10 junho 2007

identidade (2)

Neste dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, quero revelar que me extraviei.

O Presidente discursa amavelmente, "A cultura portuguesa muito deve aos nossos emigrantes. São eles os guardiães da nossa Língua em vários pontos do planeta. São eles que transmitem aos outros povos os valores, as tradições, os saberes que constituem o núcleo essencial da singular identidade portuguesa."

Guardiã da língua?! Nem para mim, quanto mais para os outros.
Mais que fazer casas tipo maison, com fenêtres e tudo, é muito mais complicado: apreender outras culturas com novas palavras põe-nos a pensar e a descrever sentimentos de maneira dificilmente traduzível para português.
Valores, tradições, saberes que constituem o núcleo essencial de singular identidade?! Mas o que é que eu levo de Portugal para o mundo? Quando muito: o bacalhau, o folclore e a capacidade de desenrascar (que nem sempre é vista como qualidade, diga-se de passagem).
À distância, a singular identidade dos portugueses vai-se resumindo a isto: ter a televisão ligada a toda a hora, passar os tempos livres nos centros comerciais.
Acrescido aos choques culturais que vou lendo nos jornais: que o Mourinho alegou a singular identidade para chamar "filho da puta" a um árbitro e escapar ao castigo da Justiça (provavelmente era mais um caso da juíza de Frankfurt) ou as críticas a polícias que fazem almoços de duas horas, regados a álcool (como as compreendo! Por estas bandas, o vinho não dá de comer a um milhão portugueses. É um detalhe, eu sei, mas denota o afastamento.).

Não ando por aí desesperada à procura de portugueses. Quase os evito, por reacção antecipada a um gregarismo que já não faz sentido para mim. Seria capaz de falar durante horas sobre o meu país, mas calculo que outro português (residente na Alemanha ou noutro país qualquer, inclusivamente Portugal) dissesse diferente e até contrário.
Nunca soube bem o que é ser português, ou porque é que as comunidades portuguesas me deveriam ser mais simpáticas que as outras.

Em Portugal sou a alemã, na Alemanha sou a portuguesa. Pior é quando me chamam estrangeira. Ou me pedem para organizar festas para estrangeiros. Isso é lá denominador comum que se apresente?

Se é para aderir a uma identidade, quero dizer-me Europeia. Embora também seja difícil de definir.
Ou talvez por isso mesmo: a identidade europeia é um projecto para o futuro, enquanto que qualquer outra identidade nacional anda conturbada de passado e preconceitos.

Por outro lado, penso nos portugueses hoje estendidos na praia como lagartos ao sol e encho-me de saudades do marulhar das ondas e das anedotas. Extraviei-me, é certo, mas parece que o sangue ainda é português. E hoje pede praia.
Viva então o dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas!

***

Alguém é capaz de explicar como é que Camões conseguiu salvar o manuscrito do naufrágio? Como é que nadou com uma mão só, como é que a tinta não se esborratou toda? Ando há mais de 35 anos com esta dúvida existencial.

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