25 dezembro 2007

para o tempo de Natal (2)

Ouvi esta história há alguns anos. Não sei quem é o autor, nem o nome do livro. Reconto-a, de memória:

Era uma vez, nos confins da Noruega, uma aldeia no meio da floresta.

As pessoas sabiam que algures entre as árvores habitava um troll, e por isso não se aventuravam muito longe. Pelo seguro, porque nunca se sabe o que um troll pode fazer.

Só uma menina, a mais bonita da aldeia, passeava despreocupadamente pela floresta.
"Um troll?", ria-se ela, "e que tem? Porque é que havia de ter medo do nosso troll?"

Este, por seu lado, evitava as pessoas da aldeia. Pelo seguro, porque nunca se sabe o que uma pessoa pode fazer.

Aconteceu um dia que o troll viu a menina, e se deixou encantar por ela. Em silêncio, e a distância segura, começou a seguir os seus passos, as suas voltas pela floresta em busca de lenha ou cogumelos, as suas idas ao rio para lavar a roupa. Fascinado, esqueceu todas as precauções e foi chegando cada vez mais perto da aldeia.

Os meses passaram.
Veio a Primavera, e ele escondia-se atrás das árvores a observar como a menina fazia coroas de flores para os irmãos mais novos. No seu coração um sentimento novo crescia - seria ternura?
Depois chegou o Verão, e ele ria perante as brincadeiras das crianças junto ao rio.
No Outono a natureza começou a fechar-se sobre si, os habitantes da aldeia foram-se recolhendo cada vez mais ao abrigo das casas e o troll, em vez de se preparar para o Inverno, ficou cada vez mais inquieto.

A neve que cobria a floresta obrigava-o a manter-se longe. Pois como poderia ele apagar as pegadas reveladoras?
E no entanto, a sua vontade de se aproximar e de conhecer melhor os humanos crescia de dia para dia, enquanto à sua volta o tempo parava no frio e na penumbra.
Lembrava os gestos e os ritos, as canções das crianças, o trabalho dos lenhadores. Imaginava-se um deles, a viver numa casa, vizinho da menina. Pensava: "se os observar bem, serei capaz de os imitar, poderei ser como eles."
E suspirava no seu abrigo escuro, entre os ramos de um abeto frondoso.

Mas eis que um dia toda a aldeia se iluminou. Atraído pela luz, o troll aproximou-se das casas e viu como em cada sala havia pinheiros decorados com mil velas, maçãs vermelhas e biscoitos. Viu que as pessoas se sentavam à mesa festiva, envergando as suas melhores roupas. E depois viu, que estranho!, como vestiam os casacos mais quentes, saíam para a rua gelada, e se dirigiam todos a uma casa grande na maior praça.

Morto de curiosidade, avançou pelas ruas da aldeia. Sem pensar nas pegadas na neve e na possibilidade de ser visto por alguém, aproximou-se da igreja. A porta estava fechada, mas ouvia os cânticos - que música linda! - e via a luz que saía das janelas altas.

Bem queria perceber o que faziam as pessoas ali dentro, chegar mais perto!

Um pinheiro que crescia junto à igreja deu-lhe uma ideia: podia subir pelos ramos, chegar a uma janela, espreitar. E assim fez. A neve que se soltava da árvore toldava-lhe a vista e dificultava os seus movimentos, mas conseguiu empoleirar-se num ramo precário, mesmo junto aos vidros.

Lá dentro as pessoas cantavam de novo, as velas enchiam a sala de uma luz quente. Com os olhos muito abertos, ávido de tudo, foi chegando o rosto cada vez mais à janela.

De súbito, o interior da igreja toldou-se. O seu bafo quente tinha congelado na superfície do vidro, impedindo-lhe a vista. Impaciente, raspou o gelo com a unha. Rzzzz, rzzzzz, rzzzz... e depois: plim!
Desequilibrara-se, tentara agarrar-se à janela, e na precipitação partira o vidro.

Todos os rostos se voltaram para ele, e ele pôde ver o medo estampado nos olhos.
O padre correu para a porta, abriu-a, gritou para a escuridão: "Quem está aí? Que quer de nós?"
O troll desceu lentamente da árvore, aproximou-se da entrada, e gagejou: "Sou eu... queria... queria aprender... eu... eu quero tornar-me um ser humano..."

O padre escancarou a porta e fez um largo sorriso: "Ah, então entra, entra! É esse o desejo de todos os que aqui estão!"

2 comentários:

jj.amarante disse...

Guardei esta história tão bonita e tão bem contada num ficheiro .doc mas agora quis referi-la e não sabia onde estava no seu blogue. Googlei do último parágrafo do texto "O padre escancarou a porta " e a primeira entrada foi logo esta:
https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwiQkI2dpcGDAxUFRKQEHQjWAksQFnoECBIQAQ&url=https%3A%2F%2Fconversa2.blogspot.com%2F2007%2F12%2F&usg=AOvVaw2EbWczCMbAlT_jeloI9TFo&opi=89978449

onde foi fácil encontrar o post: https://conversa2.blogspot.com/2007/12/para-o-tempo-de-natal-2.html

Não sei se na Alemanha o resultado é tão bom, as buscas devem depender donde são feitas e das buscas prévias de quem as faz. Quanto à história continuam encantadora.

Bem haja e Bom Ano de 2024!

Helena Araújo disse...

Muitas vezes procuro alguma publicação minha, e não encontro.
Mas esta, curiosamente, foi fácil.
Por isso, não sei que diga sobre as máquinas de busca do google e as diferenças de país para país.