04 dezembro 2007

fronteiras, culturas, direitos humanos

O "2 dedos de conversa" feito pelos seus leitores (o que eu esperei por este dia...):

Na caixa de comentários do post anterior a Gabriela ofereceu-me um link sobre uma organização que ajuda mulheres muçulmanas a fugir à sua própria família, aqui.

Lembrei que no caso relatado, em que rapazes (de Berlim) matam a sua própria irmã, um dos argumentos usados foi ela "viver como essas putas alemãs": roupa, emprego, divórcio.
Como é possível aceitar nesta sociedade grupos cuja identificação ocorre por oposição aos nossos valores mais básicos, pessoas que vivem aqui e não escondem o seu profundo desprezo?
Pessoas que fazem questão de não aceitar regras fundamentais da sociedade alemã podem permanecer aqui ou devem/podem ser repatriadas?

A Rita responde:
Acho que a questão do repatriamento é falsa. O que nos interessa não é criar ilhas de respeito pleno pelos direitos humanos mas estende-los sempre e sempre. O que interessa não é dizer "não podes fazer isso aqui" mas dizer "não podes fazer isso". Repatriá-los para mim só reforça o conceito de fronteira. E não acho que a defesa dos Direitos Humanos deva passar por aí...nem por aí nem pelo "nós e eles".

Deixo o conceito de fronteira para outro dia.

Quanto ao "não podes fazer isso": estava a imaginar uma teoria do dominó dos direitos humanos ao contrário, ou seja, quem quiser viver na Europa também tem de aceitar certas regras básicas do jogo. Não podemos invadir outras sociedades/culturas para lhes impor estas regras, mas podemos exigir o seu respeito quando jogamos em casa.

Simultaneamente, penso que a cultura e a tradição desses outros países não são estáticos. Também lá há mulheres que se querem emancipar e que o conseguem com maior ou menor custo. Mas esse é um processo sobretudo endógeno, e é bom que seja assim, em vez de ser imposto pelo exterior.

Parece-me que este fundamentalismo moral e esta obsessão pelas tradições são mais acentuados em algumas familias de imigrantes na Europa do que no seu país de origem. Por um lado, talvez se trate de uma reacção a esta sociedade ou de um fenómeno de identificação numa hierarquia social onde ocupam o lugar mais baixo; por outro lado, o exagero deve-se com certeza à ausência de toda uma rede social que existe no país de origem e atenua os totalitarismos do núcleo familiar.
Concretamente: quando importam noivas, adolescentes que nem alemão sabem falar, para que os rapazes casem com "mulheres decentes", investem estas desgraçadas de uma função redentora, e simultaneamente desterram-nas para longe da sua própria família e da sua verdadeira cultura. Vestais de apartamento, longe do mundo - de todos os mundos - em nome da pureza.
Se estas noivas casassem na terra delas, duvido que vivessem numa situação tão desesperada de solidão e total alienação.
Esticando um pouco o argumento, poderíamos imaginar que se estes homens, tão afeiçoados à tradição, fossem obrigados a viver no país de origem da sua família, perceberiam que a tal tradição só existe na sua cabeça.

O problema é, como diz a Gabriela, que não faz sentido enviá-los para um país que nunca foi o seu.

Fazer o quê, então?

Ontem, um professor contou-me de uma turma onde mais de metade dos alunos vem de famílias de emigrantes com baixo nível educacional. Situação cada vez mais normal na Alemanha, sobretudo nas escolas primárias. Dizia ele que os miúdos não têm quem os ajude a fazer os trabalhos para a escola, nem dormem o suficiente, nem têm o material escolar necessário, nem levam para a escola um pequeno-almoço normal. E que muitos deles têm óptimas capacidades, mas por falta de ajuda ficarão muito aquém do que poderiam atingir. Defende que o Estado intervenha: que as crianças fiquem o dia todo na escola, com professores suficientes para que cada uma delas receba a ajuda de que precisa, com comida saudável, etc.
Um Estado violento, que tira as crianças à influência dos pais para as reeducar?!
Não serão só alguns muçulmanos a reagir...

***

Uma vez falaram-me das diferenças entre a política de imigração brasileira e a dos Estados Unidos. O que se segue é sabedoria de ouvido, mas achei interessante.
Os EUA aceitam a entrada das pessoas por grupos. Nem sequer exigem que aprendam a falar inglês. As Chinatown, por exemplo, estão cheias de gente cuja família vive há cinco gerações nos EUA, e continuam a falar melhor chinês que inglês.
O Brasil exige que todos se tornem brasileiros. Houve uma altura em que os japoneses queriam ficar entre si e evitar misturas, e o governo pura e simplesmente fechou as fronteiras aos japoneses. Até que estes cederam, e se abriram à integração.
O resultado está à vista: african-americans, asian-americans, native-americans, latin-americans e sei lá que mais de um lado, e brasileiros do outro.

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