09 julho 2007

transportes públicos e outras emoções

Berlim em dia de dilúvio.
Enquanto faço horas para ir conhecer a portuguesa mais luminosa daquela capital, entro no comboio que dá a volta à cidade e vou olhando pela janela. Os telemóveis tocam, as pessoas atendem. Em turco, espanhol, italiano. Que diferença em relação a Weimar (onde, como dizia um miúdo francês, "são todos loiros")!

No metro, à hora de ponta, entra um homem de negócios pendurado no telemóvel. Fala muito alto, tem de tomar decisões urgentes. Pergunta "Consigo tenho esta segurança durante três dias?", e outro passageiro responde "Comigo, não..."
Despede-se: Tschüß!. Os outros passageiros também: Tschüüß! Tschüüüß! Tschüüüüß! Tschüß!
Gargalhada geral.
Acho que vou gostar desta cidade.

Apanho o comboio para Wannsee.
A carruagem está quase vazia. Sento-me a uma janela, espero.
Uma mulher cheia de energia entra, atira-se para um dos bancos, parece um terramoto. Olho para ela: sapatos de salto alto muito elegantes, bermudas e trench-coat, tudo ton sur ton. Penso na minha filha: vai adorar esta cidade.
O comboio começa a andar, o telemóvel da chiquérrima toca. Deve ser uma chamada de longa distância, porque se fosse de Berlim, com aquele vozeirão bastava-lhe abrir a janela e falar - metade da cidade ouviria facilmente.
Daí a pouco entram dois rapazes, talvez turcos. Um ouve música no seu MP3, o outro encosta o aparelho ao ouvido. Vamos rodando ao som de uma música oriental (não sei como definir, o Edward Said que não me ouça).
A energética chiquérrima levanta-se e dirige-se ao rapaz em tom autoritário e agressivo:
- Ponha os auscultadores!
- Não tenho auscultadores, responde ele calmamente.
- Então desligue isso!, grita ela.
O rapaz baixa o som, a energética volta para o seu lugar e comenta com a senhora da frente que isto é impossível, que é um abuso obrigar toda a gente a ouvir aquela música horrível, que isto e que aquilo.

Observo a cena, incrédula. Uma alemã disfarçada de senhora a ter comportamento de terrorista, e um jovem, talvez turco, extremamente educado e muito mais pacífico do que eu seria se estivesse na situação dele.
Já não há respeito pelos meus preconceitos?!

Fico com uma vontade enorme de dizer à mulher que estava a achar a música agradável, muito mais agradável que os urros dela ao telemóvel, e que ela não tinha nada que estragar os prazeres dos outros. Quero dizer ao rapaz - que entretanto já desligou o gravador - o quanto aprecio a educação e o civismo dele. Mas não digo nada. Preparo-me para sair, sorrio ao rapaz (espero que ele tenha percebido que era um sorriso tipo "oh pá, paciência, ele há malucas" e não tipo velha gaiteira com tendências pedófilas, "olá, bonitão!").

Saio para a chuva a pensar qual será a melhor maneira de intervir em situações de conflito como esta.
Penso numa história que me contaram há anos: num convento que organiza retiros e encontros de reflexão teológica, durante um almoço alguém começou a falar com o vizinho da frente sobre música clássica. O da frente não conhecia Brahms, e o especialista admirou-se de tal maneira que todo o refeitório ouviu: "O quêêêê?! Você não conhece Brahms? Mas como é possível?!"
Um silêncio incomodado na sala, o visado muito vermelho, o musicólogo perplexo.
Da outra ponta da mesa, uma voz agradável: "Estou a ver que o senhor sabe imenso sobre Brahms. Pode contar-nos algumas coisas sobre ele?"

Quem me dera saber fazer assim.

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