Transcrevo (parte de) um texto que recebi de um amigo, e que me parece ser fundamental para equacionar o papel do professor.
Para que deixemos, de uma vez por todas, de falar nos professores como um classe de preguiçosos, oportunistas, amiguistas, incompetentes, etc.
Com certeza que os haverá também assim. Mas cuidado com os carimbos que damos ao todo, não vão transformar-se em self-fulfilling prophecy.
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Na origem da actividade de todo o professor estão as seguintes perguntas:
O que identifica o ser humano enquanto humano?
Quais as invariantes funcionais do seu agir e que alterações estruturais são geradas por essas invariantes?
Como situar o humano no seu aqui e agora socio-histórico (geracional e individual)?
A quotidianidade que enraíza o meu existir é a resposta que eu dou, que cada um dá, a estas perguntas, quer esteja consciente disso ou não. Existir é existir com os outros; e a interacção que assim acontece é um dinamismo que rompe com rotinas, obriga a um revisitar reflexivo do vivido e estimula a criatividade singular de cada pessoa.
Este facto configura o espaço existencial da actividade docente e confere-lhe toda a sua dignidade. Ser professor é viver no dia-a-dia esta interpelação que nos é colocada pela Vida, a qual está sempre a irromper na sucessão das gerações que vão regenerando a humanidade, dando ao presente o rosto de um futuro que ganha corpo e densidade em tantas vidas singulares com toda a riqueza da sua diversidade.
Isto não é teórico nem abstracto. Ao trabalhar com cada turma, um professor tem de ser um bom observador para poder desenvolver estratégias pedagógicas que, valorizando a diversidade dos alunos (geradora de conflitos sócio-cognitivos os quais são sempre o motor do progresso do conhecimento), permita motivá-los, disciplinar a sua energia orientando-a para tarefas que os levem a viver a alegria de se ultrapassarem, permita descobrirem-se a si próprios no esforço metódico de conhecer o mundo pela construção e desenvolvimento dos seus próprios meios de subsistência e criatividade intelectual. Mas essa observação não basta; é preciso que o professor mobilize as suas energias pessoais no espaço lectivo para dinamizar a turma como um todo, e cada aluno, nas tarefas a desenvolver em cada aula. O professor e cada aluno não são máquinas de uma fábrica, nem peças de uma máquina cujos ajustamentos e programação se definem mecanicamente segundo um determinismo pré-concebido. Uma aula é um espaço existencial onde a vida acontece como constante desafio de crescer. E, porque de facto assim é, tem o professor de simultaneamente estar atento a um grande número de aspectos que se articulam com as competências específicas da matéria que ensina. Aspectos estes que têm a ver com variáveis de carácter intelectual, afectivo e social. Não que o professor tenha de ser, além de professor de Matemática ou de Português, Psicólogo e Sociólogo. Mas necessita de ter um horizonte de pré-compreensão que lhe permita entender o significado de determinado comportamento (individual ou de grupo) no quadro do desenvolvimento pessoal de um aluno e no quadro do desenvolvimento sócio-histórico das gerações de forma a poder desenvolver, com todos os alunos, uma interacção que possibilite e dinamize, em cada um, a passagem a mais além de si-próprio, consolidando assim a sua identidade em devir. Manter este dinamismo de crescimento pessoal na actividade docente é uma exigência de todos os dias que não nos deixa alienarmo-nos em hábitos rotineiros, é um permanente apelo ao melhor de nós mesmos para estarmos à altura dos desafios da história que co-construímos. Porém, esta atitude e as competências para assumir com rigor e determinação estas exigências que nos nascem do gosto de sermos nós, sendo professores, não surgem por geração espontânea, é preciso manter um ritmo de trabalho intelectual constante para além do tempo lectivo. Essas competências também não estão adquiridas de uma vez para sempre, porque o real é devir e o tempo histórico não é a cíclica e monótona repetição do mesmo.
(autor: J. Mendonça)
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