überschrift:
26.03.2008, 21:54 Uhr
O título deste artigo ("Sensação - um homem dos EUA está grávido" ) é uma falsidade barata.
O que há de sensacional numa doente mental, com problemas em relação ao seu corpo e à sua vida, que se deixa operar e no fim, como se esperava, continua a ter problemas com a sua vida e decide que afinal sempre quer ter uma criança?

bush:
26.03.2008, 22:01 Uhr
Do ponto de vista legal, na Alemanha a lei relativa a transexualidade é muito diferente:
Só após a remoção dos orgãos sexuais é reconhecido ao homem o estatuto legal de mulher (ou vice-versa).
A história deste artigo não seria possível na Alemanha.
Além disso, poucos sabem de experiências em primatas que têm sido, de facto, realizadas, nas quais se dão hormonas a macacos para levar o mais longe possível uma gravidez artificial extra-uterina.
O julgamento moral disto é uma outra questão. Uma pessoa pode-se irritar com tudo isto, mas não é obrigada a isso. :-)

Kim:
26.03.2008, 23:17 Uhr
A transexualidade é um facto congénito, tem a ver com o "sexo cerebral", e o cérebro é o orgão humano mais importante (enfim, para muitos dos que comentam aqui talvez não seja bem assim...). Independentemente de qualquer texto de lei, existem rapazes que nasceram com útero. Qualquer pessoa inteligente pode acompanhar este raciocínio, acho eu. Ah, mas a tal história com o cérebro... uma pessoa pode usá-lo, mas não é obrigada a isso...

eleria:
26.03.2008, 23:56 Uhr
@KIM:
É verdade que há pessoas às quais não é possível atribuir de modo claro um sexo, ou seja, têm simultaneamente orgãos sexuais masculinos e femininos. Mas estes chamam-se "intersexuais" ou "hermafroditas".
Os transexuais, pelo contrário, têm um corpo cujo sexo está claramente definido, mas identificam-se com o sexo oposto.
A transexualidade é vista como um desvio da identidade sexual e pertence à categoria das doenças psíquicas. Daí que, embora não seja muito delicado, não é completamente falso dizer "não se trata de um homem, que está grávido, mas de uma mulher que tem problemas psíquicos...".

Matthew:
27.03.2008, 11:12 Uhr
O caso é tão confuso, que procurei outras fontes. No Welt Online, por exemplo, vem: "O futuro pai, que segundo ele próprio nasceu com corpo de mulher e se submeteu a uma operação parcial de alteração do sexo,"
Além disso, "transexual" é uma pessoa cujo corpo indubitavelmente revela um sexo, mas que quer pertencer ao outro.
Deste modo, Thomas é uma mulher a quem foram retirados os seios e que recebeu injecções de hormonas, que nos EUA pode dizer "eu sou um homem", apesar de ainda ter o útero, e que agora decidiu recorrer a inseminação artificial para engravidar.
O título correcto para esta notícia seria "mulher grávida diz que é homem e fica famosa"

Ostrogoth:
27.03.2008, 14:09 Uhr
Antes de mais: eu sou um transexual. Na imagem que tenho de mim próprio não há lugar para uma gravidez. Para mim, isso não é masculino, nunca tive o desejo de engravidar. No entanto, não exijo que outros pensem como eu. Para alguns, o desejo de mudar de sexo é tão grande como o de ter um filho, e, no final de contas, uma pessoa tem de recorrer àquilo que tem à mão.
Contudo, eu acharia mais saudável se o desejo de ter um filho fosse realizado antes das medidas de reajustamento sexual. Assim se reduz o risco de que isso traga problemas à criança, dado que é indiscutível que a introdução de hormonas do sexo oposto provoca mudanças irreversíveis no corpo, e que não se pode saber à partida como é que isso pode afectar os óvulos ou o esperma.
Para além disso, eu não chegaria ao ponto de negar a Thomas Beatie a sua identidade masculina. Ele tira o melhor partido das suas condições físicas. A natureza é muito variada, e tem lugar para elementos que saem da norma. O que pode fazer com que a maioria de heterosexuais, esses que estão em sintonia com o seu sexo biológico, se sinta ameaçada.


Mona:
27.03.2008, 14:51 Uhr
Desumano!
Acho que o risco de esta criança ficar com problemas de desenvolvimento físico ou psíquico é bem superior ao de uma criança nascida de uma gravidez "normal".
O que é isto? Ou homem, ou mulher - mas não ambos. Isto chega quase a ser uma perversidade.
Isto desagrada-me, e só penso na criança. Na função de modelo dos "pais", que neste caso não tem lugar.

Bewusstsein:
27.03.2008, 17:41 Uhr
@ELERIA
Em minha opinião, caluniar pessoas transexuais chamando-lhes "doentes mentais" é uma atitude bastante arrojada, passe o eufemismo.
A Medicina não aplica aos transexuais o carimbo de doença mental. Em vez disso, é um sentimento - raro, mas natural - da pessoa que não se sente bem no seu corpo. Estas pessoas têm fantasias espontâneas nas quais experimentam os sentimentos do sexo oposto.
Na Medicina existem algumas explicações para este tema de como uma pessoa pode nascer transexual.
Pessoas com doenças mentais normalmente não conseguem confrontar-se conscientemente com as suas sensações e, em vez disso, criam para si próprias, de forma irreflectida, uma realidade regida por obstinação ou um comportamento teimoso completamente descontrolado.
E é exactamente isso o que os transexuais não fazem. Mais depressa se adaptam às circunstâncias, embora a sua auto-estima sofra com isso. Ninguém consegue imaginar a pressão exercida sobre uma pessoa transexual enquanto esta se sujeita à sociedade e se obriga a ter um comportamento correspondente ao seu sexo biológico, em vez do psíquico. E quem é que está em condições de se trair permanentemente, desde que se levanta até que se deita, por toda a sua vida? Alguém aqui consegue imaginar isso?
NÃO, claro que não. É impensável, e por isso é que estas pessoas fazem o que têm de fazer. Vivem a sua própria vida.

Kim:
28.03.2008, 08:28 Uhr
"se obriga a ter um comportamento correspondente ao seu sexo biológico, em vez do psíquico". Embora seja necessário considerar aqui que o chamado "sexo psíquico" também tem uma causa biológica, concretamente, o cérebro humano. O neurologista Dr. Manfred Spitzer diz, a propósito, "você é o seu cérebro" - motivo pelo qual é lógico afirmar que, por exemplo, homens transexuais não se sentem simplesmente homens mas SÃO homens (mesmo que tenham nascido com um útero).
Uma pessoa é o que é.

Peter:
29.03.2008, 18:32 Uhr
Aceitar e tolerar pessoas transexuais é uma coisa, em minha opinião cada pessoa tem o direito de viver a sua vida como acha correcto, sem provocar "danos" a terceiros.
Mas se uma pessoa se decide por uma alteração, devia então ir até às últimas consequências do novo papel que escolheu.
Após uma escolha destas, não devia haver regresso - pois o que hão-de responder à criança quando ela perguntar à "mãe", da qual não nasceu, onde estão as fotos da gravidez, e questões semelhantes...
..."nasceste da barriga do teu pai"...
e desse modo mandá-la para uma marginalidade social?!
Não estou contra que "este tipo" de pares tenham filhos! Uma decisão como esta não devia ser fruto de puro egoísmo, sem pensar nas possíveis consequências para a criança.
Se a sua mulher não pode engravidar, ainda há a possibilidade da adopção! Há crianças em número suficiente, que não têm família e precisam urgentemente de uma! Porque é que um homem precisa de engravidar? Porque é que as pessoas precisam sempre de brincar aos deuses?

Kim:
30.03.2008, 19:03 Uhr
@peter "se uma pessoa se decide por uma alteração" - Pois é, se a decisão dissesse respeito a uma alteração.
Pode ser, que se fale sempre nestes termos, mas eu gostaria de lhe dar alguns elementos para pensar: não há alterações sexuais. O que se pode alterar é
(a) o comportamento social (embora aqui a questão seja até que ponto é que, numa sociedade equalitária, ainda podem existir modelos de comportamento - plenos de clichés - que teriam então de ser mudados) e
(b) os orgãos do corpo (até um certo limite).
O que, do meu ponto de vista, não se altera: o sexo efectivo de uma pessoa, localizado no cérebro e traduzido no psíquico. Dado que a transexualidade é um fenómeno congénito, e ao mesmo tempo o cérebro é o orgão mais importante dos humanos, a conclusão lógica - também do ponto de vista científico - é esta: há mulheres que nascem com pénis e testículos, e homens que nascem com útero.

A partir daí, pode inferir-se isto: uma pessoa é o que é. E porque uma pessoa é o que é, não pode tomar a decisão de se tornar "transexual"; apenas pode reconhecer que o é.

A transexualidade não é um desejo (embora alguns teóricos retrógrados e pseudoreligiosos não o queiram aceitar) mas um elemento da realidade.

Negar esta realidade já é suficientemente mau. E transforma-se em discriminação e atentado contra os direitos humanos quando alguém nega a existência destas pessoas que nascem com orgãos sexuais que não correspondem à sua identidade, a declara uma "não-existência" e insinua que essas pessoas podem decidir "alterar o seu sexo". Em primeiro lugar, a pessoa não decide; em segundo lugar, não é o sexo que é alterado, mas o comportamento e o corpo são ajustados, até um determinado ponto, ao seu verdadeiro sexo. Penso que todas as pessoas têm o direito a um sexo de nascença. Não lhe parece? E se se tratar de um homem que nasceu com útero, então pura e simplesmente esse homem existe. E não precisa que alguém venha com sofismas, ou desenvolva teses religioso-fanáticas, ou algo semelhante... aceitar uma pessoa como ela É (e não como ela talvez queira ser) significa respeitá-la no seu próprio Eu. Infelizmente, há sempre pessoas que não têm este respeito - o que é, em minha opinião, uma característica que não merece propriamente o predicado "bom".


****

Moral da história: fartei-me de escrever disparates no meu post anterior sobre este assunto.

Sem comentários: