Quase nunca gosto do estilo e do conteúdo do Arrastão. Muitas vezes lhe achei um humor demasiado fácil e panfletário.
Mas, desta vez, o Daniel superou-se em excelência.
Finalmente alguém que reflecte sobre o politicamente correcto sem se fechar nos paradigmas.
Razão tinha o Padre Américo ao dizer que "não há rapazes maus"...
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Apesar de o ter lido com muito gosto, o post do Daniel Oliveira deixa-me por vezes perplexa.
Por exemplo: aquela ideia de que o humor corajoso é um humor que se atreve a atingir as maiorias - como a Igreja Católica. Tivesse ele dito "os fundamentalistas islâmicos", ainda vá, mas... a Igreja Católica?
Talvez eu seja uma hipersensível, mas parece-me que a Igreja Católica é um permanente bombo da festa. Mais: que muitos se especializaram em interpretar da pior maneira o que alguém da Igreja Católica diz, para poder rir ainda mais. Também é verdade que alguns católicos facilitam muito este jogo...
O que eu não sabia é que, pelos vistos, a Igreja Católica em Portugal é um monstro que impede a liberdade de expressão e aterroriza as pessoas.
Fazer uma piada contra a Igreja Católica é um acto de coragem?! Quantas pessoas em Portugal têm sido realmente perseguidas e castigadas pela Igreja Católica devido às piadas que fazem? Estamos perante um estado sombra totalitário?!
Aquela distinção da normalidade na intimidade também tem os seus limites. Obviamente, todos estamos mais atentos ao que dizemos em público, do que ao que dizemos em casa (enfim, pelo menos os que não têm filhos). Em casa ou entre amigos, permito-me pensar em rascunho, procurar em diálogo com outros uma maneira de entender o mundo. Mas, mesmo em rascunho, há limites que não quero ultrapassar - como contar anedotas que estigmatizam os homossexuais (diferentes das anedotas em que a condição de gay é aceite como normalidade), anedotas de pretos, piadas sobre a fome em África ou sobre a vida dos judeus em Auschwitz.
O que me impede de contar essas anedotas não é apenas uma questão de sensibilidade e de compaixão pelas vítimas ou a sua memória, mas o saber que este humor não é neutro nem inócuo. Se há tensões entre os grupos, contar anedotas contra um deles é também uma forma de se posicionar e de reforçar os clichés.
O Daniel diz que "ainda é cedo", o que faz sentido.
Mas, pergunto eu: agora, que as fogueiras da inquisição já se apagaram há centenas de anos, alguém tem vontade de fazer piadas sobre esses churrasquinhos?
Ou será que ninguém precisa de fazer piadas sobre isso porque as tensões daquela época já se dissiparam?
(excluindo, claro está, alguns anacrónicos que acham que os judeus mereceram a fogueira)
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