Nas férias de Verão, visitámos uma fábrica de confecções perto de Guimarães. Dezassete mulheres e dois homens: o dono da fábrica e o encarregado.
Na fábrica fazem-se calças para marcas conhecidas. O dono mostrou-nos as máquinas miraculosas ("esta poupa-me sete postos de trabalho, e aquela ali são doze"), as mulheres aplicadas e eficientes, com uma resma de panos sobre as coxas, repetindo sempre um mesmo movimento. Taylorismo puro.
Um par de calças leva 1,36 minutos a fazer, da fábrica saem mais de mil calças por dia, entre os dois e os quatro euros por unidade (excluído o custo do tecido, dos fechos e dos botões).
O dono da fábrica - que trabalha das seis da manhã à meia-noite, num ritmo impressionante de faz-tudo, desde angariação de clientes até à organização do trabalho, passando pela contabilidade - estava todo orgulhoso do fruto do seu trabalho.
Apreciamos o seu esforço e a sua capacidade empreendedora, mas agora já sabemos o que responder aos nossos filhos quando eles se queixarem que a escola é uma chatice. E também já sabemos em que condições são fabricadas as pechinchas que compramos.
Conhecemos bem uma mulher que trabalha nas confecções. A fábrica é um barracão com telhado de fibra-de-não-sei-quê, tórrido no Verão (quando trabalham em malha polar), e tão frio no Inverno que à nossa amiga já chegaram a crescer frieiras no nariz. Ela era a melhor aluna da escola, mas a mãe não a deixou continuar a estudar porque não tinha dinheiro, e além disso "se o rapaz não estudou a irmã também não pode ter mais que ele". As professoras bem tentaram convencer os pais, mas sem sucesso. A miúda começou a trabalhar numa fábrica aos doze anos, e veio para este barracão com 14. Trabalha aqui há dezoito anos, é uma das melhores costureiras, e no entanto continua a trazer para casa apenas 350 euros por mês. Como se não bastasse o baixíssimo salário, o ambiente de trabalho deixa-a destroçada: uma encarregada que grita e descarrega nas costureiras o mau humor que traz de casa, que atira peças de confecção à cabeça das empregadas, que ameaça bater-lhes.
Andou a estudar à noite, conseguiu fazer o 9º ano. Queria chegar ao 12º, mas agora não tem quem lhe dê boleia para regressar a casa depois da escola.
Vive com a mãe, uma mulher sem saúde suficiente para trabalhar à jorna no campo, e que recebe uma pensão de viuvez de 175 euros. Tem um tear em casa, e vai fazendo tapetes de trapos. Recebe 80 cêntimos por tapete. Entre desensarilhar os fios, encher as canelas, tecer, cortar e dar nós, devem ir uns 20 a 30 minutos por tapete.
Outro dia, as duas deram 50 euros de presente a uma miúda que lhes é muito querida. Ora, nem para umas "All Stars" chega.
O Matthias fez logo as contas: sessenta e dois tapetes e meio. E ficou chocado - ele, que passa tardes inteiras na casa da amiga a encher canelas, sabe bem o que custa ganhar 50 euros.
Uma vez a mãe contribuiu para as obras da igreja paroquial. Quando a filha viu no jornalzinho do padre o nome da mãe e o montante do donativo, teve um ataque de o meu rico dinheirinho que me custa tanto a ganhar. A mãe desatou a chorar, e que mais me valia ter morrido aquando ó meu homem, que uma mulher viúva não tem quem na ajude e na respeite e mais lhe valia morrer logo.
Compreendo as duas, e maldigo esta situação que mantém na miséria pessoas que trabalham tanto.
E no entanto, apesar das dificuldades, estas mulheres revelam uma alegria de viver, uma grandeza e um sentido de dignidade que raramente encontro nos pobres da Alemanha - pessoas a quem o Estado garante pão, educação, saúde, habitação e mais uns trocos, mas que são tratadas com desconfiança e falta de respeito.
Pobrezinhas mas felizes? Não: felizes, apesar da insuportável pobreza, porque bem integradas na sua comunidade e certas de um sentido para a sua existência.
Ensinam-nos muito, e estão presentes na nossa vida como um sobressalto que questiona os nossos consumos.
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