A propósito dos clamores que já se levantam perante o projecto de alterar a legislação laboral, perguntava Eduardo Pitta (http://daliteratura.blogspot.com/2007/06/sacco-vanzetti.html) quem é que trabalha hoje só oito horas por dia.
Aqui, neste país atrasado onde vivo, diria que há muita gente: ainda outro dia os trabalhadores da VW se fartaram de protestar por lhes aumentarem a carga horária semanal para 27 horas (sim, também pensei que tinha lido mal) e, na semana passada, os da Telecom aceitaram um aumento de 34 para 38 horas. Estavam muito desconsolados.
Tempos houve em que acreditávamos que o avanço tecnológico ia reverter a favor dos trabalhadores, na forma de redução dos horários. E os horários foram realmente reduzidos, permitindo um considerável aumento da qualidade de vida. Há vinte anos, quando comecei a conhecer melhor a Alemanha, surpreendeu-me uma sociedade com tempo para o lazer diário: rush hour às quatro da tarde, gente a quem sobrava diariamente tempo para um hobby, desporto, ler, brincar com os filhos.
Quando, recentemente, a turma da minha filha participou num programa de troca com uma escola francesa, as críticas que se ouviram denotavam claramente a diferença de modelos sociais: diziam os alunos alemães, de 12 e 13 anos, que os miúdos franceses passam o dia na escola, quase não têm tempo para brincar, em casa sentam-se em frente à televisão ou ao jogo de computador, e - cúmulo dos cúmulos! - a seguir ao jantar os pais não se sentam a jogar com os filhos.
Apesar dos sindicatos e da riqueza económica, também na Alemanha a situação está a mudar. Há quem trabalhe muito mais que 8 horas por dia, e com
contratos que não prevêem a recuperação das horas extraordinárias. Nos sectores que conheço melhor, o software (com enorme concorrência dos indianos) e a medicina, há cada vez mais descontentamento. Os médicos, com horários de trabalho absurdos, estão a abandonar o país ou o emprego no hospital/consultório. Aqui, na parte leste da Alemanha, há cada vez menos médicos e as distâncias para consultar um especialista estão a ficar cada vez mais longas (nada que os médicos ucranianos e búlgaros não possam remediar...).
Tudo indica que nos vamos despedir paulatinamente das grandes conquistas da classe operária.
Mas queremos realmente voltar ao tempo da revolução industrial?
Como será a nossa sociedade quando as pessoas não tiverem tempos de lazer, os pais não tiverem tempo para acompanhar os filhos?
É muito mais que uma questão de lei do trabalho.
É sobre a sociedade que queremos ser.
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